28 janeiro, 2015

Pedrada no Charco



PEDRADA NO CHARCO

 
O número de mandatos conquistados pelos 7 partidos que fizeram eleger deputados nas eleições de 2012 e 2015.

in BBC News em http://www.bbc.com/news/
 


Como muitos esperavam e outros temiam, o partido de esquerda radical Syriza ganhou as eleições na Grécia.

Tratou-se do 2º terramoto eleitoral que confirmou e agravou os resultados do terramoto de 2012. O Syriza obteve uma vitória claríssima que o deixou no limiar da maioria absoluta. A Nova Democracia sofreu pesada derrota, registando o menor nº de mandatos de sempre. O PASOK, um dos dois partidos historicamente dominantes num sistema bipolarizado ficou reduzido à insignificância: 7º lugar e meros 13 deputados, o preço de fazer de lacaio da Nova democracia na ânsia de se manter no poder. O Partido da Aurora Dourada, de extrema-direita, alcançou o 3º lugar.

Este é o resultado da fraude política protagonizada um pouco por toda a Europa pelos partidos que dominam o sistema político e monopolizam o poder desde a II Guerra Mundial. Os Partidos Conservadores/Democratas-Cristãos e Socialistas/Social-Democratas/Trabalhistas têm governado a seu bel-prazer, com políticas cada vez mais idênticas, aplicando nos últimos anos, à escala europeia, o dogma imposto pela Alemanha e avalizado por instituições internacionais como a Comissão Europeia, o FMI, o BCE e a OCDE.

Como já foi escrito em Tempos Interessantes, a fórmula do pensamento único, o slogan “não há outro caminho”, a imposição externa e interna de políticas desumanas e contra-producentes, são uma negação da verdadeira democracia.

Estas eleições foram, aliás, um modelo de negação democrática por parte de vários actores, nomeadamente a Alemanha e os membros da famigerada Troika, cujas declarações de ameaça e chantagem foram uma indecente e inaceitável ingerência na política interna, na soberania e no exercício democrático dos Gregos. Parece claro que a super-estrutura europeia está cada vez mais ousada na afirmação de uma tutela não-democrática sobre a Europa.

Como era evidente, a chantagem revelou-se contra-producente e, pela primeira vez na História recente, um partido alternativo venceu eleições e formou governo. Trata-se de uma verdadeira pedrada no charco.

Contudo, ainda nada de substantivo mudou. Os Gregos votaram num caminho verdadeiramente alternativo. O próximo passo será a capacidade do Syriza resistir às pressões, ameaças e chantagens que Angela Merkel e os seus sequazes inevitavelmente exercerão sobre a Grécia. Aí se verá de que estirpe é feito Alexis Tsipras e se a pedrada agita o charco, ou se continuamos em águas pantanosas. A resposta reside na resiliência dos Gregos.


P.S. O rumo que a política tem levado na EU e nos seus Estados-Membros, para além de, felizmente, ter destruído o oligopólio político, também fomentou a ascensão dos totalitarismos. O 3º lugar da Aurora Dourada é uma sinistra bofetada de luva negra nos fautores do statu quo europeu. O próprio Partido Comunista (KKE) ficou à frente (5º lugar) da versão socialista da Grécia (PASOK).

P.P.S. Vergonhoso o comunicado do PSD na sequência das eleições na Grécia. Desde que tem o presidente que tem, o partido vai de despautério em despautério. Verdadeiramente lamentável.



POSTS RELACIONADOS:

“DEIXAI A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS” em

“EUROTRAGÉDIA” em

26 janeiro, 2015

Viva (??) o Rei



VIVA(??) O REI


O Rei Salman (1935-20??) da Arábia Saudita.
in “Daily Mail”, em www.dailymail.co.uk

Morreu o Rei Abdullah bin Abdul Aziz (90 anos) e sucede-lhe no trono da Arábia Saudita o “jovem” Rei Salman (79) anos. Os ?? no título devem-se precisamente à idade do Rei Salman e ao seu precário estado de saúde.


Assistimos aos estertores geracionais da Casa de Saud, a família real saudita. Os 6 reis que sucederam ao fundador da Arábia Saudita, Abdul-Aziz Al-Saud, pertencem à chamada 2ª geração: os 45 filhos do fundador. Destes, com capacidade para exercer o poder, restam três: o agora Rei Salman, o Príncipe da Coroa e primeiro na linha de sucessão, Murqin (69) e o Príncipe Ahmad (72). Presumivelmente, Salman será o penúltimo monarca desta geração.

A 3ª geração, os netos de Abdul-Aziz, são às centenas. Literalmente. Tal implica um risco de que a solidez e a coesão genericamente registadas nos últimos 90 anos possam ser abaladas.

No entanto, não obstante as lutas entre indivíduos e entre facções por poder e influência, os Al-Saud têm demonstrado ao longo dos tempos uma grande coesão fundada no interesse comum: a manutenção do poder no seio da família. Tal só é possível mantendo um módico de unidade e lealdade ao líder do momento. E, bem vistas as coisas, as diferenças políticas no seio dos Al-Saud não são impeditivas de um entendimento.


