27 setembro, 2013

Rouhani: O Iraniano Moderado?

ROUHANI: O IRANIANO MODERADO?

 
Hassan Rouhani, Presidente do Irão.

in STRATFOR at http://www.stratfor.com   

Há 6 meses atrás, quando a triagem do Conselho dos Guardiães reduziu a hoste de candidatos a candidatos presidenciais no Irão a 5, os media ocidentais criticaram acerbamente a exclusão dos moderados e a aprovação de 5 conservadores.


Volvidos dois meses, durante a campanha eleitoral, os mesmos media reviam a sua triagem e ficamos com 3 conservadores da linha dura e dois conservadores moderados, sendo que estes estavam condenados a perder.


Contados os votos, um destes ganhou: Hassan Rouhani. A imprensa ocidental exultou e completou a acelerada evolução da rotulagem de Rouhani: conservador em Março, conservador moderado em Junho, moderado em Agosto. A este ritmo, sabe Deus o que ele será em Novembro….


Os leitores de Tempos Interessantes sabem o que eu penso destas excitações (seguidas de depressões) dos media (“Wishful Thinking” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/08/wishful-thinking.html ), mas realmente os primeiros sinais parecem animadores.


O que podemos esperar de Rouhani?


Começo pelo que não podemos esperar: que Rouhani rompa com a linha condutora da política interna e externa do Irão. Hassan Rouhani pertence ao establishment há mais de 30 anos e não se manteve e ascendeu no aparelho do Estado Iraniano por ser um revolucionário. Ou seja, o que se pode esperar ele é que actue dentro dos limites estabelecidos pelo poder último do Irão, o Supremo Líder, Ayatollah Ali Khameney.


Posto isto, vai ficar tudo igual?


Não. Há dois factores que empurram o Irão para uma atitude mais conciliadora e disponível para negociações substantivas que efectivamente terminem o longo período de tensão e conflito. São eles:


1- As sanções económicas que estão a exaurir o Irão e que poderão a médio prazo pôr o próprio regime em cheque. Tal ainda não aconteceu porque os Iranianos vivem sob alguma forma de sanções e boicotes desde 1979 e portanto habituaram-se e adaptaram-se, vivendo com menos e aprendendo a contorná-los. Contudo, os sucessivos agravamentos do regime de sanções impostos desde 2006 têm feito mossa, nomeadamente no sector vital dos hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), e a situação tem-se deteriorado e tende a piorar. Voltar a ter uma relação económica normal com o mundo em geral e com o Ocidente em particular, tornou-se mais do que uma prioridade, uma necessidade imperativa.


2- O programa nuclear, principal fonte de discórdia, progrediu de forma notável nos últimos anos, malgrado as sanções e as sabotagens. Após mais de 20 anos de aprendizagem e crescimento, o Irão não estará longe da bomba. Creio que nesta altura tal dependerá mais da vontade da liderança iraniana do que da capacidade técnico-científica. Assim sendo, mesmo que o Irão suspenda parte do seu programa nuclear e desmantele outra, o breakout nuclear estará sempre à distância de uma decisão política e de alguns meses.


Resumindo, o Irão precisa urgentemente de terminar ou atenuar as sanções para não entrar em rotura económica. Por outro lado, sente que pode ter atingido um estádio de evolução no nuclear que lhe permita fazer as cedências de que o Ocidente também precisa desesperadamente, sem hipotecar as suas opções futuras relativamente ao nuclear.


Esta mudança táctica de Teerão não era possível com Mahmoud Ahmadinejad, cujo radicalismo retórico em relação aos EUA e a Israel e estilo troglodita disparando ameaças e dislates em várias direcções inviabilizavam a nova abordagem. Terminado o mandato de Ahmadinejad, a estrutura de poder em Teerão e Qom (sede do poder religioso), substituiu o lobo pelo cordeiro. As promessas gritadas de aniquilamento de Israel deram lugar a uma conversa conciliadora num tom calmo e tranquilizador. Aqui temos o Rouhani provável e mais credível.


