UMA HISTÓRIA DE VENEZA
Em 2001 participei numa conferência sobre Segurança e Defesa em Veneza com o Instituto de Defesa Nacional e os seus congéneres de Itália, França e Espanha.
A parte social do programa incluía as inevitáveis e inesquecíveis visitas à Piazza San Marco à Basílica San Marco e ao Palácio dos Doges. A dado momento da visita, a guia veneziana mencionou que determinada pintura não se encontrava no local, porque tinha sido levada pelo Exército Napoleónico; mais adiante, esclareceu que certa escultura era uma cópia, pois o original se encontrava em França. À terceira referência (feita de forma casual) às pilhagens francesas, alguém perguntou à guia – “Porque é que a Itália (ou Veneza) não exige a devolução das suas obras de arte à França?” Após uma breve pausa, a guia respondeu: -“ Porque se pedíssemos para nos devolverem o que outros nos levaram e eles nos solicitassem a entrega do que nós tirámos, não sei se não ficaríamos a perder.”
Game, Set and Match! Foi uma das mais breves, lúcidas e inteligentes análises que já ouvi e que resume a impossibilidade, a inutilidade, a impertinência, a petulância e a hipocrisia de tentar corrigir o que de mal aconteceu ao longo de séculos de História.
Pior ainda, é que o ónus das correcções e desculpas pela História fica sempre nos mesmos: os ditos países desenvolvidos, o Ocidente. Como se cada um de nós (Ocidentais), carregasse sobre os ombros o peso de séculos de guerras, opressões, miséria e injustiça, uma espécie de portadores do pecado original, sem os quais os demais povos viveriam felizes, prósperos e contentes. Será que não podemos aprender alguma coisa com aquela guia de Veneza?
A parte social do programa incluía as inevitáveis e inesquecíveis visitas à Piazza San Marco à Basílica San Marco e ao Palácio dos Doges. A dado momento da visita, a guia veneziana mencionou que determinada pintura não se encontrava no local, porque tinha sido levada pelo Exército Napoleónico; mais adiante, esclareceu que certa escultura era uma cópia, pois o original se encontrava em França. À terceira referência (feita de forma casual) às pilhagens francesas, alguém perguntou à guia – “Porque é que a Itália (ou Veneza) não exige a devolução das suas obras de arte à França?” Após uma breve pausa, a guia respondeu: -“ Porque se pedíssemos para nos devolverem o que outros nos levaram e eles nos solicitassem a entrega do que nós tirámos, não sei se não ficaríamos a perder.”
Game, Set and Match! Foi uma das mais breves, lúcidas e inteligentes análises que já ouvi e que resume a impossibilidade, a inutilidade, a impertinência, a petulância e a hipocrisia de tentar corrigir o que de mal aconteceu ao longo de séculos de História.
Pior ainda, é que o ónus das correcções e desculpas pela História fica sempre nos mesmos: os ditos países desenvolvidos, o Ocidente. Como se cada um de nós (Ocidentais), carregasse sobre os ombros o peso de séculos de guerras, opressões, miséria e injustiça, uma espécie de portadores do pecado original, sem os quais os demais povos viveriam felizes, prósperos e contentes. Será que não podemos aprender alguma coisa com aquela guia de Veneza?
14 comentários:
Não te sabia um revisionista histórico: és capaz de explicar à tua audiência que o subdesenvolvimento do terceiro mundo não se explica pelos erros da colonização?
PVM
Não te sabia um revisionista histórico: és capaz de explicar à tua audiência que o subdesenvolvimento do terceiro mundo não se explica pelos erros da colonização?
PVM
Não percebo. Eu não atribuí nada à colonização. Eu limitei-me a criticar a obsessão que se vem verificando nos últimos anos no Ocidente em andar a pedir desculpa por factos históricos que ocorreram há décadas ou séculos, o que eu acho absurdo. E aproveitei o comentário da Veneziana para ilustrar que, se o critério fosse esse, andava meio mundo a pedir desculpa à outra metade.
