30 setembro, 2016

O Nó Indo-Paquistanês



O NÓ INDO-PAQUISTANÊS

 
O T-90, de fabrico russo, é uma peça vital da estratégia Cold Start.

No passado dia 18 de Setembro, um comando jihadista atacou uma base militar indiana em Cachemira e conseguiu liquidar 18 soldados.

Imediatamente, como de costume, a Índia culpou o Paquistão pelo ataque; embora seja provável, ainda não é líquido que os atacantes viessem do Paquistão e ainda menos que tivessem apoio ou direcção do Exército ou do ISI (Inter-Service Intelligence - Serviços Secretos Paquistaneses).

Como também é habitual, a liderança indiana, neste caso o Primeiro-Ministro Narendra Modi e o Ministro da Defesa trovejaram retaliações. Finalmente, como também é habitual, pouco se viu de público, notório e relevante ao nível da retaliação. A Índia afirma ter feito um raid de forças especiais em que teria matado muitos militantes. O Paquistão nega que a Índia tenha entrado no seu território, mas que iniciou um duelo de artilharia que provocou a morte de dois soldados paquistaneses.

Apesar das ameaças, das pressões de poderosos grupos nacionalistas na Índia e até do ocasional clamor da opinião pública, os ataques terroristas na Índia, levados a cabo por grupos paquistaneses não provocaram significativas retaliações de New Delhi. Porque não, mais a mais sendo esta bem mais poderosa do que o Paquistão?

Muitos podem não gostar da resposta, mas esta resume-se em duas palavras: ARMAS NUCLEARES.

 
O míssil nuclear Haft IX (Vingança) é o antídoto paquistanês para o Cold Start.

Pois é, a receita que tão bem resultou entre a União Soviética e os Estados Unidos, também vai resultando entre Islamabad e New Delhi. Senão vejamos:

Suponhamos que uma organização paquistanesa, por exemplo, o Lashkar-e-Taiba (LeT) desencadeia um ataque terrorista de grande impacto em Bombaim, lançando o caos na capital económica da Índia. O Governo quer retaliar e a população exige-o. Se optar por uma invasão em larga escala do Paquistão, este poderá retaliar com um contra-ataque nuclear contra alvos importantes na Índia para a fazer recuar. Esta, por sua vez, retaliará e teremos um cenário de destruição e morte sem precedentes nos últimos 70 anos. Não é viável.

Então, os Indianos desenvolveram uma estratégia designada Cold Start que consiste numa ou várias incursões localizadas, rápidas e demolidoras em território paquistanês, executadas por forças mecanizadas, com apoio aéreo, mas não penetrando profundamente em território inimigo para não ameaçar os centro do poder político e militar e evitar uma retaliação nuclear maciça.

Contudo, a seguir ao tit, vem o tat (tit for tat), ou mais eruditamente, gera-se uma situação de estímulo-resposta, neste caso uma escalada militar. Então, o Paquistão apostou no desenvolvimento e emprego de armas nucleares tácticas, ou de teatro (battlefield nuclear weapons), que têm menor alcance e potência e se destinam especificamente a travar e destruir as forças inimigas, mas não os centros de decisão, nem as grandes cidades. Neste caso, a força invasora seria dizimada com armas nucleares, melting the Cold Start. A expectativa de Islamabad é que, dado o carácter limitado destas armas, elas não desencadearão uma retaliação total da parte da Índia.

Resumindo: grupos terroristas paquistaneses atacam a Índia que não retalia com receio de provocar um conflito nuclear. Por isso, a Índia desenvolve uma estratégia convencional (Cold Start) para contornar o problema: Seguidamente, o Paquistão desenvolve uma contra-estratégia nuclear que neutraliza a anterior. E tudo regressa à estaca zero neste múltiplo conflito assimétrico: terrorismo, guerra convencional, conflito nuclear.

Então, menos mal. O Paquistão e a Índia ficam num nó, de pés e mãos atados e nada de muito mau acontece: uns ataques terroristas, uns duelos de artilharia mais ou menos inconsequentes, queixas, acusações, ameaças e bravatas e tudo volta à normalidade, até à próxima vez.

No entanto, nem tudo neste conflito é irracional; os actos, bons ou maus, têm alguma razão de ser, um objectivo, uma CAUSA. E esse é que é o nó original. Enquanto a Índia e o Paquistão não desatarem esse nó (o que é altamente improvável), a dinâmica de conflitos assimétricos permanecerá, bem como, o risco de escalada até ao patamar nuclear. Ah, esse nó também tem nome: chama-se CACHEMIRA.

 P.S. Brevemente será publicado um post sobre Cachemira.