Contudo, mesmo neste enquadramento, as negociações não serão fáceis e o que se pode esperar do Irão e de Rouhani é que dê sempre menos do que aquilo que está a receber, como se viu nos discursos da Assembleia Geral da ONU. Moderado ou não, Rouhani é Presidente do Irão e ainda tem de prestar contas a Khameney; não vai por isso chegar à mesa de negociações humildemente de chapéu na mão. Pelo contrário, quem evidencia maior ânsia em chegar a um acordo são os Estados Unidos. Os Iranianos de todas as estirpes (moderados, conservadores, liberais, militaristas, teocráticos ou socialistas) agradecem.

25 setembro, 2013

Bloody Weekend

BLOODY WEEKEND

 
Não foi o primeiro, não será o último e certamente nem terá sido o pior, contudo, o último fim-de-semana foi particularmente mortífero:


Bagdad, Iraque: carro bomba explode num funeral »»» 60 mortos e 120 feridos. Outros dois atentados provocam 8+5 mortos. Responsável: Islamic State of Iraq and the Levant (versão actual da Al Qaeda no Iraque)


Peshawar, Paquistão: dois bombistas suicidas detonam-se numa igreja »»» 80 mortos e 120 feridos. Responsáveis: Jandullah e Junood ul-Hifsa, dois grupos com ligações aos Taliban do Paquistão.


Nairobi, Quénia: um grupo armado toma de assalto um shopping centre »»» 67 mortos e 180 feridos. Responsável: Al Shabab (Somália).


Total: três ataques no Médio Oriente, Ásia Central e África Oriental »»» 210 mortos e 420 feridos.


As metodologias e os locais são diferentes. As semelhanças são três:

·         Número elevado de vítimas.

·         Terrorismo Islâmico.

·         Executantes são grupos com ligações, filiação ou pertença à Al Qaeda.


Os alvos são diferentes, mas encaixam nos estereótipos dos grupos sunitas radicais e da Al Qaeda:

·         Ocidentais e Judeus no Quénia.

·         Cristãos no Paquistão.

·         Xiitas no Iraque.


Moral da trágica história:

·         A ameaça continua presente.

·         Os grupos jihadistas continuam e continuarão a atacar.

·         Em face disso, não é possível baixar a guarda ou meter a cabeça na areia.


The “Terror” keeps on attacking. One has to keep on waging “War on Terror”. Por muito que isso custe aos pusilânimes.

21 setembro, 2013

The German Question II

THE GERMAN QUESTION II

 

“Germany is too big for Europe, too small for the world.”

Henry Kissinger

 
Mitteleuropa: a Alemanha no centro da Europa.
in STRATFOR em www.stratfor.com

 
TOO BIG FOR EUROPE


A realidade é que Kissinger tinha razão. Não só no passado, como também no presente. A Alemanha tornou-se ao longo da última década demasiado poderosa na Europa. A França começou por liderar a Comunidade Europeia; a partir da década de 70 partilhou a liderança com Berlim, o famigerado Eixo Franco-Alemão. Neste século, a décalage de poder entre Berlim e Paris acentuou-se notoriamente e o Eixo (que nome haviam de arranjar!) é cada vez mais uma mise en scène.


À medida que a França caminha para ficar mais próxima (em poder) da Itália do que da Alemanha, esta começa a assemelhar-se ao proverbial elefante numa loja de porcelana, com o inerente risco para os vários proprietários. Sem o contraponto francês e com o Reino Unido alheado do Continente, a Alemanha lidera sozinha. Negoceia com a Rússia sobre energia e influência na Europa Central e Oriental e vai partilhando o palco com Paris. E como se sabe, frequentemente, o que se passa nos bastidores tem mais relevância do que o que se passa no palco.


O desconforto entre os Estados médios e pequenos acentuar-se-á, especialmente na área do antigo Pacto de Varsóvia e da ex-URSS. Nestas zonas de fronteira de impérios, a retirada dos EUA e a ascensão de Moscovo e Berlim faz renascer velhos fantasmas, especialmente o fantasma Ribbentrop-Molotov. É uma maleita crónica que afecta os países situados entre a Alemanha e a Rússia.