A família real da Arábia Saudita desde o fundador Abdul-Aziz Al-Saud até ao Rei Abdullah.
in “STRATFOR” em http://www.stratfor.com/  

Entretanto, a grande novidade e o factor mais marcante da sucessão do Rei Abdullah, foi a nomeação de Mohammed Al-Nayef (55 anos) como segundo Príncipe da Coroa, o que coloca o Ministro do Interior Saudita em segundo lugar na linha de sucessão e torna-o o primeiro membro da 3ª geração a estar tão perto do trono.

Al-Nayef ostenta no seu curriculum o bem sucedido combate sem tréguas contra a Al-Qaeda, bem como, a concepção e execução do programa de “desradicalização” de jihadistas.

Al-Nayef prefigura-se, pois, para personificar a famigerada e temida transição geracional. A sua colocação a nº 3 da hierarquia saudita, somado ao comando e controlo das forças de segurança, deverá permitir-lhe consolidar poder e preparar-se para a subida ao trono, com a protecção e orientação dos últimos príncipes da 2ª geração, incluindo o Rei Salman que o nomeou, com a aprovação do Conselho de Lealdade, que trata de questões sucessórias no Reino.

Algures entre 2020 e 2025, Mohammed Al-Nayef deverá ser o 8º Rei da Arábia Saudita. Até lá, o Rei Salman e o seu sucessor, velarão pela gestão das mudanças, sempre na perspectiva de que o essencial fica na mesma.

24 janeiro, 2015

Morreu o Rei



MORREU O REI


O Rei Abdullah (1924-2015) da Arábia Saudita.
in “WAMC – Northeast Public Radio”, em http://wamc.org/  

O Rei Abdullah bin Abdul Aziz da Arábia Saudita morreu. Governou 10 anos como monarca (2005-2015) a que se somam outros tantos (1995-2005) em que foi virtual regente dada a incapacidade física do Rei Fahd. Abre-se agora o 7º capítulo na História contemporânea da Casa de Saud enquanto família real da Arábia Saudita desde a moderna criação do Reino em 1923.

Abdullah governou durante tempos interessantes: 9/11, invasão Anglo-Saxónica do Iraque (2003), programa nuclear e ascensão do Irão como potência regional mais assertiva, operações da Al-Qaeda no Reino no início deste século, a dita Primavera Árabe, a instabilidade e a guerra ao redor do Reino (Egipto, Iémen, Bahrain, Síria, Iraque), a ascensão do Estado Islâmico e o combate geopolítico com Teerão. A tudo isto pode somar-se as reverberações internas destes acontecimentos.

Em tempos difíceis, o saldo do Rei Abdullah é globalmente positivo.

A Arábia Saudita reforçou o seu papel de liderança sobre uma parte substancial do mundo árabe e do universo sunita, logrando conter ou eliminar os efeitos tidos como perniciosos da Primavera Árabe. Nesse plano, sobressaem a intervenção militar de apoio ao regime do Bahrain e o apoio político, diplomático e económico ao novo regime de inspiração militar liderado pelo General Abdel El-Sisi no Egipto, onde derrubou a Irmandade Muçulmana.

No primeiro caso, travou a subida da maioria xiita ao poder e o possível estabelecimento de um testa de ferro iraniano encostado à Arábia Saudita. No segundo caso, subtraiu o mais populoso e armado Estado Árabe a uma entidade hostil (Irmandade Muçulmana) e à influência da Turquia.

Num tempo conturbado, a Arábia Saudita conseguiu congregar à sua volta a maioria dos Estados que lhe são geopoliticamente importantes: os parceiros do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), o Egipto e a Jordânia, sendo o Iraque e o Iémen as excepções. O Iraque foi “perdido” com a invasão de 2003 e a substituição do regime de Saddam Hussein por outro dominado pela maioria xiita. O Iémen é uma situação em aberto sendo um palco em que a Arábia Saudita continua a deter considerável influência. Embora a seita xiita Zaidi detenha actualmente a maioria das alavancas do poder, a balbúrdia e a desintegração é que são os factores dominantes.



Os reinados dos sucessores do Rei fundador da Arábia Saudita, Abdul-Aziz Al-Saud.
in “STRATFOR” em http://www.stratfor.com/  

Internamente, o Rei Abdullah executou um cuidado exercício de equilíbrio entre reformas ditas liberalizadoras e a manutenção da arquitectura política, religiosa e social tradicional do Reino e na qual se sustenta o poder dos Al-Saud.

A verdade é que, apesar das previsões apocalípticas de instabilidade, revolta e desagregação, feitas a partir de 2011, a Arábia Saudita conseguiu manter-se estável e próspera, erradicou o terrorismo interno, reforçou alguns laços externos e tem aproveitado a guerra na Síria e no Iraque para colocar pressão sobre o Irão.

O curso do confronto geopolítico com o Irão, a gestão do enfraquecido relacionamento com os Estados Unidos e a manutenção do statu quo no Reino e nos seus vizinhos vitais são processos em aberto que continuarão a constituir os principais desafios da Casa de Saud. Em todos eles, a herança do Rei Abdullah não é fácil, mas contém as condições para que a Arábia Saudita prossiga o seu rumo.


* Organização que integra a Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Kuwait, Oman, Qatar e Bahrain.