14 fevereiro, 2013

Cameron: "Nothing is Off the Table"

CAMERON: “NOTHING IS OFF THE TABLE”
 

Westminster, the Houses of Parliament and Big Ben.


No seu muito falado discurso sobre o Reino Unido e a União Europeia, David Cameron identifica com grande clareza os grandes problemas e deficiências do chamado projecto europeu, da sua evolução e do estado a que chegou.

Destaco alguns dos pontos referenciados pelo Primeiro-Ministro Britânico:


1-   “[…] there is a gap between the EU and its citizens which has grown dramatically in recent years. And which represents a lack of democratic accountability and consent.”

Eu sei que isto é uma evidência, mas é notável que seja dito ipsis verbis pelo líder de um Estado-Membro. A EU é um projecto conduzido e desgovernado por umas luminárias que ignoram e desprezam o pensar e sentir dos eleitorados sobre a matéria, onde o contraditório e as alternativas ao pensamento único de Berlim e Bruxelas são anátema. É, também, evidente que enquanto este estado de coisas se mantiver, os Europeus que se revêem na EU serão cada vez menos.

2-   Can we really justify the huge number of expensive peripheral European institutions? Can we justify a Commission that gets ever larger? Can we carry on with an organisation that has a multi-billion pound budget but not enough focus on controlling spending and shutting down programmes that haven't worked?"

Este é outro ponto muito interessante e muito pouco falado. Porque é que os organismos que impingem a austeridade urbi et orbi e que são financiados em última análise pelos contribuintes europeus, não praticam eles próprios a austeridade? Porque é que o polvo burocrático bruxelense aumenta em tamanho e em custo? É tempo de cortar tentáculos e gorduras em Bruxelas. Eis uma medida de austeridade que era capaz de colher bastante apoio nos eleitorados dos Estados-Membros.

3-   "Power must be able to flow back to Member States, not just away from them... Countries are different. They make different choices. We cannot harmonise everything. […] In the same way we need to examine whether the balance is right in so many areas where the European Union has legislated including on the environment, social affairs and crime. Nothing should be off the table."

Na mouche. Aparentemente, visto de Bruxelas, o continente europeu é uma massa homogénea. Não é. A harmonização tem sido prosseguida de forma cega por uma burocracia omnipotente e arrogante com pretensões a tudo regular e formatar na Europa. A burocracia cefalópode referida no ponto anterior tem de ser não apenas cortada nos seus custos, mas também nas suas atribuições e poderes.

4-   There is not, in my view, a single European demos. It is national parliaments, which are, and will remain, the true source of real democratic legitimacy and accountability in the EU."

Eis o ponto fulcral. Não obstante o esforço integracionista promovido nas últimas décadas, os parlamentos nacionais continuam a ser a pedra basilar da representação democrática, os órgãos que decorrem directamente do exercício da soberania popular através do voto. Nem vale a pena mencionar o Parlamento Europeu, expoente do caro, gongórico, ineficiente e não representativo. O reconhecimento da realidade nacional como alicerce político fundamental dos Estados Europeus e o abandono da miragem da federação europeia, contribuiria para um renascimento da EU em base mais sãs e realistas.
 

United Kingdom drifting, Germany driving and France following?


Idealmente, o discurso de David Cameron poderia constituir o pontapé de saída para se abandonar o que se vem chamando de “construção europeia” e começar o que se poderia designar de reconstrução europeia.


Dentre os objectivos a prosseguir, podíamos assinalar:

* Devolução de poderes da EU para os Estados–Membros.

* Downsizing da burocracia bruxelense e consequente redução de custos.

* Redução das competências dos Tribunais Europeus.

* Eventual extinção do Parlamento Europeu.

* Revisão dos Tratados para reflectir estas mudanças.


Teríamos assim uma EU mais realista, mais contida no tamanho e competências, mais respeitadora da individualidade dos Estados, muito menos dispendiosa e provavelmente muito mais popular.


Tal representaria uma ruptura histórica com um projecto liderado por dois países e umas dúzias de luminárias, arvoradas em vanguarda esclarecida das massas, monopolista da verdade e única detentora do segredo da vontade dos cidadãos.


Quebrar-se-ia também a crença nefasta e interesseira no determinismo histórico da CE/EU, segundo a qual, o único caminho deste projecto seria o contínuo crescimento e integração, numa desenfreada corrida para a frente.


Não tenho ilusões que isto irá acontecer. A inércia, os poderes estabelecidos e os interesses instalados não o permitirão. Infelizmente, grande parte dos 27 Estados-Membros continua a ter uma atitude carneirista e subserviente perante a Alemanha e a França.


Contudo, este discurso sensato, realista e ponderado também não morrerá à nascença. David Cameron jogou forte e terá de produzir resultados. O Reino Unido é uma das grandes potências europeias e as suas pretensões não serão facilmente varridas para baixo do tapete. E também haverá no Norte da Europa quem simpatize com algumas das suas ideias.


A esperança é que o processo que decorrerá da iniciativa de Londres traga alguns benefícios à Europa, aos seus Estados-Nação e aos Europeus. Como disse Cameron, nothing is off the table. Let’s hope he is right.

5 comentários:

Cl disse...

Com a ressalva de que não concordo nada contigo, em se tratando de desfazer o projecto europeu...
concordo sim que falta dinamismo a partir dos centros nacionais...
mas nada impede, num modelo multi-nível,que cada nível maximize o uso que faz do seu poder e da sua esfera de acção (assim faz o Cameron e para uso interno - julgo que haverá muito de 'verbo' no que referes; veremos os factos)
a ver vamos, o que virá, nos países que se habituaram a ver a UE (e os seus fundos) como uma espécie de clister virtuoso...
De resto, como compaginas a mundialização com esse discurso de fragmentação da Europa?

Cláudia disse...

Com a ressalva de que não concordo nada contigo, em se tratando de desfazer o projecto europeu...
concordo sim que falta dinamismo a partir dos centros nacionais...
mas nada impede, num modelo multi-nível,que cada nível maximize o uso que faz do seu poder e da sua esfera de acção (assim faz o Cameron e para uso interno - julgo que haverá muito de 'verbo' no que referes; veremos os factos)
a ver vamos, o que virá, nos países que se habituaram a ver a UE (e os seus fundos) como uma espécie de clister virtuoso...
De resto, como compaginas a mundialização com esse discurso de fragmentação da Europa?

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cláudia,
Eu não quero "desfazer" o projecto europeu, gostava de o refazer, o que é diferente. As palavras-chave seriam devolução, redução, emagrecimento.
Devo dizer que não estou espectacularmente optimista quanto ao follow-up do discurso do Cameron, mas é o melhor que surgiu nas últimas décadas a que eu me posso "agarrar". Acho que seria bom se ele tivesse sucesso.
Finalmente, não creio que a mundialização implique uma integração tão intensa (e tão forçada) como a da UE. A maioria dos actores bem sucedidos no actual processo global têm um nível de hipoteca da soberania muito reduzido.
A clique dirigente europeia vive agarrada à ideia que o poder e influ~encia dos países europeus depende da sua federalização. Eu acho que a prática vem demonstrando que o peso global da UE é muito reduzido, apesar de os seus poderes serem cada vez maior. Isso também tem a ver com o descrédito que resulta da sua falta de legitimidade representativa.

Estella disse...

Será que Cameron também leu "Os Problemas de Portugal" do Prof. Magalhães Godinho?

Rui Miguel Ribeiro disse...

Não sei Estella, mas tomara nós que os nossos problemas fossem como os dele.