20 setembro, 2013

The German Question I

THE GERMAN QUESTION I


“A German Europe, or a European Germany?”

Thomas Mann

 
As eleições na Alemanha realizam-se no próximo dia 22 de Setembro. A importância que lhe é conferida pode medir-se pela repetição da afirmação “nada se decidirá (relativamente à crise da zona euro) até às eleições alemãs”. Como era de esperar, pouco de substantivo é dito na campanha sobre esse assunto. Ainda menos (ou seja, nada) é dito sobre a visão que os partidos alemães têm sobre o papel da Alemanha no mundo e na Europa.


O Reichstag em Berlim. No centro da Europa e à frente da Europa.

 
A Alemanha está numa posição simultaneamente privilegiada e ingrata: um território relativamente grande (para a Europa), situado no centro da Europa, a maior economia da Europa e a 4ª do mundo e ainda o estado europeu mais populoso. Por outro lado, a sua centralidade valeu-lhe muitas vezes o cerco pelos adversários e até o esquartejamento, o último dos quais em 1945, e o peso da memória das Guerras Mundiais, especialmente da bestialidade do III Reich.


Na Europa contemporânea, a Alemanha tem o poder que resulta da sua supremacia económica e a vulnerabilidade de depender da sua máquina exportadora para assegurar a prosperidade: 52% do PIB alemão resulta das exportações; 57% das exportações são para Estados-Membros da União Europeia. Daqui resulta que Berlim também tem muito a perder com um eventual colapso do euro, ou com a bancarrota de algum(ns) país(es) da Europa meridional.


Em tempo de crise, ouvem-se algumas declarações inesperadas e desesperadas. Das mais recorrentes nos últimos tempos são aquelas que reclamam (fora da Alemanha) que a Alemanha assuma a liderança da EU e assegure os meios e as políticas para nos salvar da crise: I fear German power less than I am beginning to fear German inactivity, declarou o MNE da Polónia,  Radoslaw Sikorski, em 2011. Curiosamente, os Alemães (o povo) não mostram grande apetência por tal empreitada. Curiosamente também, os Alemães (os dirigentes) já o fazem em larga medida há algum tempo.


A assunção germânica dos assuntos europeus esbarra em duas dificuldades:


1- A rejeição dessa liderança pela maioria dos povos europeus. Essa rejeição funda-se em motivos nacionalistas e em receios históricos. É natural que Estados médios e pequenos receiem a hegemonia dos Estados grandes, mais ainda quando estes têm vocação (leia-se história) imperial. Quando essa experiência imperial é brutal e relativamente recente, os anti-corpos aumentam proporcionalmente. Não é por acaso que é feita a colagem de símbolos e adereços nazis à actual liderança alemã em vários países da Europa: os manifestantes sabem que a memória ainda está viva, que há muitas pessoas sensíveis a essa imagética e ainda por cima agride os Alemães. Hoje em dia só dois países na Europa suscitam esse tipo de reacções (com remissão para um passado não remoto de totalitarismo e agressão): Alemanha e a Rússia.


2- A relutância dos Alemães. A maioria dos Alemães parece ainda estar vacinada contra um excesso de protagonismo externo por parte de Berlim e ressente-se com a reacção agressiva de outros países europeus ao protagonismo alemão. A utilização de símbolos nazis é percepcionada como injusta e ofensiva. Para agravar a situação, a percepção que os Alemães têm da crise é a de que os povos do sul da Europa gastaram o que tinham e o que não tinham e que ainda querem ajuda do Norte para sair de apuros.


Não obstante as dificuldades, os factos mostram-nos uma EU crescentemente germanizada. Por um lado, a EU e o euro são instrumentais para sustentar a máquina exportadora germânica. Por outro lado, os Estados do arco da crise apresentam-se de tal modo assustados e condicionados que parecem aceitar sem grande discussão o resvalar para uma situação de protectorado.


Esta situação não deve mudar de forma substancial após as eleições. A CDU-CSU vai ganhar e Angela Merkel continuará na Chancelaria à frente de uma coligação dominada pelo seu partido, pelo que não se deverá esperar mais do que uns ajustamentos e alguma flexibilidade.


Retomando a citação de Thomas Mann, velha de 60 anos, diria que tivemos uma European Germany e cada vez mais temos uma German Europe. Veremos até quando, até onde e com que custos e benefícios. A História aponta para uma relação custo-benefício bastante desfavorável. Por convicção e princípio, penso que é uma evolução muito negativa.

4 comentários:

Anónimo disse...

Deus nos livre de uma German Europe! A última vez que tal aconteceu foi uma calamidade!!!

Cristina

PVM disse...

Rui, sem querer aqui defender a Alemanha (nem Merkel, no que muitas vezes ambos se confundem - erradamente - no mesmo):
1. Quando invocas a resistência da maior parte dos povos europeus a um papel de liderança da Alemanha, mais pareces um daqueles políticos histéricos de esquerda ou de extrema-esquerda que vocifera, com estonteante convicção, as suas certezas acerca das certas do "povo". Daí a deixar-te uma interrogação: como podes afiançar que este anticorpo é convicção da maioria dos povos europeus?!
2. Os resultados das eleições de hoje desmentem o teu segundo postulado (a maioria dos alemães não quererem o protagonismo externo do país): se Merkel é o espelho de um putativo imperialismo germânico via UE, a maior parte dos eleitores está com a senhora. Se calhar estão devidamente "endoutrinados" (num termo candidato a neologismo que já por aqui li)...
Um abraço

Rui Miguel Ribeiro disse...

Nem mais Cristina!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Paulo,
Ultimamente, quando discordas de mim gostas de me colar um rótulo de extrema esquerda. Não resulta. Eu acho o papel da Alemanha miserável do ponto de vista do interesse de Portugal e acho que temos um governo espúrio que está a espatifar o país. Se o PCP e o BE pensam o mesmo que eu, não é por esse motivo que eu vou mudar.
Não, não tenho um estudo científico com a opinião que os europeus não-germânicos têm da Alemanha; sei que não gostas , mas é uma percepção decorrente de dados e informações diversas.
O voto na Merkel não decorre de uma aspiração imperial, mas fundamentalmente de razões de política e economia doméstica da Alemanha.