31 julho, 2014

A Grande Guerra - O Contexto


A GRANDE GUERRA
O CONTEXTO



Há 100 anos atrás, a 28 de Julho de 1914, a artilharia austríaca, desde a margem esquerda do Danúbio, abriu fogo sobre Belgrado, a capital do Reino da Sérvia. O gracejo que havia algum tempo fazia furor nas chancelarias europeias “para o ano vai haver sarilhos nos Balcãs” ganhava um significado completamente diferente: o início das hostilidades entre a Áustria e a Sérvia despoletou, por via dos interesses e das alianças, um efeito dominó que arrastou para o conflito, sucessivamente, a Rússia, a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, entre 30 de Julho e 4 de Agosto de 1914. No espaço de uma semana, a Europa estava mergulhada na Guerra. Na Grande Guerra.


A expectativa de um conflito violento mas breve, a exemplo de outras guerras, esboroou-se rapidamente perante a crua realidade de uma longa guerra de atrito assente nas trincheiras e entrecortada por repetidas ofensivas, autênticas ceifeiras de vidas sem que produzissem qualquer rotura estratégica. E assim foi, na Frente Ocidental, desde o Outono de 1914 até à Primavera de 1918.



A Europa em 1914 e as mudanças das linhas da frente ao longo da I Guerra Mundial.

in “Encyclopaedia Britannica”


Curiosamente, a causa última da Guerra foi a falência de um conceito injustamente vilipendiado nos dias de hoje: Balance of Power, ou Equilíbrio de Poder. A incapacidade das grandes potências do início do século XX (Grã-Bretanha, Alemanha, Rússia, França e Áustria) gerirem as tensões no sistema internacional, de acomodarem as respectivas ambições e de resolverem os múltiplos receios, levaram a que as circunstâncias e as percepções se sobrepusessem a cálculos mais prudentes e facilitassem a eclosão do conflito.


A luta por esferas de influência no Sudeste da Europa entre a Áustria e a Rússia, resultado da longa agonia do Império Otomano.


As próprias tensões nacionalistas no seio do Império Austro-Húngaro, réplicas do que se passava com os Turcos, aumentavam os receios de Viena e a sua dependência de Berlim.


O crescimento económico, demográfico e militar da Alemanha que lhe provocavam o que poderíamos designar por claustrofobia geopolítica, um desejo e necessidade de espaço agravado pela pequena dimensão do seu tardio império colonial.


Concomitantemente, a Alemanha vivia prisioneira dos seus medos geopolíticos: escasso acesso ao mar e rodeada por outras potências, algumas hostis: França a Oeste, Áustria a Sul, Rússia a Leste e, ainda, a Grã-Bretanha a Norte, no mar.


A França, relegada do pódio continental na Guerra Franco-Prussiana de 1870, tinha sempre em vista a revanche, o acerto de contas com os Germânicos.



O HMS Iron Duke lidera uma esquadra da Royal Navy.



A somar a esta intrincada teia de interesses, colisões e ameaças, há dois outros factores que precipitaram a Guerra: as alianças e as mobilizações.


As alianças são o factor que provoca o efeito dominó: a Rússia declara guerra à Áustria porque era aliada da Sérvia que fora atacada pela Áustria. A França declara guerra à Alemanha porque era aliada da Rússia. A Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha porque era aliada da Bélgica que fora atacada pela Alemanha. É evidente que as alianças foram accionadas porque os signatários entenderam que era do seu interesse fazê-lo. A Itália, por exemplo, tinha uma aliança com a Alemanha e a Áustria e permaneceu neutra, até entrar na Guerra em 1915 ao lado dos que lhe ofereceram a recompensa mais aliciante (Londres e Paris).


Contudo, não deixa de ser verdade que a existência destes compromissos formatou os alinhamentos europeus em dois campos opostos, eventualmente levou à eliminação do “fiel da balança” (Grã-Bretanha) neste jogo de equilíbrios (Balance of Power) e tornou mais óbvia a entrada na guerra accionando as alianças ou garantias de defesa assumidas.



Tropas Alemãs atravessam a fronteira francesa no Verão de 1914.



