PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
OS PADRINHOS E OS AFILHADOS I
OS PADRINHOS E OS AFILHADOS I
O PADRINHO.
O AFILHADO.
No dia 9 de Outubro de 2006, a Coreia do Norte tornou-se a 9ª potência nuclear do planeta, se incluirmos Israel no lote. No dia 11 de Fevereiro de 2007, 6 países, 5 do Nordeste da Ásia (China, Japão, Rússia, Coreia do Sul e a própria Coreia do Norte) e os Estados Unidos, assinaram um acordo de princípio para desactivar a central nuclear de Yongbyon em troca de 50.000 toneladas de fuel-oil/ou equivalente.
Seguir-se-ão negociações técnicas que deverão conduzir ao desmantelamento da central e ao desarmamento nuclear da Coreia do Norte e compensá-la com mais 950.000 toneladas de fuel-oil.
Significa isto que temos um case closed?
I’m afraid not.
Em primeiro lugar, a Coreia do Norte não se compromete a desmantelar as armas nucleares que já possui. Em segundo lugar, a Coreia do Norte não tem de se desfazer das reservas de plutónio que já possui e que lhe permitem construir mais engenhos atómicos. Em terceiro lugar, Pyongyang nada diz sobre um provável programa de produção de urânio enriquecido. Em quarto lugar, Kim Jong Il tem um longo historial de dizer uma coisa e o seu contrário e assinar e renegar acordos internacionais com uma frequência impressionante. Em quinto lugar, os fornecimentos de energia dão a Pyongyang mais tempo e espaço de manobra, retirando-lhe incentivos para fazer novas cedências.
Por outras palavras, Kim não cedeu no essencial, obteve o que precisava no curto prazo e vê a sua estratégia intimidatória de fazer ensaios com mísseis balísticos (Julho/2006) e testes nucleares (Outubro/2006), compensar.
Como conseguiu um país pequeno e empobrecido fazer frente a algumas das maiores potências mundiais, desafiar acordos realizados durante 15 anos e ainda sair por cima, pelo menos por agora.
A realidade é que a Coreia do Norte tem um padrinho. E tal como acontece a outros níveis, quem tem um bom padrinho, tem possibilidades acrescidas de ser bem sucedido e escapar impune a alguns crimes e escapadelas. Como o padrinho da Coreia do Norte é a República Popular da China, possivelmente a segunda potência mundial a vários níveis e detentora de direito de veto no Conselho de Segurança da ONU (UNSC), a posição de Pyongyang tem estado bem blindada.
A isto acresce a generosidade económica da Coreia do Sul, motivada por um misto de medo, afinidade, história e ingenuidade, que ajudou a manter a economia norte-coreana à tona. Se somarmos ainda a cumplicidade da Rússia, velho parceiro privilegiado do fundador do país, Kim Il Sung, nos tempos da URSS, a garantir que a China não ficasse isolada no UNSC, temos mais ou menos completo o quadro que ilustra como um pequeno país, pobre e “isolado” conseguiu manter e desenvolver o seu programa nuclear militar ao longo de décadas, sem nunca ser verdadeiramente contrariado.
Tal como previa em Outubro passado neste Blog, as sanções que conseguiram passar o filtro chinês no Conselho de Segurança (UNSC Resolution 1718 de 14 de Outubro 2006) foram pouco mais do que inócuas para Pyongyang.
Na mesma linha, o resultado das “Six Party Talks” (conversações envolvendo os EUA, a China, o Japão, a Rússia, a Coreia do Sul e a Coreia do Norte) vem premiar o infractor: Kim Jong Il recebe os goodies, sente-se menos ameaçado e vai entreter-nos com negociações inconclusivas. Quando se sentir realmente pressionado, faz mais um dos seus números de alto risco e voltamos ao princípio.
Com um padrinho do calibre da China e ainda com a Coreia do Sul e a Rússia a servir de acólitos, este afilhado mal comportado vai poder continuar a fazer as suas travessuras. Até ao dia em que a bomba rebente nas mãos do padrinho.
P.S. Enquanto que o Japão manteve uma posição coerente até ao fim das negociações, os EUA acomodaram-se a um acordo que deixa tudo quase na mesma, excepto os brindes dados ao regime norte-coreano, parcialmente pagos por Washington. Estas incoerências também se pagam e esta entrada de leão com saída de cordeiro, não credibiliza os EUA e muito menos o combate à Proliferação Nuclear.