Na Europa meridional, os receios são de outra natureza. As populações reagem negativamente ao que entendem ser um diktat germânico que tem provocado danos sérios e por vezes irreparáveis no seu modo de vida. Esse ressentimento aumenta na medida em que percepcionem os seus próprios líderes como meros comissários políticos do verdadeiro poder sedeado em Berlim.


Finalmente, mesmo na Europa do Norte, não faltam países que colocam resistências a uma crescente integração com receio da hegemonia germânica: a Escandinávia, o Reino Unido e a insuspeita Holanda, não formando ainda um bloco, têm razões históricas e actuais para preservarem um grau de autonomia não compaginável com uma Alemanha hegemónica.


Historicamente e por razões diversas, os países europeus ou não têm interesse, ou têm receio, ou mesmo pavor perante a ascensão de uma Alemanha todo-poderosa e hegemónica na Europa. Seja por tal levar ao isolamento (Reino Unido), à conquista (Polónia, República Checa, Dinamarca, etc), ou ao protectorado no caso dos países mais periféricos em relação à Mittel Europa.


Porventura a única excepção a esta regra são os países que ocasionalmente partilham com a Alemanha essa hegemonia. Tal foi o caso da União Soviética entre 1939 e 1941, da França entre 1960 e 2000 e poderá ser o da Rússia num futuro próximo. Infelizmente para esses parceiros de ocasião, acabaram por ser deglutidos (no caso da URSS) ou marginalizados (a França) pela imparável acumulação de poder (e ambição) da Alemanha.

 

TOO SMALL FOR THE WORLD


Também nesta vertente, Kissinger tinha razão. Pelo menos até agora. A Alemanha carece da massa crítica geográfica e demográfica de potências como os Estados Unidos, a Rússia, a China, ou a Índia. Tal como o Japão, a Alemanha pode tentar compensar essas insuficiências com capacidade económica e desenvolvimento tecnológico. Porém, falta-lhe (ainda mais do que ao Japão) uma capacidade crítica para competir geopoliticamente à escala global: o poder militar. Sendo, no tempo presente, uma valência secundária no plano europeu, a componente militar adquire uma importância primordial no tabuleiro mundial.


Não é por acaso que o Reino Unido e a França têm um protagonismo internacional superior ao da Alemanha: ambas têm superior capacidade milita, incluindo a capacidade de projecção de forças, têm influência política nalgumas áreas e têm assento permanente e direito de veto no Conselho de Segurança da ONU.


A Alemanha não tem nada disto. E não terá tão cedo. Desde logo porque, até ver, lhe falta a vontade; depois, porque mesmo que venha a ter essa vontade, são meios que demoram tempo a adquirir e uma reputação que custa a consolidar.


Desenganem-se, pois, aqueles que pensam que a Alemanha pode ser a curto prazo um major player na cena mundial em matérias que ultrapassem a área económica. Tal não significa que não venha a caminhar para lá. Não será fácil encontrar na História uma potência importante que resista indefinidamente a exercer o seu poder e a ocupar o espaço a que se julga com direito no concerto das nações.


O Japão já segue esse trilho, mais célere e afoito porque acicatado pela ascensão e agressividade da China. É provável que a Alemanha venha a enveredar por essa via, seja a motivação interna, ou externa. Tal pode passar por um delink transatlântico mais pronunciado, por uma Rússia demasiado assertiva, ou até por uma aliança (formal ou informal) entre vários países europeus para conter a Alemanha.


A Alemanha controla em grande medida a zona euro, tem um peso enorme na EU e faz valer o seu poder e influência na Europa, mas não tem as ferramentas para se impor à escala global. Forçar a Grécia, Portugal ou a Espanha a adoptar determinadas políticas fiscais e económicas exige meios que não funcionam para intervir com significado no Médio Oriente, ou para influenciar actores e acontecimentos na Ásia Oriental.


Kissinger tinha e tem razão. A Alemanha está numa encruzilhada em que tem de decidir como e até onde quer exercer o seu poder na Europa e se quer ter um papel relevante no tabuleiro de xadrez mundial. Suspeito, contudo, que não será no último terço do período merkeliano que a Alemanha vai decidir o seu rumo geopolítico.

