24 fevereiro, 2007

Os Padrinhos e os Afilhados II

PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
OS PADRINHOS E OS AFILHADOS II
O PADRINHO.

 
A 31 de Julho, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, na sua reunião nº 5500, aprovou por unanimidade a Resolução 1696 (UNSC Resolution 1696). O objecto da Resolução foi o programa nuclear do Irão.

Baseada na proposta elaborada pelos 5+1 (os 5 membros permanentes, EUA, Rússia, Reino Unido, França e China, mais a Alemanha), a Resolução 1696 é bastante clara:

“The Security Council, […]

2. Demands, […] that Iran shall suspend all enrichment-related and reprocessing activities, including research and development, to be verified by the IAEA;
[…]
7. Requests by 31 August a report from the Director General of the IAEA primarily on whether Iran has established full and sustained suspension of all activities mentioned in this resolution […];
8. Expresses its intention, in the event that Iran has not by that date complied with this resolution, then to adopt appropriate measures under Article 41 of Chapter VII of the Charter of the United Nations to persuade Iran to comply with this resolution and the requirements of the IAEA, and underlines that further decisions will be required should additional measures be necessary; […].”

Estamos a 9 de Setembro e nem é necessário o relatório da IAEA: o próprio Irão já confirmou que a sua actividade no domínio do nuclear prossegue imperturbada e até inaugurou há dias uma fábrica de água pesada que lhe facilitará a produção de plutónio.

Não há, portanto, muito a fazer: o Conselho de Segurança deveria já ter aprovado a Resolução 1707 que, conforme prevê o referido Art. 41, deveria impor um conjunto de medidas de carácter não militar contra Teerão, nomeadamente, sanções económicas.

Alto! Estou enganado! Esqueci-me que a cobardia vigente apela a que se prossiga a via diplomática. Quando esta falha, continua-se. Quando atinge a ruptura, insiste-se. Quando não resulta, tenta-se outra vez. Quando se chega a um beco sem saída, recomeça-se tudo de novo. O que importa é seguir a via diplomática….»

O AFILHADO.



Sem querer abusar da paciência dos leitores, pedia-lhes que lessem este extracto do post UNSC Resolution 1696 publicado no “Tempos Interessantes” no dia 9 de Setembro de 2006:
 
Não sendo propriamente adivinho, a verdade é que o Conselho de Segurança só aprovou nova Resolução no dia 23 de Dezembro (UNSC 1737)!!! Portanto, 4 meses depois de o Irão ter entrado em infracção da UNSC Resolution 1696!

Como é que o Irão continua a resistir à pressão internacional e prossegue imperturbável com o seu programa nuclear? A resposta é a mesma do post anterior (“Padrinhos e Afilhados I”): o Irão tem um padrinho. Já agora, como é que o Conselho de Segurança demora tanto tempo a reagir e fá-lo de forma branda, para não dizer inócua? A resposta também é a mesma: o Padrinho do Irão é a Rússia, ou seja, tal como a China, membro permanente do Conselho de Segurança com direito de veto.

Há três dias atrás (21/02/07), expirou o prazo dado pela UNSC 1737 para o Irão parar o seu programa nuclear. Tal como se previa, Teerão não só não o parou, como o acelerou, tendo instalado cerca de 400 centrifugadoras nas instalações nucleares de Natanz.

Tal como fez entre Agosto e Dezembro de 2006, a Rússia, com o apoio interessado da China, vai empatar as conversações para se aprovar nova resolução, mitigando-a até ao ponto de a tornar tão inócua quanto possível e salvaguardando os interesses económicos de Moscovo no programa nuclear iraniano. Com um padrinho assim, até um afilhado impertinente como o Presidente Ahmadinejad, se pode dar ao desplante de afirmar que a Resolução 1737 não era mais do que um pedaço de papel. Em abono da verdade, foi das coisas mais acertadas que disse até hoje.

Enquanto o Padrinho Russo lhe apara os golpes, o Afilhado Iraniano vai brincando com o fogo nuclear na região mais explosiva e volátil do planeta. Também aqui, o Padrinho poderá um dia ver que tem um novo vizinho com capacidade nuclear e descobrir que há afilhados ingratos. E vamos vendo a Diplomacia a fingir que resolve e o espectro da guerra a aproximar-se.

19 fevereiro, 2007

Os Padrinhos e os Afilhados I

PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
OS PADRINHOS E OS AFILHADOS I

O PADRINHO.