14 comentários:
Nítido benefício do infractor. Fazem armas nucleares e ainda recebem recompensas. De pois admiram-se que não faltem candidatos a obter este tipo de armamento.
Parabéns pelo Título: Padrinhos e Afilhados, crime, Mafia...bem relacionado!
Paulo
Isto é tudo muito bonito, mas quais são as alternativas? Ataca-se a Coreia do Norte? Pune-se a China? Afastam-se as duas Coreias?
Qual é o caminho?
Cristina
Paulo: Obrigado pelo cumprimento.
Esses são os pontos fundamentais que eu tento expor:
1- Premeia-se quem infringe e reincide e nem se obtém garantias de que o cerne do problema será resolvido.
2- O facto é que sem os apoios da China e, em segunda instância da Coreia do Sul e da Rússia, jamais se teria chegado a este ponto. Estes países actuam como Padrinhos do infractor e são instrumentais no permitir a consumação do delito.
Cristina: Questões complicadas, na verdade. Do meu ponto de vista, já se ultrapassou o tempo útil de resolver o problema, que seria antes da Coreia do Norte consumar a sua ascensão a potência nuclear. O ataque à Coreia do Norte poderia ter resolvido o assunto, mas era uma opção que comportava riscos, especialmente para a Coreia do Sul. A oposição dos vizinhos da Coreia do Norte tornou esta opção quase impossível, dado que um bombardeamento unilateral dos EUA no Nordeste da Ásia iria criar um clima de tensão muito perigoso entre várias grandes potências.
As sanções à China nunca resultariam. Quanto às duas coreias, é um facto que desde a implementação da chamada "Sunshine Policy" por Seoul desde 2000, a Coreia do Sul tem ajudado a manter Pyongyang "a soro"; desta forma, reduziu a capacidade de pressão internacional e prestou um mau serviço à causa da Não-Proliferação.
FREITAS PEREIRA comenta : -
Dos dois casos de proliferação nuclear tratados neste blog, o da Coreia do Norte parece-me ser já do passado. O caso esta consumado. O Senhor Rui Miguel Ribeiro fez um comentário preciso da situação. Mas não acho que a posição dos EUA seja incoerente, porque na realidade esta potência defende os seus interesses antes de pensar no interesse colectivo, ou porque já não tem o poder para agir doutra maneira.
Na realidade, os Americanos ainda têm na memória o que sucedeu em 1950. O exército Coreano (do norte) veio até Taegu, no extremo sul da actual Coreia do Sul , em poucas semanas, e a coalição da ONU, liderada pelos EUA , empurrou-os de novo até ao rio Yalu, na fronteira Chinesa, após o brilhante e decisivo desembarque na baia de Inchon, na retaguarda do exército norte coreano. Manobra decisiva de Mac Arthur.
Ao custo de milhares de mortos.
E depois ? Quando o exército Coreano esta derrotado, centenas de milhares de Chineses atravessaram a fronteira e em 15 dias trouxeram de novo o exército da ONU até ao paralelo 38, que era a fronteira inicial. Ao custo de mais uns milhares de mortos aliados e centenas de milhares de mortos Chineses.
Nessa altura Mc Arthir pediu ao Presidente Truman a autorização de invadir a China ou de autorizar o emprego da bomba nuclear. Truman recusou uma e outra. Pan Moon Jon ficou como ponto de contacto entre as duas Coreias. Janela aberta para o outro lado.
Quem não se lembra da famosa frase de Mao Tsé Tung " A China pode perder 100 milhões de soldados, mas ainda ficarão 900 milhões para os vingar. Quando os EUA perderem 1 milhão a guerra acaba." E assim foi. Jamais os EUA poderão "punir" a China ou o seu protegido de hoje e de ontem.
E os EUA não iriam hoje entrar em guerra com o seu maior credor de todos os- tempos, onde até a General Motors vai fabricar os seus automóveis "mais baratos", para continuar na corrida !Sem falar do "i-pod" !
E quando se é Coreano ou Português) recordo-me de algumas noites no Hyatt de Seoul, onde dormi,) e que se dorme em Guimarães e que em Braga estão os mísseis prontos a partir (distância de Seoul à fronteira norte Coreana !) , então compreende-se melhor porque é que os de Guimarães enviam algum "soro" aos de Braga para que eles possam sobreviver! E fiquem amigos para lá das historias do passado.. (Esboço um sorriso neste momento ao pensar na "amizade" tradicional entre as nossas cidades! Mas isso é um outra historia, não é assim ?