28 setembro, 2016

6.000 Boots on the Ground



6.000 BOOTS ON THE GROUND

 
Um óbvio problema de comunicação.

Em 2011, Barack Obama decidiu terminar a presença militar dos Estados Unidos no Iraque. Fê-lo contra as recomendações das chefias militares, fê-lo proclamando o fim da Guerra do Iraque e fê-lo ridiculamente porque a Guerra acabara há muito.

O que realmente importava para Obama era terminar as guerras (mesmo as que já tinham terminado) e retirar todas as tropas colocadas no Médio Oriente e na Ásia Central e do Sul. Não por considerações de ordem geopolítica, mas apenas por se considerar um profeta iluminado que traria a paz à Terra.

As consequências foram arrasadoras: o Iraque tornou-se cada vez mais dependente do Irão que se tornou no Estado tutelar do Iraque; o Primeiro-Ministro Maliki acentuou o carácter autoritário e sectário da sua governação, alienando e perseguindo a comunidade sunita, o que facilitou o ressuscitar da Al Qaeda do Iraque, depois transformada em Estado Islâmico do Iraque e Síria (ISIS) e, finalmente, no Estado Islâmico (IS).

 Outro problema de comunicação.

in “Indy Star” em http://www.indystar.com/story/opinion/cartoons/2014/08/15/cartoonist-gary-varvel-boots-ground-iraq/14099069/

Ironia do destino, a expansão imparável do IS no Iraque e na Síria levou Obama a encetar uma campanha aérea no Iraque, pouco depois alargada à Síria e que teve efeitos relativamente limitados. Obama tentou sempre defender o seu legado de retirada das tropas norte-americanas do Iraque, agarrando-se ao lema “no boots on the ground” (não haverá soldados no terreno).
  
No entanto, “no boots on the ground” é um enorme logro. Nos últimos dias, o Pentágono requereu autorização para enviar mais 500 soldados para o Iraque. Caso o pedido seja deferido, o número de militares norte-americanos no Iraque ultrapassará os 6.000. A estes, somam-se pelo menos 300 na Síria.

 
Problema solucionado.

Resumindo, a Guerra acabara e uma nova começou; as tropas americanas retiraram e vão voltando em números crescentes; a saída militar dos EUA do Médio Oriente durou apenas 3 anos; o Médio Oriente está em muito pior estado; e o salvífico Obama lá está atolado no Médio Oriente, fruto da arrogância e da ignorância, mistura explosiva, como se sabe. 6.000 boots on the ground! And counting.


P.S. É claro que Obama mantém uma cortina de fumo sobre o assunto e todas as tropas estão em missão de treino e de aconselhamento. O ex-Secretário de Estado da Defesa, Robert Gates, que não tem nada a disfarçar, declarou que “[US troops] are in combat and these semantic backflips to avoid using the term ‘combat’ is a disservice to those who are out there putting their lives on the line.” Nem mais.

26 setembro, 2016

Paródia e Testes Nucleares



PARÓDIA E TESTES NUCLEARES

 
Kim Jon Un, Presidente da Coreia do Norte, explsivo,muito divertido, esfuziantemente aplaudido e com um indescritível penteado.
in Carnegie Endowment fo International Peace em http://carnegieendowment.org/

Os pontos de partida deste post foram os testes nucleares e de mísseis realizados pela Coreia do Norte e as reacções escandalizadas e standardizadas que estes provocaram nos líderes de algumas potências mundiais. O ponto de chegada será sorrir ou rir de coisas sérias.


Pyongyang, 09/09/2016
O Presidente da Coreia do Norte, Kim Yong Un, chega ao Centro de Comando.

- Que belo dia! Está tudo pronto para o testezinho de hoje?
- Sim Querido, Grande e Gordo Líder. Só aguardamos as ordens de V. Sumidade….
- Não tomei o pequeno-almoço. Primeiro quero que me tragam o leitinho e os croissants!
30 minutos, 3 leitinhos e 10 croissants mais tarde, Kim troveja:
- FIRE!!! (Sempre quis dizer isto).

BANG!!!

Tóquio, uma hora depois, no Gabinete do Primeiro-Ministro Shinzo Abe.
- Honorável Primeiro-Ministro, a Coreia do Norte acaba de efectuar outro teste nuclear!!!
- Não pode ser! Ligue-me já ao Presidente dos Estados Unidos.
- Humm, não será a hora do golfe?
- Quero lá saber! Com golfe ou sem golfe ele tem de me atender.