O AFILHADO.

No dia 9 de Outubro de 2006, a Coreia do Norte tornou-se a 9ª potência nuclear do planeta, se incluirmos Israel no lote. No dia 11 de Fevereiro de 2007, 6 países, 5 do Nordeste da Ásia (China, Japão, Rússia, Coreia do Sul e a própria Coreia do Norte) e os Estados Unidos, assinaram um acordo de princípio para desactivar a central nuclear de Yongbyon em troca de 50.000 toneladas de fuel-oil/ou equivalente.

Seguir-se-ão negociações técnicas que deverão conduzir ao desmantelamento da central e ao desarmamento nuclear da Coreia do Norte e compensá-la com mais 950.000 toneladas de fuel-oil.

Significa isto que temos um case closed?

I’m afraid not.

Em primeiro lugar, a Coreia do Norte não se compromete a desmantelar as armas nucleares que já possui. Em segundo lugar, a Coreia do Norte não tem de se desfazer das reservas de plutónio que já possui e que lhe permitem construir mais engenhos atómicos. Em terceiro lugar, Pyongyang nada diz sobre um provável programa de produção de urânio enriquecido. Em quarto lugar, Kim Jong Il tem um longo historial de dizer uma coisa e o seu contrário e assinar e renegar acordos internacionais com uma frequência impressionante. Em quinto lugar, os fornecimentos de energia dão a Pyongyang mais tempo e espaço de manobra, retirando-lhe incentivos para fazer novas cedências.

Por outras palavras, Kim não cedeu no essencial, obteve o que precisava no curto prazo e vê a sua estratégia intimidatória de fazer ensaios com mísseis balísticos (Julho/2006) e testes nucleares (Outubro/2006), compensar.

Como conseguiu um país pequeno e empobrecido fazer frente a algumas das maiores potências mundiais, desafiar acordos realizados durante 15 anos e ainda sair por cima, pelo menos por agora.

A realidade é que a Coreia do Norte tem um padrinho. E tal como acontece a outros níveis, quem tem um bom padrinho, tem possibilidades acrescidas de ser bem sucedido e escapar impune a alguns crimes e escapadelas. Como o padrinho da Coreia do Norte é a República Popular da China, possivelmente a segunda potência mundial a vários níveis e detentora de direito de veto no Conselho de Segurança da ONU (UNSC), a posição de Pyongyang tem estado bem blindada.

A isto acresce a generosidade económica da Coreia do Sul, motivada por um misto de medo, afinidade, história e ingenuidade, que ajudou a manter a economia norte-coreana à tona. Se somarmos ainda a cumplicidade da Rússia, velho parceiro privilegiado do fundador do país, Kim Il Sung, nos tempos da URSS, a garantir que a China não ficasse isolada no UNSC, temos mais ou menos completo o quadro que ilustra como um pequeno país, pobre e “isolado” conseguiu manter e desenvolver o seu programa nuclear militar ao longo de décadas, sem nunca ser verdadeiramente contrariado.

Tal como previa em Outubro passado neste Blog, as sanções que conseguiram passar o filtro chinês no Conselho de Segurança (UNSC Resolution 1718 de 14 de Outubro 2006) foram pouco mais do que inócuas para Pyongyang.

Na mesma linha, o resultado das “Six Party Talks” (conversações envolvendo os EUA, a China, o Japão, a Rússia, a Coreia do Sul e a Coreia do Norte) vem premiar o infractor: Kim Jong Il recebe os goodies, sente-se menos ameaçado e vai entreter-nos com negociações inconclusivas. Quando se sentir realmente pressionado, faz mais um dos seus números de alto risco e voltamos ao princípio.

Com um padrinho do calibre da China e ainda com a Coreia do Sul e a Rússia a servir de acólitos, este afilhado mal comportado vai poder continuar a fazer as suas travessuras. Até ao dia em que a bomba rebente nas mãos do padrinho.

P.S.
Enquanto que o Japão manteve uma posição coerente até ao fim das negociações, os EUA acomodaram-se a um acordo que deixa tudo quase na mesma, excepto os brindes dados ao regime norte-coreano, parcialmente pagos por Washington. Estas incoerências também se pagam e esta entrada de leão com saída de cordeiro, não credibiliza os EUA e muito menos o combate à Proliferação Nuclear.

13 fevereiro, 2007

Tirem-no Deste Filme!

