28 fevereiro, 2013

Non Habemus Papam

NON HABEMUS PAPAM

 
Bento XVI, na Baviera, Alemanha.

A partir de hoje e até ao desenlace do próximo conclave da Igreja Católica, não teremos Papa. Pela primeira vez desde 1415 e apenas pela 7ª ocasião em 2000 anos, tal não sucederá por morte do Papa em funções.

Confesso que não gostei da atitude de Bento XVI. Serei tradicionalista, mas não gostei. Ocupar o lugar de S. Pedro é uma responsabilidade brutal. A responsabilidade de governar uma Igreja com mais de um bilião de crentes é uma tarefa monumental, sujeita a grande desgaste, a grandes pressões, a grande exposição.

Por outro lado, garante ao detentor do cargo um lugar na História do seu tempo e confere-lhe muito poder, muito prestígio, muita influência. Concerteza que um homem tão inteligente e ciente da vida do Vaticano como o Cardeal Ratzinger, tinha uma ideia muito aproximada do cargo e das respectivas implicações.

A tradição multi-secular estabelece que o lugar de Sumo Pontífice é vitalício. E assim tem sido assumido por todos os Papas nos últimos 600 anos. E tal missão implica coisas boas, mas também uma vontade férrea de servir a Deus e de conduzir o rebanho, a despeito de quaisquer sacrifícios de ordem pessoal.


João Paulo II, cujo estado de saúde era, aparentemente, muito mais precário do que o de Bento XVI, resistiu com um estoicismo, um sentido do dever, de servir e de missão notáveis, até ao fim. Não há motivo aparente para que Bento XVI não se empenhe com a mesma tenacidade e determinação demonstradas por João Paulo II.

E, passe a redundância, o final deve ser precisamente no fim.
Mais a mais, a decisão de Bento XVI, pelo seu carácter inusitado e quase inédito, expôs a Igreja Apostólica Católica Romana a múltiplos rumores, muitos deles gravosos, degradando a sua imagem de forma desnecessária.


Aguardemos pois pelo Conclave. Até lá, nós, Católicos, non habemus Papam.

O adeus prematuro de Bento XVI ao trono de S. Pedro.
in "Reuters" at http://uk.reuters.com/

26 fevereiro, 2013

Grillo & Monti (Palhaço Pobre e Palhaço Rico)

GRILLO & MONTI
(OU O PALHAÇO POBRE E O PALHAÇO RICO)


Nem toda a gente conhece Beppe Grillo e Mario Monti. Contudo, toda a gente conhecerá a dupla circense do palhaço pobre e do palhaço rico.


Então visualizemos Grillo (o nome ajuda; a profissão também) como palhaço pobre. Inexperiente na política, cabeludo e despenteado, mal vestido, gritante, espalhafatoso e revoltado, de mal com a vida política e a situação de Itália.


E vejamos Monti como o palhaço rico. Abastado, com uma longa carreira ligada à política e à academia, elegante, bem vestido, com uma pose patrícia e arrogância q.b. Olha o palhaço pobre e outros com a petulância de quem os vê como um incómodo para atingir aquilo a que julga ter direito.
Ambos palhaços, cada um à sua maneira.

Resultados provisórios das eleições italianas. Em cima, os resultados do Senado e em baixo os do parlamento. A vermelho a coligação de esquerda de Bersani, a azul a coligação de direita de Berlusconi, a amarelo o M5S de Grillo e a verde o grupo de Monti.
in Corriere della Sera em http://www.corriere.it/


O pobre ruge contra a recessão, a austeridade, a Alemanha, a pobreza galopante, a política tradicional, os interesses instalados.


O rico passeia o seu prestígio internacional (afinal veio recomendado/nomeado por Berlim e Bruxelas), defende a política do seu governo como a ÚNICA possível e ridiculariza os adversários, especialmente Berlusconi.


O pobre Grillo em boa verdade não tem programa. O seu programa é o não-Monti, o não-Berlusconi, o não-Bersani. Acima de tudo, NÃO.


O rico Monti tem o programa que nós conhecemos: Troika, austeridade, Merkel, impostos, cortes de direitos adquiridos, Schauble e, claro está, ele próprio.


Regressando ao circo, de onde em boa verdade não chegamos a sair, o palhaço pobre, a vítima, costuma sair por cima, enquanto o palhaço rico acaba ridicularizado pelo pobre, vítima da sua própria petulância.


E o circo da política em Itália teve o mesmo resultado do outro circo. O partido de Beppe Grillo teve 25% dos votos. O partido de Mario Monti teve 10% dos votos. O palhaço pobre elegeu 109 deputados. O palhaço rico ficou-se pelos 47. O Italiano revoltado elegeu 54 senadores. O candidato da Alemanha e do “Economist” elegeu 19.
 
