A CRIMEIA E A
CARGA DA CAVALARIA LIGEIRA
Basta um
rápido olhar sobre o mapa para intuir o papel estratégico primordial que está
reservado à Península da Crimeia na geopolítica do Mar Negro. São
apenas 26.000 km2, mas uma posição dominante no centro norte deste mar quase fechado,
uma espécie de mega porta-aviões fixo do Mar Negro, ou para sermos mais exactos,
uma plataforma logística para sedear meios navais e aéreos e controlar as rotas
do Mar Negro.
A Crimeia no centro
do Mar Negro.
in STRATFOR em http://www.stratfor.com/
A
Crimeia esteve (está?) na posse da Rússia desde 1783, quando foi conquistada
pela Czarina Catarina a Grande, e teve sempre um papel especial para a Rússia: não
só pela posição estratégica, mas também pela beleza natural e pelo clima
cálido: foi retiro de férias para a corte dos Romanov e para a clique dirigente
da União Soviética. O general que a conquistou, Grigory Potemkin, chamou-lhe “o
paraíso da Rússia”.
Foi na
Crimeia que se combateu a primeira grande guerra na Europa após Waterloo: na
Guerra da Crimeia (1854-1856), Grã-Bretanha e França combateram e venceram a Rússia
para travar o seu avanço para sudoeste, à custa do combalido e decadente Império
Otomano. Quase um século depois, em
1945, em vez da guerra, desenhou-se a paz, de forma tortuosa, para pôr
termo à pior das guerras: a II Guerra Mundial. Foi em Yalta, na Crimeia, que se reuniram Churchill, Staline e
Roosevelt.
A
Crimeia voltou à ribalta em 1954, quando o então Secretário-Geral do PCUS,
Nikita Krushchev, teve a ideia peregrina de oferecer a Península à Ucrânia
(pertencia à Rússia) como
gesto de amizade e boa vontade. Gesto meramente simbólico dado que então
Moscovo comandava a URSS com mão de ferro e a prenda ficava na família.
Este acto, há exactamente 60 anos, está
na origem dos problemas de 2014. Em 1991, com a implosão da URSS, a Rússia
ficou sem a Crimeia que, além de tudo o que já foi referido, detinha o
porto-sede da Esquadra Russa do Mar Negro: Sebastopol.
Rússia
e Ucrânia chegaram a um entendimento que passou pelo leasing da base naval de
Sebastopol à Rússia, cedência que foi recentemente prolongada até 2042. Não
obstante, para muitos Russos, a Crimeia é russa e devia pertencer integralmente
à Rússia. Acredito que Putin comungue dessa opinião.
A crise
ucraniana proporcionou uma oportunidade única para a Rússia recuperar o seu paraíso. A grande questão é saber se
Putin tem a coragem e o romantismo da cavalaria ligeira britânica da rainha Vitória
a carregar de peito aberto sobre Balaclava.
Putin
não é nenhum Lord Cardigan, mas é dele que hoje depende o futuro da Crimeia.
The Charge of the Light Brigade (1877), de Thomas Jones Barker.
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4 comentários:
obrigada pela lição.
De facto está criado um belo "caldinho" nessa zona da Europa.
Até porque o ex KGB Putin pensa e age consoante o modelo em que foi criado, ou seja, a União Soviética.
E nem vale a pena recordar o que pensava Brejnev sobre a soberania dos paises limitrofes para perceber o que vai fazer Putin a seguir.
E não posso deixar de recordar o que pensava Hitler sobre a região dos Sudetas que foi pretexto(entre outros) para o que veio a seguir.
Isabel,
Obrigado eu por visitares o blog e deixares um comentário tão amável. :-)
Luís,
Long time no see. :-)
Pois é, estes acontecimentos, entre muite muitos outros, provam que o mundo não mudou tanto como algumas pessoas estão convencidas que mudou. E quem não estiver preparado para estas realidades, poderá ver-se em apuros...
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