A "real politik" obriga hoje a diplomacia a aprender , mais que nunca, das lições do passado, e como os rivais estão cada vez mais equilibrados em força militar e que certas guerras provaram recentemente que há limites decisivos na tecnologia quando se luta contra inimigos descentralizados e determinados, não vejo outra solução que procurar um "modus vivendi" satisfatório, mesmo se não é o ideal.
Comentarei o segundo caso de proliferação nuclear potencial no post respectivo - O Irão.
Sr. Freitas Pereira: Concordo em absoluto com a sua conclusão sobre a "Real Politik", que é, aliás, algo que venho sublinhando neste Post frequentemente. E isso passa pela defesa dos interesses naciuonais de cada um.
Contudo, sobre o problema nuclear da Coreia do Norte, não me parece que seja um case closed e que a solução (?) seja satisfatória. As cedências foram excessivas, as garantias e as contra-partidas foram curtas. O blackmail nuclear vai continuar numa próxima oportunidade.
Sr. Freitas Pereira: O que mao disse tem menos a ver com a população da China do que com o facto de presidir a um regime totalitário para o qual os cidadãos eram meramente instrumentais. O mesmo não se passa numa democracia. mesmo assim, os Chineses perderam 600.000 homens na Guerra da Coreia e não a ganharam, enquanto que as baixas dos EUA se ficaram pelas 35.000.
Uma democracia depende muito da vontade de combater e de uma significativa unidade nacional para prevalecer numa guerra. Se estes elementos existirem, a tolerância às baixas será bem maior.
Caro Sr. Rui Miguel Ribeiro
Sem duvida nenhuma foi exactamente o que eu quis dizer quando escrevi a frase de Mao. As baixas importavam pouco para um dirigente que dispunha duma tal reserva de homens prontos para morrer, e que mais é , animado por uma filosofia que vê a morte sob um prisma diferente, porque seguindo o caminho do "bushido", uma espécie de código de honra do guerreiro, não longe do "samurai" .
Para os ocidentais, o problema é completamente outro, e sabe Snr. Miguel Ribeiro, não creio que o valor da democracia que é evocado frequentemente para justificar a guerra, esteja sempre na origem dos conflitos .
E por favor não me diga que " uma democracia depende muito da vontade de combater e da unidade nacional" !
As hordas nazis tinham uma terrível vontade de combater e beneficiavam duma relativa unidade nacional. Elas defendiam a democracia ?
Os 30 milhões de Russos que se bateram como demónios contra os nazis, bateram-se por uma democracia ? E a vontade de combater demonstraram-na.
Os milhões de Vietnamitas que se bateram contra os EUA também não se sacrificaram por uma democracia. Até ainda não a têm!
O combate não tinha nada a ver com a democracia, mas antes com o espirito de "appartenance" (pertença?) a um grupo de homens ligados pela historia comum e obedecendo a objectivos contraditórios - uns para conquistar espaço e os outros para defender o seu espaço-. Como no inicio da humanidade!
Da mesma maneira, os 600.000 Chineses que caíram na Coreia, também não morreram por uma democracia, de que ainda hoje não beneficiam.
Assim, eu creio antes, que os Aliados que se bateram na Europa contra os nazis e os soldados da ONU na Coreia, bateram-se eles sim por certos valores que são os nossos. Eu prefiro não os comparar àqueles que se batem no Iraque, porque na origem desta guerra existem causas inaceitáveis.
E se, quando da guerra na Europa, nenhum aliado esmoreceu no combate justo e os povos respectivos foram unidos até à vitoria, vê-se bem que hoje , nos EUA e no Reino Unido, e nos outros países aliados, a unidade dos povos desapareceu, e são os soldados eles mesmos, que se encontram na frente de batalha no Iraque, que fazem baixos assinados aos dirigentes , contra a guerra , e pedem para ser repatriados. Prova que esta guerra nunca devia ter sido.
E pode crer, que para as famílias que perdem os seus entes queridos nesta guerra estúpida (dixit os G.I ) , mesmo se morrem menos soldados aliados que inimigos, as baixas, qualquer que seja o numero, são sempre intoleráveis.