A mobilização militar é um dos factores mais importantes nas guerras do século XIX/início do século XX. A guerra passou a envolver exércitos enormes com centenas de milhares, ou mesmo milhões de homens em armas, a sua rápida e eficaz mobilização era condição sine qua non para um país poder encarar o deflagrar de um conflito em estado de prontidão.


Tal significa que, se um país mobiliza, os vizinhos terão de fazer o mesmo sob pena de serem atacados sem o exército estar a postos para o combate. Por outro lado, a mobilização acarretava enormes custos, o que implicava que, a partir do momento em que era executada, a pressão para fazer a guerra aumentava exponencialmente e o tempo para decidir encurtava perigosamente, dado que era insustentável manter o estado de mobilização por um longo período.


Julho de 1914 é um exemplo paradigmático disso mesmo: quando a Rússia mobiliza, a Alemanha também tem de o fazer; como a mobilização alemã estava programada para ser feita como um todo (a Leste e a Oeste), provocou a mobilização francesa. Aí, a engrenagem da guerra estava a trabalhar a todo o vapor e a conflagração era quase inevitável.



Tropas Britânicas numa trincheira em França.



A partir de 4 de Agosto de 1914, os dados estavam lançados e a Grande Guerra, que passaria a ser a I Guerra Mundial a partir de 1945, arrastar-se-ia por 4 longos anos, em que o denominador comum foi o impasse, o incrível sofrimento e a matança de milhões de forma gratuita em batalhas como as do Somme, Verdun, Ypres, ou as 11 Batalhas do Rio Isonzo.


A eclosão da Grande Guerra resultou da falência de um sistema internacional baseado no Balance of Power, ou no Concerto das Nações, saído do Congresso de Viena de 1815. O mais notável deste sistema foi ter durado um século, durante o qual, apesar das oscilações do peso relativo e dos interesses dos principais actores e da ocorrência de guerras como as das Unificações da Alemanha e da Itália, ou a da Crimeia, foi evitada uma guerra sistémica.

Como sucede normalmente, foi necessário uma guerra generalizada para enterrar o velho sistema Oitocentista e começar um novo. Neste caso, durou apenas 20 anos e terminou com uma descida ao inferno.

27 julho, 2014

Talvez se as Pessoas Soubessem...



TALVEZ SE AS PESSOAS SOUBESSEM…


Cluna de carros de combate Merkava do Exército Israelita rumo a Gaza.

in “The Washington Post” em http://www.washingtonpost.com/  



A maioria dos noticiários televisivos que tenho visto mostra o mesmo tipo de imagens e de mensagens: explosões em Gaza, seguidas de manifestações de dor ou protesto por parte de familiares, concluindo a reportagem com declarações de um popular ou, mais provavelmente, de um activista ligado aos poderes de Gaza, vituperando os crimes de Israel; um destes personagens até pode aparecer disfarçado de médico norueguês.



Não surpreende pois, que muito boa gente que tem na TV o padrão de ouro da informação pense que os Israelitas são a encarnação da barbárie no Terceiro Milénio.



Infelizmente, as televisões e outros media não são tão solícitos e gráficos a mostrar e explicar o contexto, particularmente porque é que Israel bombardeia e invade Gaza.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas e a Jihad Islâmica Palestiniana (PIJ) já dispararam centenas de rockets sobre Israel contra alvos indiscriminados.



Talvez se as pessoas soubessem que Gaza já não está ocupada por Israel desde 2005!



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas e a PIJ usam escudos civis para proteger as suas forças e os seus mísseis.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas e a PIJ armazenam armamento em escolas e hospitais.


Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas gasta grande parte dos escassos recursos de que Gaza dispõe para adquirir armamento para disparar sobre Israel, mesmo que não haja invasão ou provocação.



Talvez se as pessoas soubessem que a Carta do Hamas estipula a destruição de Israel e a expulsão de todos os Judeus como um dos seus objectivos.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas está listado como organização terrorista pelos EUA, Austrália, Egipto e pela maioria dos países europeus.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas rejeitou a primeira proposta de cessar-fogo, apresentada pelo Egipto, apoiada pelo Ocidente e pela Liga Árabe e aceite por Israel.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas usa as vítimas civis para criar choque e empatia internacionalmente e assim ganhar mais concessões de Israel.