Percebo o teu ponto de vista: o pedido de desculpas seria uma sinal de superioridade moral e civilizacional, mas não concordo.
Acho que quem o faz, fá-lo por ser politicamente correcto, fá-lo porque há países/grupos/pessoas que são intolerantes, violentos, pensam que tudo lhes é permitido e ainda fazem o papel de vítimas, exigindo essas desculpas.
A esses que fazem barbaridades hoje, não se deve pedir desculpa por nada. Por outro lado, acho ridículo pedir desculpas por acontecimentos que têm décadas ou séculos e que se desenrolaram em contextos sociais, culturais e éticos muito diferentes.
"és capaz de explicar à tua audiência que o subdesenvolvimento do terceiro mundo não se explica pelos erros da colonização?"
Eu seria mais capaz de explicar que o desenvolvimento que os países do terceiro mundo conseguiram, por pouco que tenha sido, foi graças ao Ocidente...
Ricardo
Bem Ricardo Pedro, é sempre complicado fazer essas afirmações lineares e abrangentes, mas eu concordo que se houvesse um continente (exceptuando certas zonas da Ásia) que tivesse ficado de fora da expansão ocidental do século XV até ao século XX, hoje viveria provavelmente ainda numa era pré-industrial.
É igualmente verdade que em muitos países, nomeadamente africanos, os índices sócio-económicos baixaram após a independência. Especialmente no pós-Guerra Fria, muitos países, como o Zimbabwe, o Congo-Zaire, a Birmânia, a Síria, a Libéria, a Costa do Marfim, a Somália, a Serra Leoa, para citar alguns, devem a sua pobreza e a sua miséria a factores endógenos e/ou regionais, que passaram por lideranças corruptas, cleptocratas, sanguinárias, despidas de quaisquer escrúpulos, que prosperaram à custa do sacrifício (leia-se morte ou sofrimento extremo) de grande parte das respectivas populações.
As naçoes europeias que criaram impérios além mar, todas elas, nao tinham como programa de criar riquezas nos paises conquistados, mas, outrossim, de arrancar as riquezas existentes e de se enriquecer com elas. A escravatura fazia parte dessas riquezas .
E este tràfego da "mercadoria" humana desenvolveu-se apesar da presença dos santos homens jesuitas a bordo.
Se nao quizermos pedir desculpa a ess
Que seria a Bélgica sem o Congo e sobretudo o Katanga, que seria a Hollanda sem a Indonésia, que seriam os EUA sem os escravos das plantaçoes de algodao do sul e outros produtos, (rastilho da guerra civil americana), que seria a Inglaterra sem a India, e outros mais.
Outros paises construiram Impérios mas nao souberam retirar, como povos, os beneficios que esperavam.
Todo o ouro e a prata do Mexico, do Peru e de todos os eldorados , apesar das civilizaçoes destruidas, desapareceram nas construçoes prestigiosas, nas joias das monarquias e das basilicas, nas rendas de Flandres, mas nao tiraram o povo espanhol da miséria.
Quanto a Portugal, o resultado està à vista : na cauda da Europa.
Os dividendos da exploraçao colonial de alguns séculos , nao sei onde estao.
Poderiamos mesmo pensar, que em certos casos , se a epopeia da descoberta do mundo foi um feito historico, de que se orgulha, as larguesas obtidas durante alguns séculos, graças às riquezas arrancadas desses paises, tiveram um efeito negativo na economia de alguns paises colonizadores, impedindo ou diminuindo o interesse pelo desenvolvimento duma economia do futuro.
No que respeita os colonizados, penso que desde a controvérsia de Valladolid, aonde a Santa Inquisiçao se reuniu para examinar se os pobres indios trazidos por Colombo da América tinham ou nao tinhao "uma alma" e podiam ser considerados seres humanos, se do ponto de vista religioso eles fazem agora parte do nosso rebanho, nos que diz respeito aos direitos e ao desenvolvimento, ainda està muito para fazer. Refiro-me aos naturais e nao aos colonos ou aos descendentes.
