THE GERMAN QUESTION I
“A German Europe, or a European Germany?”
Thomas Mann
As eleições na Alemanha realizam-se no próximo dia 22 de
Setembro. A importância que lhe é conferida pode medir-se pela repetição da
afirmação “nada se decidirá (relativamente à crise da zona euro) até às
eleições alemãs”. Como era de esperar, pouco de substantivo é dito na campanha
sobre esse assunto. Ainda menos (ou seja, nada) é dito sobre a visão que os
partidos alemães têm sobre o papel da Alemanha no mundo e na Europa.
O Reichstag em Berlim. No centro da Europa e à frente da Europa.
A Alemanha está numa posição simultaneamente
privilegiada e ingrata: um território relativamente grande (para a Europa),
situado no centro da Europa, a maior economia da Europa e a 4ª do mundo e ainda
o estado europeu mais populoso. Por outro lado, a sua centralidade valeu-lhe
muitas vezes o cerco pelos adversários e até o esquartejamento, o último dos
quais em 1945, e o peso da memória das Guerras Mundiais, especialmente da
bestialidade do III Reich.
Na Europa contemporânea, a Alemanha tem o poder que
resulta da sua supremacia económica e a vulnerabilidade de depender da sua
máquina exportadora para assegurar a prosperidade: 52% do PIB alemão resulta
das exportações; 57% das exportações são para Estados-Membros da União
Europeia. Daqui resulta que Berlim também tem muito a perder com um eventual
colapso do euro, ou com a bancarrota de algum(ns) país(es) da Europa
meridional.
Em tempo de crise, ouvem-se algumas declarações
inesperadas e desesperadas. Das mais recorrentes nos últimos tempos são aquelas
que reclamam (fora da Alemanha) que a Alemanha assuma a liderança da EU e
assegure os meios e as políticas para nos
salvar da crise: I fear German power less than I am beginning to fear German
inactivity, declarou o MNE da Polónia, Radoslaw Sikorski, em 2011. Curiosamente, os Alemães (o povo) não mostram grande apetência
por tal empreitada. Curiosamente também, os Alemães (os dirigentes) já o fazem
em larga medida há algum tempo.
A assunção germânica dos assuntos europeus esbarra em
duas dificuldades:
1- A rejeição dessa liderança pela maioria dos povos europeus. Essa rejeição funda-se em motivos nacionalistas e em receios
históricos. É natural que Estados médios e pequenos receiem a hegemonia dos
Estados grandes, mais ainda quando estes têm vocação (leia-se história)
imperial. Quando essa experiência imperial é brutal e relativamente recente, os
anti-corpos aumentam proporcionalmente. Não é por acaso que é feita a colagem
de símbolos e adereços nazis à actual liderança alemã em vários países da
Europa: os manifestantes sabem que a memória ainda está viva, que há muitas
pessoas sensíveis a essa imagética e ainda por cima agride os Alemães. Hoje em
dia só dois países na Europa suscitam esse tipo de reacções (com remissão para
um passado não remoto de totalitarismo e agressão): Alemanha e a Rússia.
2- A relutância dos Alemães. A
maioria dos Alemães parece ainda estar vacinada contra um excesso de
protagonismo externo por parte de Berlim e ressente-se com a reacção agressiva
de outros países europeus ao protagonismo alemão. A utilização de símbolos
nazis é percepcionada como injusta e ofensiva. Para agravar a situação, a
percepção que os Alemães têm da crise é a de que os povos do sul da Europa
gastaram o que tinham e o que não tinham e que ainda querem ajuda do Norte para
sair de apuros.
Não obstante as dificuldades, os factos mostram-nos uma
EU crescentemente germanizada. Por um lado, a EU e o euro são instrumentais
para sustentar a máquina exportadora germânica. Por outro lado, os Estados do
arco da crise apresentam-se de tal modo assustados e condicionados que parecem
aceitar sem grande discussão o resvalar para uma situação de protectorado.
Esta situação não deve mudar de forma substancial após
as eleições. A CDU-CSU vai ganhar e Angela Merkel continuará na Chancelaria à
frente de uma coligação dominada pelo seu partido, pelo que não se deverá
esperar mais do que uns ajustamentos e alguma flexibilidade.
Retomando a citação de Thomas Mann, velha de 60 anos, diria que
tivemos uma European Germany e cada vez mais temos uma German Europe. Veremos
até quando, até onde e com que custos e benefícios. A História aponta para uma
relação custo-benefício bastante desfavorável. Por convicção e princípio, penso
que é uma evolução muito negativa.
4 comentários:
Deus nos livre de uma German Europe! A última vez que tal aconteceu foi uma calamidade!!!
Cristina
Rui, sem querer aqui defender a Alemanha (nem Merkel, no que muitas vezes ambos se confundem - erradamente - no mesmo):
1. Quando invocas a resistência da maior parte dos povos europeus a um papel de liderança da Alemanha, mais pareces um daqueles políticos histéricos de esquerda ou de extrema-esquerda que vocifera, com estonteante convicção, as suas certezas acerca das certas do "povo". Daí a deixar-te uma interrogação: como podes afiançar que este anticorpo é convicção da maioria dos povos europeus?!
2. Os resultados das eleições de hoje desmentem o teu segundo postulado (a maioria dos alemães não quererem o protagonismo externo do país): se Merkel é o espelho de um putativo imperialismo germânico via UE, a maior parte dos eleitores está com a senhora. Se calhar estão devidamente "endoutrinados" (num termo candidato a neologismo que já por aqui li)...
Um abraço
Nem mais Cristina!
Paulo,
Ultimamente, quando discordas de mim gostas de me colar um rótulo de extrema esquerda. Não resulta. Eu acho o papel da Alemanha miserável do ponto de vista do interesse de Portugal e acho que temos um governo espúrio que está a espatifar o país. Se o PCP e o BE pensam o mesmo que eu, não é por esse motivo que eu vou mudar.
Não, não tenho um estudo científico com a opinião que os europeus não-germânicos têm da Alemanha; sei que não gostas , mas é uma percepção decorrente de dados e informações diversas.
O voto na Merkel não decorre de uma aspiração imperial, mas fundamentalmente de razões de política e economia doméstica da Alemanha.
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