Talvez se as pessoas soubessem que Israel procura avisar os civis das zonas-alvo para evacuarem a área e procurarem lugares mais seguros.



Talvez se as pessoas soubessem que o Hamas vai mais longe e incitou ao regresso de 15.000 Palestinianos que tinham fugido do Norte de Gaza, depois de avisados por Israel.



Talvez assim as pessoas valorizassem a dor que vêem mas não a transformassem em crédito político para organizações terroristas para as quais as vítimas civis são um trunfo.



Talvez assim as pessoas valorizassem a dor que vêem, mas não a transformassem numa automática condenação e demonização de Israel.



Não tenho a pretensão nem a intenção de santificar os actos e as políticas de Israel, mas tenho dificuldade em aceitar que, por desígnio ou ignorância, se passe uma mensagem distorcida, branqueando as acções de brutais organizações terroristas como o Hamas e a PIJ, que fazem fogo indiscriminado, querem exterminar os vizinhos, escondem-se cobardemente atrás das mulheres e crianças que gostam de exibir como vítimas convenientes.



E respeito o direito de Israel atacar a infra-estrutura terrorista em Gaza para destruir as armas e a logística que serviu, só nos primeiros 9 dias do conflito, para lançar 1700 rockets e mísseis sobre Israel.


Um dos famigerados túneis de Gaza descobertos pelo Exército de Israel.


in STRATFOR em www.stratfor.com






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“O BECO DE GAZA” em






“A GUERRA DE GAZA” em


http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2009/01/guerra-de-gaza.html



25 julho, 2014

Reforma Fiscal Marciana


REFORMA FISCAL MARCIANA

O Governo, apesar do seu afã com reduções e cortes (e aumentos da receita), continua a nomear comissões com os mais variados pretextos. Uma delas, a da reforma fiscal dita verde, apadrinhada por um dos mais acabados exemplos do politicamente correcto e do pseudo-progresso, entregou recentemente as suas conclusões.

Os membros da Comissão da Reforma Fiscal Verde e os seus mentores.



A 1ª e mais previsível, foi o habitual requisito de “neutralidade fiscal”, i.e., não implicar mais despesa nem mais receita, foi enviado para Marte: a “reforma” implica 17 milhões de euros de despesas acrescidas para o Estado, compensadas por cerca de 200 milhões de receitas acrescidas. A vigarice de sempre.


Igualmente previsível é um renovado ataque aos automobilistas e motoristas com aumentos altamente penalizadores dos respectivos encargos fiscais. Moreira da Silva e sus muchachos vivem num mundo de fantasia em que os camiões e os automóveis são luxos de gente caprichosa.


Uns insistem em utilizar um camião para transportar frutas e legumes para o mercado, ou têxteis e equipamento electrónicos para os portos em vez do pitoresco binómio burro/carroça, ou até o riquichó chinês.


Outros teimam em usar o automóvel pagando o IA+IVA+70% de IPP + selo do automóvel + portagens revoltantes + parquímetros + inspecções constantes para levar os meninos à escola e ir trabalhar, quando podiam ir de bicicleta (os meninos vão atrás de triciclo) e depois pedalando 60, 100 ou 150 km ida e volta para o trabalho.


Alternativamente podiam ir de transportes público, nalguns casos fazendo a deslocação de véspera e/ou o regresso no dia seguinte.


Para aumentar o grotesco da coisa, propõe-se que os passes de transportes passem a ter uma dedução em sede de IRS, três após terem sido brutalmente aumentados por este mesmo governo.


Previsivelmente, a dita reforma verde só foi apoiada pelos fundamentalistas verdes e pelos que nutrem um ódio visceral pelo automóvel, como os cidadãos imobilizados.