PS°- Continuo à espera duma aberta meteorológica sobre a península ibérica para me oferecer o prazer de visitar a minha terra de Guimarães. No caminho, vou fazer etapa em Salamanca, como de costume, para fazer uma visita à memória do grande humanista Miguel de Unamuno. Ele, que, ao grito de " Viva la muerte" de Millan Astray, general falangista ,apostolo da guerra sem limites, respondeu " que a força brutal pode vencer mas nunca convenceu ninguém quando lhe falta a razão".
Gostava de começar pedindo desculpa ao autor deste blog, o meu Professor e amigo Rui Miguel Ribeiro, por ter andado ausente de opinião na “blogo-esfera”, em particular neste seu “Tempos Interessantes”, onde ainda não tinha (sequer) intervindo.
Saliento que foi um “período sabático” em que não dei opiniões, mas que, de tempos em tempos, fui lendo e mantendo-me ao corrente das suas opiniões. Hoje, “APÓS PRESSÃO”, tive realmente vergonha de andar longe tanto tempo.
Passando em revista estes últimos posts sobre “Padrinhos e Afilhados” (I e II), sou de opinião que tudo está abordado
1- Com os títulos, fica demonstrado o sistema político internacional, que não se resume a estes compadrios… há também os do “eixo do bem”!!!
2- Com o 1º artigo, fica atestado aquilo que todos imaginavam, a Coreia do Norte, contrariamente aos EUA, é hábil nas negociações. Recua nas suas pretensões até obter os lucros, retomando seguidamente o rumo que há muito havia decidido (até voltar a ter mais lucro com outro acordo e recuar 1 passo, para depois avançar 2)
3- Com o 2º artigo, fica definitivamente demonstrado (se dúvidas houvesse) que “quem tem bons padrinhos não morre na cadeia”.
4- Fica ainda patenteado que todos, padrinhos e afilhados, jogam no tabuleiro político conforme lhes convém… jogando com a inabilidade de alguns para se satisfazerem! Se recuarmos no séc. XX, encontramos Chamberlain… (perdoem a comparação… esperemos que a inabilidade dos actuais não esteja a comprar “a paz do nosso tempo”… pelo menos que não seja comprar a paz igual à outra!!!)
Termino este meu regresso aos comentários com duas considerações:
1ª - Para quando uma ONU que efectivamente faça alguma coisa e tenha “margem de manobra” para tal.
2ª - Que me perdoem os mais “sérios”, mas tenho que citar o ilustre deputado e líder parlamentar comunista, Bernardino Soares:
“Tenho dúvidas que a Coreia do Norte não seja uma democracia”
João Pulido
P.S.- Prometo voltar amiúde a dar o meu contributo, por pouco válido que possa ser…
Sr. Freitas Pereira: Sei bem que não se combate sempre pela Democracia. Aliás, as mais das vezes, não é por isso que se combate. Os soldados do Exército Popular de Libertação que combateram na Coreia fizeram-no porque não tinham alternativa: ou eram mortos (ou não) pelos Norte-Americanos, ou eram executados como desertores.
Para além da obrigação, muitos lutam por um ideal, por muito perverso que possa ser, e frequentemente pela ideia de Pátria, como muitos no Exército Vermelho fizeram em 1941/45. Mesmo muitos Alemães da Wehrmacht terão combatido pelo dever e pela Vaterland e não por Hitler ou pleo Nazismo.
Quanto aos soldados Americanos ou Britânicos do século XXI, é bom não esquecer que eles são voluntários e profissionais. Embora seja uma profissão muito específica e que tem uma componente de missão, eles não estão no Iraque, no Afeganistão ou no Kosovo por acaso ou por azar.
Sr. Freitas Pereira: Aguardo a sua chegada. Talvez na Primavera, juntamente com as aves migratórias que procuram a bonança das amenas Primaveras do nosso rectângulo...
João Pulido: Fico contente com o teu "regresso" e feliz que tenciones continuar a participar, sem pressões. Como diria o outro, com tranquilidade.
João: Aí está uma boa e sucinta explicação da situação: cada actor políticojoga o melhor que sabe e pode no tabuleiro das RI e a Coreia do Norte é um jogador habilidoso e ardiloso; noutro jogo seria um batoteiro, nas RI é astuto.
P.S. Tornei a rir quando li a impagável declaração de Bernadino Soares. Eu era Deputado à época e tinha vontade de rir cada vez que o via em S. Bento e imaginava-o vestido com a farda norte-coreana!!!
Compreendo as reservas, mas parece-me que um entendimento sofrível semprre será melhor que nenhum acordo e a continuação da tensão.
José Manuel
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