20 setembro, 2013

The German Question I

THE GERMAN QUESTION I


“A German Europe, or a European Germany?”

Thomas Mann

 
As eleições na Alemanha realizam-se no próximo dia 22 de Setembro. A importância que lhe é conferida pode medir-se pela repetição da afirmação “nada se decidirá (relativamente à crise da zona euro) até às eleições alemãs”. Como era de esperar, pouco de substantivo é dito na campanha sobre esse assunto. Ainda menos (ou seja, nada) é dito sobre a visão que os partidos alemães têm sobre o papel da Alemanha no mundo e na Europa.


O Reichstag em Berlim. No centro da Europa e à frente da Europa.

 
A Alemanha está numa posição simultaneamente privilegiada e ingrata: um território relativamente grande (para a Europa), situado no centro da Europa, a maior economia da Europa e a 4ª do mundo e ainda o estado europeu mais populoso. Por outro lado, a sua centralidade valeu-lhe muitas vezes o cerco pelos adversários e até o esquartejamento, o último dos quais em 1945, e o peso da memória das Guerras Mundiais, especialmente da bestialidade do III Reich.


Na Europa contemporânea, a Alemanha tem o poder que resulta da sua supremacia económica e a vulnerabilidade de depender da sua máquina exportadora para assegurar a prosperidade: 52% do PIB alemão resulta das exportações; 57% das exportações são para Estados-Membros da União Europeia. Daqui resulta que Berlim também tem muito a perder com um eventual colapso do euro, ou com a bancarrota de algum(ns) país(es) da Europa meridional.


Em tempo de crise, ouvem-se algumas declarações inesperadas e desesperadas. Das mais recorrentes nos últimos tempos são aquelas que reclamam (fora da Alemanha) que a Alemanha assuma a liderança da EU e assegure os meios e as políticas para nos salvar da crise: I fear German power less than I am beginning to fear German inactivity, declarou o MNE da Polónia,  Radoslaw Sikorski, em 2011. Curiosamente, os Alemães (o povo) não mostram grande apetência por tal empreitada. Curiosamente também, os Alemães (os dirigentes) já o fazem em larga medida há algum tempo.


A assunção germânica dos assuntos europeus esbarra em duas dificuldades:


1- A rejeição dessa liderança pela maioria dos povos europeus. Essa rejeição funda-se em motivos nacionalistas e em receios históricos. É natural que Estados médios e pequenos receiem a hegemonia dos Estados grandes, mais ainda quando estes têm vocação (leia-se história) imperial. Quando essa experiência imperial é brutal e relativamente recente, os anti-corpos aumentam proporcionalmente. Não é por acaso que é feita a colagem de símbolos e adereços nazis à actual liderança alemã em vários países da Europa: os manifestantes sabem que a memória ainda está viva, que há muitas pessoas sensíveis a essa imagética e ainda por cima agride os Alemães. Hoje em dia só dois países na Europa suscitam esse tipo de reacções (com remissão para um passado não remoto de totalitarismo e agressão): Alemanha e a Rússia.


2- A relutância dos Alemães. A maioria dos Alemães parece ainda estar vacinada contra um excesso de protagonismo externo por parte de Berlim e ressente-se com a reacção agressiva de outros países europeus ao protagonismo alemão. A utilização de símbolos nazis é percepcionada como injusta e ofensiva. Para agravar a situação, a percepção que os Alemães têm da crise é a de que os povos do sul da Europa gastaram o que tinham e o que não tinham e que ainda querem ajuda do Norte para sair de apuros.


Não obstante as dificuldades, os factos mostram-nos uma EU crescentemente germanizada. Por um lado, a EU e o euro são instrumentais para sustentar a máquina exportadora germânica. Por outro lado, os Estados do arco da crise apresentam-se de tal modo assustados e condicionados que parecem aceitar sem grande discussão o resvalar para uma situação de protectorado.