Nem é preciso ir mais longe na análise:

Reforma Verde + Agentes que vivem num mundo distante da realidade terrena (Homenzinhos verdes) = REFORMA MARCIANA


A conclusão lógica é empacotar as criaturas num foguete (nunca um shuttle) movido a alface e favas e enviá-los, juntamente com a reforma, para Marte.






21 julho, 2014

"Brincadeiras" na Líbia


BRINCADEIRAS NA LÍBIA



Neste mapa da Líbia, pode ver-se a cidade de Zintan nas Montanhas Nafusa perto da Tunísia, Tripoli um pouco a nordeste, Misrata,  mais a leste junto ao Mediterrâneo e Benghazi, também na costa, já a caminho do Egipto.

in STRATFOR em www.Stratfor.comm


Há um novo (recente) protagonista político-militar na balbúrdia que dá pelo nome de Líbia: o General Khalifa Hafter.


O General Hafter conseguiu agitar ainda mais as águas. Tem dado combate feroz às milícias islamitas da Brigada do Mártir de 17 de Fevereiro em Benghazi, onde está baseado, contando para o efeito com o apoio de unidades das forças especiais do Exército (??) Líbio (??) e também da Força Aérea, que passaram para o seu lado à revelia do Governo.


Por outro lado, em Maio, na capital Tripoli, forças leais ao mesmo Hafter, com o apoio das milícias de Zintan (cidade do Oeste da Líbia), tomaram de assalto o parlamento. Este, dominado por forças islamitas, pediu ajuda às milícias de Misrata, 3ª cidade da Líbia, situada entre Tripoli e Benghazi.


O combate foi evitado, mas por pouco tempo.


Entretanto, foi nomeado um novo Primeiro-Ministro, mas o anterior manteve-se em funções, pelo que podemos dizer que a Líbia teve dois Primeiro-Ministros e zero governos.


Mais recentemente, no final de Junho, realizaram-se eleições para substituir o descredibilizado parlamento (General National Congress), cujos resultados finais ainda se aguardam, mas dos quais pouco ou nada se espera em termos de clarificação política.


A exportação de petróleo, entretanto parcialmente retomada, continua contingente de precários equilíbrios de forças e de interesses e da boa vontade das milícias regionais ou sectárias que controlam grande parte do país.


Para não dar aso a que estes últimos desenvolvimentos (eleições e exportações) gerem algum optimismo, na semana passada duas das principais milícias (Zintan e Misrata novamente) envolveram-se em acesos combates pelo controlo do Aeroporto Internacional de Tripoli. No calor da refrega, foram destruídos 90% dos aviões aí parqueados.


E o governo nacional já fez avançar o exército para dominar e desarmar as milícias e reassumir o controlo do aeroporto?


Estava a brincar! Não é curial falar de reassumir o controlo de algo que nunca se controlou. Após a queda do regime de Kadhafi em 2011, o aeroporto foi ocupado por diversas milícias de menor expressão. Estas foram expulsas em 2012 pela milícia de Zintan que controla o Aeroporto de Tripoli até hoje.


Desculpem, estava a brincar outra vez. O exército de que o governo dispõe é, ele próprio, de brincar. A única diligência que o governo fez foi tentar negociar (suplicar?) um cessar-fogo entre as duas poderosas milícias.


Ah, no caso improvável de estarem a pensar em voar para a Líbia, esqueçam! O Aeroporto Internacional de Benghazi está encerrado desde Maio por motivos de segurança (ou de falta dela) e de múltiplos protestos. Não, desta vez não estou a brincar.


Acentua-se, pois, a descida da Líbia para a anarquia, a pulverização do poder político e militar, o esboroar da economia dependente do petróleo, por sua vez refém dos poderes militares. Se a isto somarmos a crescente presença de jihadistas, a Líbia é cada vez mais um Estado disfuncional e um foco de instabilidade no Sahara e no Sahel.


Aliás, se o assunto não fosse tão sério, a situação da Líbia seria mesmo uma brincadeira pegada!


P.S. Mesmo perante este cenário caótico, Barack Obama conseguiu, num discurso na Academia de West Point, salientar o sucesso da intervenção militar na Líbia. Seriously? Ah, deve ter sido outra brincadeira certamente.







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