Telefonema Trans-Pacífico Tóquio-Washington.
Abe – Este teste é preocupante.
Obama – Também acho. Preocupante.
- Estou preocupado.
- Eu diria mesmo mais, estou muito preocupado.
- Proponho partilharmos as nossas preocupações no Conselho de Segurança da ONU.
- Eu diria mesmo mais, propomos as nossas partilhas na ONU, remata Obama.
- ??? Whatever! Vou ligar à Park.
- Eu também, eu também.

Telefonema Trans-Pacífico Washington-Seoul.
Obama – Bom dia Senhora Presidente. Lamento ter de incomodá-la com tão explosivo assunto.
Park – Nem me fale! Quase caí da cama com o abalo sísmico provocado pela explosão! Aquele Kim gordalhufo vai pagá-las. Ninguém brinca com o meu sono!
- I see… Eu e o Abe estávamos a pensar ir novamente ao CS da ONU. Quer alinhar?
- Boa ideia. Podemos impor mais sanções.
- Sim, eu gosto disso. Já apliquei sanções a meio mundo! Resta saber se os Chineses e os Russos deixam. Ah, já me esquecia de lhe dizer que estou muito preocupado com a situação.
- Eu também, mas o que mais me irrita foi ter acordado estremunhada e ter saído porta fora em pijama a gritar “Terramoto! Terramoto!”
- Oh, embarassing…
- Pois, mas despeço-me. Tenho de falar com o Xi Jiping e com o Putin. Devem estar preocupados.
- Ok. Eu farei o mesmo. Depois do golfe, claro.

Telefonema Trans-Pacífico Washington-Pequim.
Obama - Boa tarde Presidente Xi. Estou muito preocupado e aborrecido com o seu camarada Kim.
Xi - Boas! Então porquê?
- He did it again!
- Se se refere a:
            Testes Nucleares, prima 1.
            Testes de Mísseis, prima 2.
            Ameaças e vitupérios, prima 3.
            Lançamento de satélites, prima 4.
            Sortido de tropelias, prima 5.
- Primo todos!!!
- Calma, estava a tentar distender o ambiente.
- Quer jogar golfe?
- Não obrigado. Prefiro construir castelos nas praias do Mar do Sul da China, if you get my drift, hehehe.
- Temos de inventar novas sanções.
- (Suspiro) Já temos muitas em vigor.
- Mas ele não desiste.
- É preciso ter paciência de chinês.
- Comigo???
- Também. Quer dizer, com ele, com ele, é claro.

Telefonema Trans-Siberiano Pequim-Moscovo.
Xi - Boa noite caro amigo!
Putin – Boa noite estimado amigo! Imagino que me está a ligar por causa do seu primo Coreano. (em tom sardónico)
- Ele não é meu primo e não tenho família coreana. Sou 100% Chinês, retorque Xi um pouco exaltado.
- Tenha calma, era só uma graça. Então a sua vizinhança está em reboliço?
- Nem me fale. Julgam todos que eu sou o tutor do Kim, mas eu não tenho nada a ver com ele. Não o conheço, nem nunca me foi apresentado.
- Pois, mas há aí uma cumplicidadezita…
- Claro. Nós não permitiremos que Washington e Seoul controlem a Península Coreana, pela Grande Muralha… E pelo camarada Mao! (Bolas, já me esquecia dele!)
- Já somos dois. Onde quer que os Amerikanskaya se metam, lá estaremos a entalá-los. Enquanto os outros otários barafustam, o carvão e o petróleo saem daqui (Rússia), passam por lá (Coreia do Norte) e vão para aí (China).
- Pois é verdade, hehehe. Desde que aquele estouvado não aponte os mísseis na direcção errada…
- Nããã, o Kim é estouvado, mas não é estúpido. Ele sabe para onde atirar.
- E o que fazemos com as sanções? O Obama e a Park parecem picaretas a falar em sanções. Eu disse-lhes que já havia muitas… Ficaram amuados.
- Concordo consigo. O Kim já foi sancionado este ano, já chega de sanções. O Sergei (Lavrov) rabisca uma declaração a manifestar desagrado, repúdio, indignação e outras coisas e leva-a ao Conselho de Segurança para ser votada.
- Boa! Isso deve contentá-los por agora.