Resultados definitivos das eleições italianas. A vermelho, os resultados do Senado; a verde, os resultados da câmara baixa.

in “La Stampa” em http://www.lastampa.it

O circo volta à estrada. O palhaço rico foi desmistificado e confirmou-se que não tinha legitimidade democrática. O palhaço pobre ganhou e está na ribalta, prova viva da saturação dos eleitores com the politics as usual. Porém, sem programa e sem estofo, também ele será lançado aos leões no Coliseu. Não creio que Beppe Grillo seja a alternativa ao sistema político-partidário vigente. Certo é, porém, que a legitimidade das políticas e das posturas das elites políticas tradicionais estão cada vez mais em cheque. Mais tarde ou mais cedo, será imposta a mudança.

23 fevereiro, 2013

Coreia do Norte: 3-0 Contra Todos

COREIA DO NORTE:
3-0 CONTRA TODOS

 
in “The Economist”

A Coreia do Norte realizou o seu 3º teste nuclear. 2006, 2009, 2013. Três testes em pouco mais de 6 anos.

Mais uma vez, os grandes do mundo revoltaram-se, vociferaram, condenaram, criticaram, reclamaram, ameaçaram e até aprovaram mais uma Resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
 
Resultados de tanta agitação: 0. Zero. Futebolisticamente poderia dizer que a Coreia do Norte ganha 3-0.
 
Olimpicamente, Pyongyang prossegue a sua política de pressão, de blackmail, de ameaça, de confronto e vai levando a água ao seu moinho. A China tem influência sobre a Coreia do Norte, mas aparentemente não muita. A Coreia do Sul pode ser a maior ajuda e a maior ameaça para o vizinho do Norte, mas não ganha nada com isso. Os EUA estão tecnicamente em guerra com a Coreia do Norte, mas não sabem o que lhe hão-de fazer. O Japão treme e ameaça; os tremores devem divertir os miliares norte-coreanos e as ameaças não os assustam. A Rússia, francamente, não se rala muito.


É assim. 1, 2, 3, mais um teste nuclear. Kim Jong Un até pode ser diferente do pai e do avô, mas até agora é mais do mesmo: em Dezembro, lançamento de um satélite utilizando tecnologia de mísseis de longo alcance; em Fevereiro, novo teste nuclear. Contra tudo e contra todos, a Coreia do Norte ganha 3-0.

21 fevereiro, 2013

923.001 Desempregados

923.001 DESEMPREGADOS
 

Portugal tem 923.001 desempregados.
A taxa de desemprego em Portugal bateu nos 17%.
Portugal galopa a caminho do milhão de desempregados.
Os media divulgaram o nº de 923.000 desempregados.
A esses 923.000 acrescentei 1. Eu próprio. Somos, portanto, 923.001 desempregados em Portugal.

 
Rui Miguel Ribeiro: desempregado nº 923.001 em Portugal.


Venho criticando duramente a política do actual governo, nomeadamente no plano económico e fiscal. Na realidade, faço-o desde 1 de Julho de 2011 (“Outro mentiroso em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2011/07/outro-mentiroso.html ). Desde um tempo em que não sonhava cair no desemprego. Refiro isto para não se pensar que o que possa escrever daqui para a frente está marcado pela acrimónia pessoal.


Não que não fosse legítimo tê-la. E é legítimo ter acrimónia quando:


·         Há centenas de milhares de vítimas do desemprego por causa da política autista e subserviente do governo.

·         Há milhões de cidadãos e famílias empobrecidas pelo mesmo motivo.

·         Há um Primeiro-Ministro que, confrontado com os 17% de desempregados, diz que tal “está em linha com as nossas previsões”, sorrindo com um ar aparvalhado.

·         Há um governo que clama combater contra o desemprego quando a sua política destruidora do tecido económico e do consumo privado aumenta esse desemprego exponencialmente.

·         Há um governo que vê o desastre da sua receita em 2011 e em 2012, dobra a receita em 2013.

·         Há uma indiferença ignóbil e um escárnio arrogante perante o sofrimento dos Portugueses.

·         Há um guarda-livros mor da nação que não acerta uma e que acaba de dobrar a previsão de descida do PIB que fez há menos de dois meses, replicando a que o Banco de Portugal fez ainda no ano passado.


Perante o actual cenário, com o PIB quase em queda livre (-3.2% em 2012), o nº de desempregados vai continuar a subir. Inexoravelmente. Brevemente serão/seremos 1.000.000. E o PIB vai continuar a descer. Inexoravelmente.

14 fevereiro, 2013

Cameron: "Nothing is Off the Table"

CAMERON: “NOTHING IS OFF THE TABLE”
 

Westminster, the Houses of Parliament and Big Ben.


No seu muito falado discurso sobre o Reino Unido e a União Europeia, David Cameron identifica com grande clareza os grandes problemas e deficiências do chamado projecto europeu, da sua evolução e do estado a que chegou.

