Mostrar mensagens com a etiqueta Guerra. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Guerra. Mostrar todas as mensagens

13 outubro, 2020

Era Uma Vez...o Cáucaso

 

ERA UMA VEZ…O CÁUCASO

 

Neste mapa, constata-se o alastramento do conflito por múltiplas áreas do Cáucaso.

Era uma vez uma região estratégica encaixada entre a Europa e o Médio Oriente, entre o Mar Negro e o Cáspio, simultaneamente um caminho de guerreiros e de mercadores e uma barreira difícil de contornar devido às imponentes montanhas que marcam a região.

 Era uma vez a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), criada pouco depois da Revolução Russa. A divisão da União foi estabelecida pelo centro (Moscovo), muitas vezes ao arrepio das realidades étnicas e das idiossincrasias regionais. Assim, já na década de 1920, na divisão do Cáucaso por 3 Repúblicas (Arménia, Geórgia e Azerbaijão), o Kremlin optou por colocar a região do Nagorno-Karabakh sob o controlo do Azerbaijão, apesar de o território ter uma população maioritariamente arménia. E foi aí, há cerca de 100 anos, que tudo começou.

A República Socialista Soviética da Arménia passou as décadas seguintes a instar Moscovo a entregar-lhe o Nagorno-Karabakh. Sem êxito. No final da década de 1980, o parlamento regional do Nagorno-Karabakh votou no sentido de integrar-se na Arménia. O Azerbaijão não aceitou tal e começaram as escaramuças que rapidamente escalaram para uma guerra que durou 6 anos (1988-1994), ao fim dos quais a Rússia conseguiu negociar um cessar-fogo entre as partes beligerantes.

O resultado da Guerra foi favorável à Arménia que conseguiu libertar o enclave de Nagorno-Karabakh e ainda ocupou 7 exclaves do Azerbaijão propriamente dito. O custo (não económico) da Guerra foi de 30.000 mortos e perto de 1 milhão de refugiados. O legado foi a subsistência de um conflito latente e uma acrimónia e hostilidade mútua que dificulta imenso uma eventual solução definitiva.

Ao longo dos 26 anos subsequentes, houve reacendimentos do conflito, tendo o mais recente ocorrido em Julho de 2016, com a duração de 4 dias e com um saldo de 200 mortos. Mais uma vez, a Rússia arbitrou um novo cessar-fogo.

Agora, porém, a situação é a mais grave desde 1994, vai bem além de uma breve escaramuça. As partes recorreram a carros de combate, artilharia pesada, mísseis e aviões de combate. A capital do Nagorno-Karabakh, Stepanakert, e a 2ª cidade do Azerbaijão, Ganja, estão debaixo de fogo e sujeitas a significativos danos materiais e os mortos já são da ordem dos 220.

 

Os esforços de mediação do Grupo de Minsk da OSCE (Rússia, Estados Unidos e França) têm sido em vão. Aparentemente, as partes envolvidas, especialmente os Azeris, desesperaram de esperar por conseguir os objectivos pretendidos através de negociações e optaram por recorrer à força armada. A isto acresce que, pela primeira vez de forma significativa, o Azerbaijão conta com o apoio total da Turquia, que inclusive tem exigido o afastamento do trio da OSCE da mediação e das negociações.

Porém, se o envolvimento turco no conflito aumentar, corre-se o risco de a guerra alastrar a outros actores, o que poderia transformá-lo numa guerra de grandes proporções. Se, por um lado, a Turquia apoia o Azerbaijão, a França (que tem tentado fazer frente à Turquia no Mediterrâneo) estará mais próxima da Arménia, enquanto que a Rússia tem relações amigáveis com ambos os contendores, mas tem uma base militar na Arménia. Acresce ainda que o Irão é vizinho do Azerbaijão e tem uma significativa população azeri* (12 milhões de pessoas, cerca de 16% do total) que poderá levar ao seu envolvimento no conflito.

Posto isto, a Turquia (ainda) é membro da NATO. A Arménia é membro da CSTO, um equivalente da NATO liderada pela Rússia. Se a Turquia atacar a Arménia, a Rússia é obrigada por tratado a intervir em seu socorro e a Turquia apelará para NATO. Fica clara a importância de conter o conflito e de conter os espasmos da Turquia.