TIREM-NO DESTE FILME!!!

in “The Economist”, 13 de Julho de 2006

Já há vários anos que o actual Presidente de França, Jacques Chirac, se tornou um autêntico desastre político-diplomático. Nunca conseguiu introduzir ou fazer implementar as reformas económicas e sociais de que a França precisava para fazer a descolagem competitiva que o século XXI exige. Sempre adoptou uma postura arrogante e prepotente na política externa que não era sustentada pelo poder efectivo da França. Mais do que uma vez resvalou para a grosseria no seu relacionamento com o exterior (veja-se os seus comentários sobre a Polónia, Hungria e Rep. Checa em 2003, durante a Crise do Iraque). Tem um percurso errático, dizendo uma coisa e o seu contrário num curto espaço de tempo. Acumula gaffes. Ainda por cima, sobre ele pesam sérias suspeitas de comportamento ilícito do tempo em que era Maîre de Paris.

Dois exemplos recentes:

Riga, Letónia, Dezembro/2006: Durante a Cimeira da NATO, Chirac completou 74 anos (seriam 94?) e resolveu convidar o Presidente da Rússia, Vladimir Putin a pretexto desse aniversário. Embora a Embaixada de França seja território francês, para todos os efeitos Chirac estava a convidar Putin para ir a um país que não era o seu e onde, para cúmulo, não seria particularmente benvindo. Chirac quis “fazer um número” junto dos Aliados, mostrando a capacidade da França em fazer pontes e estabelecer relações privilegiadas com Moscovo. Putin teve mais senso e escusou-se. Chirac ficou com o ónus do que fez e sem os ganhos (?) que esperava obter.

Paris, França, Fevereiro/2007: Em entrevista ao New York Times, International Herald Tribune, Jacques Chirac desvaloriza a possibilidade de o Irão obter uma ou duas bombas nucleares, indo ao ponto de minimizar um eventual ataque atómico a Israel com a justificação que os mísseis iranianos seriam rapidamente interceptados e que Teerão seria arrasada. Ainda acrescentou que o pior seria se o Egipto e a Arábia Saudita também obtivessem armas nucleares! No dia seguinte, pediu desculpa pela referência à eventual destruição de Teerão e disse não se lembrar de fazer qualquer referência a Israel, nem pediu desculpa ao Egipto e à Arábia Saudita.

É difícil dizer tantas asneiras em tão pouco tempo!

1- Se o Irão tiver uma ou duas bombas, poderá construir outras e ter um arsenal de várias dezenas em poucos anos.
2- Está muito longe de ser líquido que eventuais mísseis iranianos a caminho de Israel pudessem ser destruídos em tempo útil. Pelo contrário, a ameaça de destruição de Teerão e/ou outros alvos no Irão seria a única dissuasão que poderia impedir os ayatollahs de desencadear tal ataque.
3- Tanto quanto se sabe, o Egipto e a Arábia Saudita só contemplam/contemplarão a possibilidade de desenvolver uma capacidade nuclear se o Irão também a tiver. É aliás curioso e significativo que o Cairo e Riyadh se sintam mais ameaçados por Teerão do que por Jerusalém.
4- A naturalidade com que Chirac parece encarar um Irão nuclear, contraria todos os esforços que se têm realizado em sentido contrário, com a participação activa da França, juntamente com o Reino Unido e a Alemanha.
5- Estas declarações são proferidas pela mesma pessoa que há cerca de meio ano atrás ameaçava com retaliação nuclear o estado que patrocinasse ou apoiasse um atentado terrorista em França usando armas de destruição maciça, sendo que o Irão seria um dos potenciais candidatos.

Jacques Chirac nunca foi um grande Presidente, mas o último ano agravou uma vocação irresistível para a asneira de grosso calibre. Deve ser difícil encontrar alguém que tenha feito tanto dano à França, à NATO e à UE nas últimas décadas.

Antecipem as eleições, mandem-no para umas férias prolongadas, antecipem-lhe a reforma, prendam-no, mas por favor, tirem-no já deste filme!

08 fevereiro, 2007

Referendo

REFERENDO

Do meu ponto de vista, o Referendo é um dos instrumentos mais importantes em Democracia. Através dele, os cidadãos podem pronunciar-se de forma decisiva sobre assuntos importantes mas específicos.

