30 setembro, 2015

Irão Quase Nuclear



IRÃO (QUASE) NUCLEAR



Irão nuclear? Apenas uma questão de tempo.
inTHE ECONOMIST”, em www.economist.com

No Dia da Bastilha do corrente ano, as potências designadas por P5+1 (os 5 Membros Permanentes do Conselho de Segurança – Reino Unido, Estados Unidos, Rússia, França e China - mais a Alemanha) e o Irão, chegaram a um acordo final, designado Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) sobre o programa nuclear iraniano. O JCPOA contém, como Tempos Interessantes prevê desde 2009, inúmeras cedências da parte dos P5+1 que, pela gravidade de que se revestem fazem do Acordo um fiasco, não obstante os aspectos positivos que também contém.

O aspecto mais grave do JCPOA é o reconhecimento implícito do estatuto quase-nuclear (nuclear threshold state) do Irão. Na verdade, o Irão mantém a sua estrutura nuclear intacta. Sendo verdade que o Irão só poderá utilizar 6.000 dos 19.000 centrifugadores que detém, também o é que em 2025 todos eles poderão entrar em acção e mais uma quantidade ilimitada de centrifugadores mais modernos e eficazes que garantirão ao Irão um programa nuclear de escala industrial que o colocarão, no máximo, a 2/3 meses do breakout nuclear. Para todos os efeitos, mesmo que cumpra religiosamente o Acordo, dentro de 10 anos, uma súbita e imparável corrida à bomba nuclear dependerá quase exclusivamente da vontade do Irão.

Em suma,

* O Irão mantém os centrifugadores.

* O Irão mantém o complexo de Fordow blindado dentro de uma montanha, embora supostamente não possa fazer enriquecimento de urânio em larga escala.

* O Irão mantém a capacidade de R&D que lhe permitirá instalar um programa nuclear modernizado e de grande capacidade a partir de 2025.

* O Irão receberá no início de 2016 os 100 biliões de Dólares congelkados no estrangeiro, desaparecendo logo no início da vigência do JPCOA um crucial elemento de pressão sobre Teerão.

* Dentro de 5 anos desaparece o embargo de venda de armas ofensivas ao Irão.

* Dentro de 8 anos desaparece o embargo de transferências de tecnologia de mísseis ao Irão.
* Não existe o famoso anytime, anywhere relativamente às inspecções da International Atomic Energy Agency (IAEA) ao Irão. Elas poderão acontecer, caso o Irão as obstrua, num prazo de 24 dias, que poderão ser suficientes para ocultar/eliminar provas de actividades ilícitas.

* O P5+1 resignou-se à ausência de uma cabal e clara explicação por parte de Teerão das chamadas PMD (Possible Military Dimensions) do programa nuclear iraniano.


Um dos argumentos utilizados pelos defensores do JCPOA acerca destas cedências é que nenhuma nação soberana aceitaria cláusulas muito penalizantes (destruição de Fordow, por exemplo), ou muito intrusivas (inspections anytime, anywhere). Claramente, essas pessoas nunca ouviram falar da Grécia, ou de Portugal. Mas mesmo sendo verdade na maioria das circunstâncias, tal escamoteia o facto de o Irão se apresentar com estatuto de réu com longo cadastro. Réu infractor do NPT (Nuclear Non-Proliferation Treaty) desde o século passado e em violação de múltiplas Resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Durante esse período, o Irão tudo fez para esconder e incrementar as suas actividades ilegais. Com este cadastro, é óbvio que não é razoável tratar o Irão neste dossier como se fosse um qualquer Estado merecedor de presunção de boa-fé.

Então, porque se chegou a este acordo?

A resposta sintética já foi dada em Tempos Interessantes 22 meses antes de o JCPOA ter sido finalizado, em 24 de Outubro de 2013: Obama estava desesperado por este acordo há 5 anos! Está desesperado porque decidiu que este seria o seu legado fundamental, “his foreign policy legacy”. Os Iranianos cedo o perceberam e jogaram com esse factor. Nesse post de 2013, intitulado “Os Desesperados” (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/10/os-desesperados.html), escrevi:

Barack Obama está desesperado por negociar com o Irão. Aliás, está nesse estado desde 2009 (ver Get Real Obama)
(…)Obama agarrou a abertura demonstrada por Teerão com a sofreguidão de um náufrago. Qual adolescente apaixonado, tentou de imediato marcar um encontro com Rouhani e perante a recusa, entusiasmou-se pelo facto de o Iraniano lhe ter atendido o telefone. Em poucas palavras, demonstra ansiedade e urgência.
(…)O resultado também é previsível. Se houver um acordo, este incluirá a aceitação de grande parte do desenvolvimento nuclear iraniano executado até à data e que o colocou a meses do breakout nuclear. A contrapartida será o levantamento de todas as sanções, com a possível excepção das que dependem do Congresso norte-americano.
É o desenlace natural quando uma parte está desesperada e age como se não estivesse e a outra parte, que não tem razões para estar desesperada, actua com visível desespero.
Como se vê, este trecho resumiu há quase dois anos o que se passou neste Verão.

Esse desespero também ficou patente nas reacções destemperadas que Obama teve em relação aos críticos e opositores do Acordo nos EUA.

Os restantes membros do P5+1 certamente também queriam travar a caminhada nuclear de Teerão, mas os interesses comerciais que já se mostram com voracidade, somados à fragilidade negocial dos principais opositores do programa nuclear, selaram o desfecho das negociações: um Irão quase nuclear.

Com o JCPOA em vigor, ficamos a saber que dentro de 10 anos, na melhor das hipóteses, o Médio Oriente viverá sob o espectro de um Irão na posse de armas nucleares. Será esse o verdadeiro legado de Obama.