Quando vejo o que se passa na Africa ,penso que eles ainda pagam os erros da colonizaçao.
Nessa matéria tenho uma posição conservadora.
A história foi o que foi e qualquer tentativa de revisionismo,ou de reescrita,parece-me de censurar.
O Ocidenten cometeu erros é verdade,fruto das mentalidades,usos e costumes das épocas mas também é verdade que contribuiu,e muito,para o desenvolvimento de povos e nações.
E,nomeadamente Portugal,que esteve como potencia colonizadora durante 500 anos,de S. Joao_Batista de Ajudá a Timor, e que saiu mal de todo o lado(verdade seja dita)pode legitimamente orgulhar-se de ter contribuido para o desenvolvimento desses territórios.
E manda a verdade que se diga,que á excepção de serem independentes,todos estão piores do que há trinta anos atras.
E não é seguramente por causa da colonização portuguesa.
Claro que discordo desta mania recente de passar o tempo a pedir desculpa por este ou aquele passo da história.
Curiosamente a Europa parece ter complexos perante paises e civilizações que estão muito mais atrasados do que ela em desenvolvimento,democracia,cultura e respeito pelos direitos humanos.
Acho ridiculo.
A colonização não foi um "poço de virtudes" e muito menos uma acção desinteressada. Aliás, praticamente nenhuma o é. O Sr. Freitas Ribeiro pergunta o que seriam a Holanda e a Bélgica sem a Indonésia e o Congo. Eu poderia perguntar: o que seriam a Indonésia e o Congo sem a Holanda e a Bélgica. O comportamento dos Estados e dos povos tem de ser visto à luz da realidade civilizacional, social e cultural da época. As grandes civilizações da Antiguidade usavam escravos e não perderam grandiosidade e importância por tal facto. A escravatura é abominável, mas os descendentes dos escravos africanos nos EUA, têm rendimentos cerca de 20 vezes superiores ao do Sfricano médio do século XXI. O facto de a colonização ter sido realizada em proveito próprio, não invalida que não tenha tido spill-overs positivos para os colonizados.
Luís, eu diria que assino por baixo.
Aos Senhores Luis Cirilo e Rui Miguel Ribeiro (a proposito, o meu nome é Freitas Pereira, desculpe,)eu direi que nao considero absurdo nem ridiculo reconsiderar a posiçao de um Estado, um Povo, ou uma Pessoa, em relaçao a factos nefastos da Historia, ou dum passado, quando estes factos constituem nodoas indelèveis que pesam por vezes na consciência indivudual ou colectiva.
Permitam que explique:-
Quando o Papa Joao Paulo pediu perdao aos Judeus , de todo o mal que a Igreja Catolica lhes fez durante dois mil anos, desde o drama do Golgota, ele nao re-escreveu a Historia dos crimes da Santa Inquisiçao, dos pogroms nem a historia terrivel da Shoah.
Ele utilizou da maneira mais humana a faculdade que nos é dada pela civilizaçao de que nos orgulhamos e dos valores que esta representa, para reduzir, jà que, eliminar de vez ,parece impossivel,o anti-semitismo mais que latente em muitos paises ditos desenvolvidos.
Nao serao os descendentes de Nabucodosor e Saladim que vao pedir perdao aos Judeus ,da destruiçao de Jerusalém, sobretudo nos tempos que passam!...
Quando, ultimamente, em varios paises, se debateu uma vez mais, a historia da escravatura, nao se pretendeu re-escrever a Historia, abominàvel, sim, Senhor Miguel Ribeiro, dos povos colonizados, mas a intençao foi de procurar fazer compreender aos racistas do mundo inteiro, que desde Hitler, recusando de cumprimentar Owen no estadio de Berlim aquando dos Jogos Olimpicos, aos hooligans e aos "tifosi" dos campos de futebol europeus, que a cor da pele nao pressupoe uma superioridade qualquer.