Enquanto numas eleições se vota em partidos, candidatos, programas (?), havendo, frequentemente, um razoável grau de incerteza sobre muitas das medidas e políticas concretas que vão ser aplicadas após o acto eleitoral, o Referendo é cristalino: “Quer branco ou preto?” 55% votam “branco”, branco será. Não será “preto” nem sequer “cinzento”, será “branco”.

Por maioria de razão, o Referendo deixa pouca margem de manobra à mentira. Estarão talvez lembrados de um post que escrevi em 21/09/06 sobre a fraude política que é o actual Governo da Hungria (“O Cretino Mentiroso”)
. Nem sequer vou enumerar os compromissos eleitorais do PS e confrontá-los com a sua actuação governativa. Há múltiplos exemplos de referendos realizados em vários países europeus, em que o eleitorado votou em sentido contrário à vontade da grande maioria dos partidos políticos (Dinamarca, Suíça, Suécia, França, Holanda), o que só reforça a importância de participar numa votação que vai além de escolher: decide.

Por tudo isto, a participação no Referendo do dia 11 de Fevereiro é vital: independentemente do que se pense sobre o aborto, não podemos deixar que o instituto do referendo “aborte” devido a uma fraca adesão do eleitorado. Não faltam políticos ansiosos por liquidar a participação referendária, na medida em que esta lhes retira poder e margem de manobra. A Democracia directa não é incompatível com a Democracia representativa, antes a complementa.

Embora não concorde que se possa eleger o Presidente da República e os Deputados com uma participação eleitoral de 30% e que o Referendo só tenha força vinculativa com a adesão de mais de 50% do eleitorado, espero sinceramente que os Portugueses digam no Domingo que querem participar e reivindiquem o direito de serem chamados a Referendo mais amiúde.

P.S. Não querendo desenvolver o tema, também não quero deixar dúvidas no que concerne às minhas opções para este Referendo: Voto NÃO!

06 fevereiro, 2007

Arrebatamentos

ARREBATAMENTOS

O Primeiro-Ministro de Portugal é normalmente contido e controlado naquilo que diz, excepto quando o irritam ou contrariam, é claro.

Estranhamente, as visitas ao estrangeiro parecem constituir, para José Sócrates, a outra excepção.

Todos nos lembramos do seu arrebatamento, logo no início do mandato, quando atravessou a fronteira e clamou que as prioridades da política externa portuguesa eram: “Espanha! Espanha! Espanha!” Oh God! So much for the 630 year-old Anglo-Portuguese Alliance! A nossa política externa começava em Badajoz e terminava nos Pirinéus! Adiante.
Agora, em Pequim, Sócrates teve uma recaída: Portugal e a China partilham a mesma opinião sobre os principais temas internacionais. Outro arrebatamento. Extraordinário! Em que é que Sócrates estaria a pensar? Na Coreia do Norte? No Darfur? No Afeganistão? No Tibete? Em Taiwan? No Irão? No Iraque? No Kosovo? Na Democracia? Nos Direitos Humanos? Talvez…em nada?

Não sabemos. Sei, contudo, que de cada vez que o Primeiro-Ministro sair de Portugal em visita de Estado, ficarei com o coração nas mãos; é que o jogging é inócuo, agora os arrebatamentos…

04 fevereiro, 2007

Estarei na China ou no Japão?

ESTAREI NA CHINA OU NO JAPÃO?

 

O Ministro da Economia, Manuel Pinho, cometeu esta semana em Pequim mais uma das suas inenarráveis gaffes: apontou os baixos salários como uma das motivações relevantes para a China investir mais em Portugal.
 
Por Bandeira, in "Diário de Notícias" de 01/02/07
 
O Primeiro-Ministro já tentou emendar a mão “explicando, corrigindo e apoiando o Ministro, mas parece evidente que Pinho já “está tapado por faltas”.

Uma das possíveis explicações para o engano do Ministro seria um erro do seu GPS e, encarando a plateia, interrogar-se: “Bem, estarei no Japão, ou na China?”

Pelos vistos, enganou-se…mais uma vez. É que
o PNB per capita do Japão é de US$ 39.000, enquanto que o de Portugal é de US$ 16.200. Assim ainda se compreenderia, já que o PNB p/c da China é 10% do português: US$ 1.700.*

Finalmente, o argumento de que a referência aos salários baixos seriam no contexto europeu também não servirá de muito, já que 11 Estados-Membros da UE têm um rendimento inferior ao português.

As intenções poderão ser as melhores, mas a falta de jeito é evidente.

* Estatísticas do Banco Mundial referentes a 2005.