Está a ser difícil alcançar uma paz precária, que é o máximo que realisticamente se pode conseguir neste cenário, mas o statu quo ante já seria um bom progresso para estabilizar o Cáucaso e esfriar os ânimos dos contendores mais exaltados.

 

* Curiosamente, o líder supremo do Irão, o Ayatollah Ali Khamenei, é de etnia azeri.

25 maio, 2020

Paz Violenta


PAZ VIOLENTA

 
Military situation, as of 2019   Under control of the Afghan government and NATO   Under control of the Taliban, Al-Qaeda, and Allies

Em 29 de Fevereiro do corrente ano, os Estados Unidos e o Emirato Islâmico do Afeganistão, mais conhecido e reconhecido como os Taliban, assinaram em Doha, no Qatar, um Acordo de Paz para o Afeganistão (“Agreement for Bringing Peace to Afghanistan”).

Os pontos fundamentais do Acordo são:

1- Garantias de que o Afeganistão não será usado como plataforma para desencadear ataques contra os EUA ou os seus aliados.
2- Garantir a retirada gradual, ao longo de 14 meses, das tropas dos EUA e da NATO estacionadas no Afeganistão.
3- Um cessar-fogo abrangente e permanente entre as partes.
4- O desencadear de conversações de paz entre o governo do Afeganistão e os Taliban, envolvendo uma gradual libertação de prisioneiros por ambas as partes.

As medidas relativas à retirada militar, à troca de prisioneiros, às negociações intra-afegãs e ao levantamento de sanções são todas calendarizadas de molde ao processo estar finalizado no primeiro semestre de 2021.

Contudo, passar das palavras, mesmo que escritas e subscritas, aos actos, vai uma distância considerável. Na realidade, os únicos itens que estão efectivamente em execução são a cessação de ataques dos Taliban aos militares dos EUA e da NATO e a primeira fase da retirada desses mesmos militares do Afeganistão.

Os pontos de desentendimento são:

1- Os Estados Unidos querem executar a total retirada do Afeganistão e pôr um fim a um envolvimento militar no país que dura há quase duas décadas.
2- Os Taliban sabem-no e não vão provocar os Americanos, mas continuam a agredir o Exército Afegão (ANDSF - Afghan National Defence and Security Force) e a protelar as negociações com Cabul enquanto que se vai aproximando o timing da retirada.
3- O governo afegão vem-se debatendo com o confronto político entre o Presidente Ashraf Ghani e o perdedor das presidenciais, Abdullah Abdullah. A querela ficou recentemente resolvida, mas, entretanto, foram desbaratados mais de dois meses, gastos num impasse político e na passividade perante a agressão dos Taliban.
4- O governo do Afeganistão e os Taliban não se entendem no que respeita a libertação de prisioneiros por ambas as partes.

Resumindo:

Os Estados Unidos querem sair e estão dispostos a temporizar a sua reacção à agressividade dos Taliban para não desperdiçar ou pôr em cheque o seu desiderato de sair do Afeganistão.

Os Taliban, aproveitam a ambivalência americana para intensificar os ataques contra o exército afegão: mais de trezentos ataques apenas na segunda metade de Março. Embora os militares dos EUA continuem a bombardear os Taliban em apoio do ANDSF, os Taliban parecem pensar que vale a pena aumentar a pressão sobre o governo, provavelmente tentando entrar em negociações com uma posição fortalecida.

Os Taliban ainda não assumiram de forma pública e inequívoca o rompimento com a Al Qaeda e outros grupos terroristas, condição sine qua non do Acordo de Fevereiro.

O Governo Afegão aceitou algo contrariado a troca de prisioneiros e adoptou uma postura defensiva perante os ataques dos Taliban. Um ataque a uma maternidade de Cabul que deixou 24 mortos e 16 feridos levou o Presidente Ghani, finalmente, a decidir que o ANDSF passasse para a ofensiva.

O cenário está, portanto, revestido de incertezas, geradoras de desconfiança e potenciadoras de conflito. Entre desentendimentos, o crescendo de violência e as negociações paradas, o futuro do Afeganistão afigura-se cada vez mais lúgubre num cenário de Paz Violenta.