E quando o Presidente Jacques Chirac, em nome de todos os Franceses reconhece publicamente o triste papel desempenhado pelo "Estado" de Vichy na deportaçao dos Judeus de França para os campos da morte alemaes, ele fez mais que o "politicamente correcto":- ele fez justiça e seguiu assim o mesmo caminho de reflexao do Papa Joao Paulo, na luta contra o anti-semitismo.
As minhas obrigaçoes profissionais levaram-me durante 35 anos à volta do mundo. A minha emoçao foi imensa quando visitei a Catedral da Velha Goa e o tumulo de S.Francisco Xavier. Eu vi Camoes em cima do seu pedestal em frente da Catedral, enquanto mais abaixo ,a algumas dezenas de metros do nosso poeta épico, num outro pedestal, se encontrava Gandi. A tolerância simbolizada. Que o nacionalismo de Nehru nao conseguiu destruir.
Qual Português , que teve a sorte de andar por essas paragens, nao se comoveu diante da majestosa fachada da catedral de Macau. Quem nao se comoveu ao visitar os cemitérios de Malaca, Kandi ou de Yokohama. Quem nao se comoveu ao ler as placas das ruas de Mazagao, Mogador e outros restos da epopeia em Marrocos.
Tudo isto é a Historia dum Grande Pais, o nosso.
Mas temos de reconhecer, que o tal poço de virtudes de que fala o Senhor Miguel Ribeiro, parece realmente pouco profundo e deve ser posto em frente dos estragos visiveis da acçao dos colonizadores, que deixaramm, certo, uma lingua, uma cultura, uma religiao e certas estructuras, mas que pela maneira como "descolonizaram" deixeram "en place" uma "elite" de oportunistas que desvirtuaram a civilizaçao que là pretendemos levar.
Talvez porque, e é a minha convicçao, nos preocupamos mais , durante séculos, pelos resultados economicos rapidos que pela preparaçao desses povos para o futuro.
E a minha grande tristeza é de constatar, que hoje, em relaçao a pequenas naçoes que geriram Impérios mais reduzidos que o nosso e por vezes potencialmente menos ricos, os Portugueses caminham na rectaguarda desses paises.
E portanto o Povo Português tem qualidades intrinsecas reconhecidas. O erro encontra-se algures.
A proposito da guia veneziana, creio que ela teve razao de ser prudente e ..diplomata na resposta , porque aqueles magnificos lioes de Sao Marco, antes de là estarem, creio bem que eles se encontravam em ..Constantinopla !...
Sr. Freitas Pereira: mais uma vez, as minhas desculpas por ter errado no seu nome. Achei muito interessante os seus comentários, embora se deva separar as águas. O caso do Papa João Paulo II é peculiar porque, não obstante se tratasse de um Chefe de Estado, era fundamentalmente um líder religioso e espiritual. Também penso que se deve fazer uma distinção, nesses pedidos de desculpa, em relação ao tempo dos factos. Factos recentes são uma coisa, acontecimentos que ocorreram há séculos devem ter uma abordagem diferente.
Dada a polémica que este tema suscitou, voltarei a ele brevemente num novo post.
Quanto à sageza da guia veneziana, estamos plenamente de acordo.
Alexandra: reciprocidade é precisamente o que não existe. Se reparares, os pedidos de desculpas são unilaterais, repetidos e, por vezes, ainda criticados por serem insuficientes. Admito que o distanciamento ajude a consciencializar a verdadeira natureza de determinados actos, mas a verdade é que, ao tempo em que eles foram cometidos "toda" a gente os fazia; tal significa, em última instância, que teríamos uma infinidade de desculpas cruzadas com, no meu entendimento, pouco efeito prático.
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