Destaco alguns dos pontos referenciados pelo Primeiro-Ministro Britânico:


1-   “[…] there is a gap between the EU and its citizens which has grown dramatically in recent years. And which represents a lack of democratic accountability and consent.”

Eu sei que isto é uma evidência, mas é notável que seja dito ipsis verbis pelo líder de um Estado-Membro. A EU é um projecto conduzido e desgovernado por umas luminárias que ignoram e desprezam o pensar e sentir dos eleitorados sobre a matéria, onde o contraditório e as alternativas ao pensamento único de Berlim e Bruxelas são anátema. É, também, evidente que enquanto este estado de coisas se mantiver, os Europeus que se revêem na EU serão cada vez menos.

2-   Can we really justify the huge number of expensive peripheral European institutions? Can we justify a Commission that gets ever larger? Can we carry on with an organisation that has a multi-billion pound budget but not enough focus on controlling spending and shutting down programmes that haven't worked?"

Este é outro ponto muito interessante e muito pouco falado. Porque é que os organismos que impingem a austeridade urbi et orbi e que são financiados em última análise pelos contribuintes europeus, não praticam eles próprios a austeridade? Porque é que o polvo burocrático bruxelense aumenta em tamanho e em custo? É tempo de cortar tentáculos e gorduras em Bruxelas. Eis uma medida de austeridade que era capaz de colher bastante apoio nos eleitorados dos Estados-Membros.

3-   "Power must be able to flow back to Member States, not just away from them... Countries are different. They make different choices. We cannot harmonise everything. […] In the same way we need to examine whether the balance is right in so many areas where the European Union has legislated including on the environment, social affairs and crime. Nothing should be off the table."

Na mouche. Aparentemente, visto de Bruxelas, o continente europeu é uma massa homogénea. Não é. A harmonização tem sido prosseguida de forma cega por uma burocracia omnipotente e arrogante com pretensões a tudo regular e formatar na Europa. A burocracia cefalópode referida no ponto anterior tem de ser não apenas cortada nos seus custos, mas também nas suas atribuições e poderes.

4-   There is not, in my view, a single European demos. It is national parliaments, which are, and will remain, the true source of real democratic legitimacy and accountability in the EU."

Eis o ponto fulcral. Não obstante o esforço integracionista promovido nas últimas décadas, os parlamentos nacionais continuam a ser a pedra basilar da representação democrática, os órgãos que decorrem directamente do exercício da soberania popular através do voto. Nem vale a pena mencionar o Parlamento Europeu, expoente do caro, gongórico, ineficiente e não representativo. O reconhecimento da realidade nacional como alicerce político fundamental dos Estados Europeus e o abandono da miragem da federação europeia, contribuiria para um renascimento da EU em base mais sãs e realistas.
 

United Kingdom drifting, Germany driving and France following?


Idealmente, o discurso de David Cameron poderia constituir o pontapé de saída para se abandonar o que se vem chamando de “construção europeia” e começar o que se poderia designar de reconstrução europeia.


Dentre os objectivos a prosseguir, podíamos assinalar:

* Devolução de poderes da EU para os Estados–Membros.

* Downsizing da burocracia bruxelense e consequente redução de custos.

* Redução das competências dos Tribunais Europeus.

* Eventual extinção do Parlamento Europeu.

* Revisão dos Tratados para reflectir estas mudanças.


Teríamos assim uma EU mais realista, mais contida no tamanho e competências, mais respeitadora da individualidade dos Estados, muito menos dispendiosa e provavelmente muito mais popular.


Tal representaria uma ruptura histórica com um projecto liderado por dois países e umas dúzias de luminárias, arvoradas em vanguarda esclarecida das massas, monopolista da verdade e única detentora do segredo da vontade dos cidadãos.


Quebrar-se-ia também a crença nefasta e interesseira no determinismo histórico da CE/EU, segundo a qual, o único caminho deste projecto seria o contínuo crescimento e integração, numa desenfreada corrida para a frente.


Não tenho ilusões que isto irá acontecer. A inércia, os poderes estabelecidos e os interesses instalados não o permitirão. Infelizmente, grande parte dos 27 Estados-Membros continua a ter uma atitude carneirista e subserviente perante a Alemanha e a França.


Contudo, este discurso sensato, realista e ponderado também não morrerá à nascença. David Cameron jogou forte e terá de produzir resultados. O Reino Unido é uma das grandes potências europeias e as suas pretensões não serão facilmente varridas para baixo do tapete. E também haverá no Norte da Europa quem simpatize com algumas das suas ideias.


A esperança é que o processo que decorrerá da iniciativa de Londres traga alguns benefícios à Europa, aos seus Estados-Nação e aos Europeus. Como disse Cameron, nothing is off the table. Let’s hope he is right.