Esta situação não deve mudar de forma substancial após as eleições. A CDU-CSU vai ganhar e Angela Merkel continuará na Chancelaria à frente de uma coligação dominada pelo seu partido, pelo que não se deverá esperar mais do que uns ajustamentos e alguma flexibilidade.


Retomando a citação de Thomas Mann, velha de 60 anos, diria que tivemos uma European Germany e cada vez mais temos uma German Europe. Veremos até quando, até onde e com que custos e benefícios. A História aponta para uma relação custo-benefício bastante desfavorável. Por convicção e princípio, penso que é uma evolução muito negativa.

14 setembro, 2013

A Guerra da Síria em Cartoons

A GUERRA DA SÍRIA EM CARTOONS

 
Agora que tensão internacional relacionada com a Síria diminuiu e que a descompressão vai gradualmente fazer com que a Síria vá resvalando na lista das prioridades mediáticas, partilho com os amigos e leitores alguns dos melhores cartoons que vi nos últimos tempos. Pertencem a duas categorias: uma em que o alvo é o Presidente da Síria Bashar Al Assad e o seu cadastro de violência e brutalidade; na outra o alvo são os Estados Unidos e o Presidente Obama e a sua incapacidade para levar a cabo os propósitos por ele próprio enunciados.

Os cartoons são divertidos e fazem sorrir, mas que retractam com humor realidades políticas sérias, dramáticas nalguns casos. Rir é bom e descontrai, mas os cartoons também são imagens que nos ajudam a conhecer, a perceber e a reflectir.

Tom Toles do “Washington Post” é o principal fornecedor desta pequena mostra.

As Red Lines de Bashar Al Assad mostram as brutalidades em que o regime incorre desde 1970.
By Tom Toles, in “The Washington Post”

 

Os aliados da Síria e o opressor da Síria.


Uma magistral adaptação da expressão “kicking and screaming”.
By Tom Toles, in “The Washington Post”

A química de Obama: indecisões e más decisões.
By Tom Toles, in “The Washington Post”
 

Uma Superpotência detentora da mais poderosa e sofisticada máquina de guerra do século XXI, manietada pelas dúvidas e incompetência da Administração Obama.
in “The Economist” em www.economist.com

 

 


Os envolvimentos militares problemáticos dos EUA.
By Tom Toles, in “The Washington Post”

13 setembro, 2013

Autocrata de Pacotilha

AUTOCRATA DE PACOTILHA

 
Após umas semanas a falar de um autocrata a sério (Bashar Al Assad), vou dedicar umas linhas a um aspirante a autocrata. Contudo, para além da sua reconhecida e generalizada incompetência, também como autocrata, apesar dos tiques e tendências tem-se revelado fraquito. Falo-vos de Pedro Passos Coelho, um autocrata de pacotilha.*

Enquanto Al Assad é um verdadeiro autocrata, um ditador sem escrúpulos nem remorsos que persegue, pune, prende, tortura e mata em profusão, nada o detendo para reter o poder, Coelho porta-se mais como um puto malcriado e caprichoso que reage com vinganças e ameaças quando contrariado.
 

Al Assad herdou do pai, Hafez Al Assad um estado totalitário em que o poder assentava na minoria alawita, no Partido Baath, nos serviços de segurança e nas forças armadas e todos estes instrumentos, particularmente os dois últimos, eram (e são) usados de forma brutal e inclemente, como o esmagamento da revolta em Hama em 1980 por Hafez Al Assad o demonstra: uma cidade arrasada por tanques, artilharia e aviação e 20.000 a 40.000 mortes.


Coelho herdou um estado democrático, com sérias deficiências de funcionamento, com demasiada corrupção e compadrio e fracos resultados operacionais, mas apesar de tudo, democrático.


Infelizmente, Coelho tem dificuldade em conviver com as regras da democracia. A única que parece ter assimilado é que quem ganha eleições tem direito a governar.


Ignora que um programa eleitoral não serve para funcionar como um negativo da realidade governativa e por isso vai executando sucessivamente o contrário do que prometeu.