Telefonema Trans-Siberiano Seoul-Moscovo.
Park - Boa tarde Presidente Putin.
Putin – Boa tarde Presidente Park. Como está?
- Não muito bem. A Coreia do Norte está cada vez mais ameaçadora. Estou…
- Preocupada (atalhou Putin), sim, eu sei. Eu também (tosse). Mas não devemos exagerar. Há muitos cães que ladram, mas não mordem.
- Acha mesmo?
- Eu acho. Veja o caso do Obama (tosse), perdão, do Kim Jong Un. Talvez seja altura de lhe dar menos atenção.
- Humm, eu acho que ele tem de ser castigado. Duramente. Decapitado! A Coreia ainda vai ser toda nossa outra vez! (em crescendo de exaltação)
- É boa. Essa frase soa-me familiar. Tenha calma Presidente Park, o Presidente Xi e eu próprio vamos sensibilizar o Kim para ele moderar o comportamento. Não vamos começar uma guerra em larga escala por causa de uns testes. Ainda por cima, vários deles falharam. Parecem os testes do sistema anti-míssil da Amerika, hehehe.
- Não me diga isso, porque vamos instalar um dispositivo XPTO deles. Posso então contar com o apoio da Rússia?
- Claro que sim. Faremos tudo em prol da paz.

Telefonema Trans-Siberiano Moscovo- Tóquio.
Putin - Boa tarde Senhor Primeiro-Ministro. Vi que tentou ligar-me, mas estive imenso tempo ao telefone com os seus vizinhos. (suspiro)
Abe – Boa tarde Senhor Presidente. No problem. Está toda a gente preocupada.
- Pois. (bocejo disfarçado)
- Eu lembrei-me de lhe ligar porque os meus vizinhos não gostam muito dos Japoneses e…
- Vá lá saber-se porquê! Mas não se apoquente, eu também tenho alguns vizinhos a Oeste que parecem não gostar dos Russos. E a Merkel já me confidenciou que sucede o mesmo com os Alemães. Idiossincrasias.
- Enfim! De qualquer forma o Japão está a reerguer-se e seremos brevemente uma potência militar que terá de ser respeitada.
- Excelente! Tem o nosso apoio.
- Arigatou.
- Presumo que me ligou por causa da Coreia do Norte…
- É verdade. Nos últimos meses temo-nos sentido como estando num target range dos mísseis norte-coreanos e isso preocupa-nos de sobremaneira e gostávamos de poder contar com o apoio e influência da Grande Mãe Rússia.
- Caro Primeiro-Ministro, tenho muito gosto em ajudar e pode contar com o o apoio da Rússia. Sabe que nós também temos uns problemazitos desagradáveis e talvez o Império do Sol Nascente nos pudesse apoiar. Trata-se de umas sanções e de limitações ao investimento estrangeiro. Sabe como é, uma mão lava a outra…
- Compreendo perfeitamente. Pode contar com o Japão. Nós nem temos nada a ver com os motivos das sanções.
- Bolshoe spasibo caro Abe.
- Doumo arigatou caro Putin!

 
Lançamento de um míssil balístico de um submarino norte-coreano.


Noite de 9 de Setembro - Reflexões antes de deitar:

Tóquio, Japão
Shinzo Abe – Dia miserável. O Obama é um inepto. A Park é só choradeira. O Putin e o Xi não querem saber e o miúdo é que se fica a rir. Vamos a ver se a parceira com a rússia resulta nalguma coisa. Senão, temos de nos desenvencilhar por nós. Banzai!

Seoul, Coreia do Sul
Park – Dia péssimo. Ninguém nos resolve o problema. Qualquer dia rebentamos com Pyongyang e os Chineses que arquem com as consequências. Ou seremos nós? Bem, isso agora não interessa, espero pelo menos dormir sossegada.

Washington, Estados Unidos
Barack Obama – O dia acabou melhor do que começou. Diplomacia eficaz e muito golfe. Assim se vai construindo um legado presidencial.

Moscovo, Rússia
Vladimir Putin – Estes sujeitos só fazem estardalhaço, acções concretas que é bom, nada. Vamos ver se com o Japão desbloqueamos alguns assuntos. Seja como for, amanhã, voltamos a focar-nos na Nova Rossiya e na Síria que é o que me interessa agora.

Pequim, China
Xi Jingpin – Livra, que dia! O miúdo atrevido de um lado e os histéricos do outro. Que dia horrível. Alguém vai pagar por isto. Amanhã vou chatear os Vietnamitas e os Filipinos.

Pyongyang, Coreia do Norte
Kim Jong Un – Foi um dia em cheio, mas esta actividade nuclear é cansativa. Vou-me deitar.
- Querido Líder, recebeu muitas chamadas a protestar contra o nosso glorioso teste?
- Não. Só uma chamada do Xi, furioso, dizendo que eu brinco com as bombas e os mísseis e ele é que recebe as reclamações dos outros. Lol!


CAST:

KIM JON UN (Presidente da Coreia do Norte)
SHINZO ABE (Primeiro-Ministro do Japão)
BARACK OBAMA (Presidente dos Estados Unidos)
PARK GEUN-HYE (Presidente da Coreia do Sul)
XI JINGPIN (Presidente da China)
VLADIMIR PUTIN (Presidente da Rússia)