Desconhece que o governo emana do Parlamento ao qual deve respeito e ao qual tem de prestar contas e por isso desrespeita deputados e atropela a autoridade da Presidente do Parlamento, numa inversão de papéis intolerável.


Não sabe que o poder que tem não é o mesmo de D. João V, Luís XIV, ou de Hafez Al Assad e que está vinculado a uma Constituição de que não gosta mas que jurou respeitar e defender. É evidente que mentiu, tal como fez com o programa, mas isso não o incomoda porque tal faz parte do seu modus operandi.


Despreza o princípio da separação de poderes e por isso soma ao desprezo pelo Parlamento uma raiva incontida ao poder judicial, especialmente ao Tribunal Constitucional. Durante a fase de apreciação da constitucionalidade da legislação, pressiona e ameaça como um qualquer mafioso ameaça os merceeiros que não querem pagar o imposto de protecção. Quando o Tribunal delibera contra as suas pretensões (o que é frequente dado o seu desconhecimento da e desprezo pela Constituição), o Coelho espuma, o Coelho troveja, o Coelho ameaça, o Coelho retalia. Mais, o Coelho, insigne constitucionalista, contesta a metodologia e justeza da decisão, explicando aos ignaros juízes que as normas constitucionais são volúveis e que a crise lhe dá o direito de fazer o que lhe apetece.


O pior de tudo é o desprezo e indiferença que Coelho demonstra perante os Portugueses. Mente-lhes constantemente. São-lhe absolutamente indiferentes as consequências devastadoras que as suas políticas têm para milhões de Portugueses. Atira ameaças aos Portugueses quando vê os seus planos contrariados prometendo vingança sob a forma de medidas mais penalizadoras. Achincalha os Portugueses que passam genuínas e graves dificuldades acusando-os de serem lamúrias. Trata os manifestantes com despeito, provavelmente porque manifestações de protesto vão contra a sua natureza autocrática. Reage aos protestos com um convite à emigração e considera o desemprego de perto de um milhão de Portugueses uma oportunidade. Palavras de um oportunista que não teve de se esforçar para atingir uma posição de conforto e privilégio.


Também a oposição lhe causa urticária porque, enfim, lhe faz oposição. Eis uma maçada que Franco, Salazar, Erich Honnecker ou Bashar Al Assad não tiveram de aturar. Durante perto de dois anos, Coelho ignorou e marginalizou o PS; quando se viu atrapalhado quis falar com o PS que lhe fechou a porta na cara. Desde então, o mantra do PSD é que “o PS terá que falar e chegar a consensos”. Magister dixit.


Finalmente, Coelho menoriza as eleições. Frequentemente refere que não lhe interessa o resultado das eleições. Realmente, Staline, Videla, Saddam Hussein, ou os Al Assad, nunca se preocuparam muito com o resultado das eleições. Tal não demonstra despreendimento, mas sim desprezo pela aferição de um mandato feito pelos eleitores em eleições. O que Coelho nos diz é que não nos apresentará contas do que fez e/ou que lhe é indiferente que o seu relatório e contas seja aprovado ou chumbado pelos accionistas eleitores.


Resumindo, os requisitos, normas e ingredientes da Democracia são, para Passos Coelho, uma maçada (na melhor das hipóteses), ou um obstáculo a eliminar (na pior das hipóteses). Pelo seu comportamento e atitudes recorrentes, suspeito que se tivesse disponível um aparelho securitário com capacidade e disponibilidade repressiva numa superior ordem de grandeza, o Sr. Coelho tentaria recorrer aos grandes meios: limitações ao exercício dos direitos como os de associação, reunião, manifestação e expressão, condicionamento dos restantes órgãos de soberania, quiçá a suspensão da Constituição.


Para o bem e para o mal, suspeito que Passos Coelho nem para autocrata tenha grande jeito: falta-lhe em dureza e liderança o que lhe sobra em birras e caprichos. Mesmo para se ser um ditador é necessário competência, qualidade que lastimavelmente Passos Coelho não tem. Por uma vez, é a nossa sorte. Coelho nunca passará de um autocrata de pacotilha.

 

* Pacotilha: “de qualidade medíocre”- in “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”