DO KOSOVO À CRIMEIA
Do Kosovo à Crimeia são
1680 km. Entre os dois territórios distam também 15 anos.
KOSOVO: 15 anos antes e
1680 km a Oeste da Crimeia.
Em 1999, a NATO liderada
pelos Estados Unidos bombardeou a província sérvia do Kosovo por causa de
massacres cometidos por forças sérvias sobre kosovares. Simultaneamente, a NATO
bombardeou extensivamente o resto da Sérvia, incluindo a capital Belgrado, onde
também rebentou a embaixada da China. A realidade dos factos demonstrou que
muito para além da salvaguarda dos Albaneses do Kosovo, os objectivos eram derrubar o regime sérvio de Milosevic e impor a
independência da província do Kosovo, retalhando unilateralmente a Sérvia.
Em 2014, a Rússia tem
passado os últimos dias a ocupar a Península da Crimeia, pertencente à Ucrânia.
Sem precisar de recorrer a uma campanha aérea, a Rússia controla os pontos
estratégicos da Crimeia, impôs um bloqueio naval, fechou o espaço aéreo e
neutralizou ou confinou as forças ucranianas. Um dos cenários possíveis é a anexação da Crimeia pela Rússia,
retalhando unilateralmente a Ucrânia.
Em 1999, o ataque ao Kosovo não foi sancionado pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi então criada a narrativa de
que a NATO, enquanto aliança militar hegemónica e com capacidade de intervir na
sua área de influência, conferia legitimidade à intervenção.
Em 2014, o ataque russo não foi sancionado pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi então criada uma narrativa
segundo a qual a Rússia foi instada a proteger os Russos da Crimeia dos
vândalos de Kiev.
Após 1999, o caminho
para a independência do Kosovo foi fundamentado na auto-determinação dos Albaneses
do Kosovo, cerca de 80% da
população.
Em 2014, o caminho para a independência (ou
integração na Rússia) da Crimeia foi fundamentado na decisão votada pelos
deputados do parlamento regional da Crimeia (78 votos a favor e 6 abstenções) e
poderá ser confirmada no exercício da
auto-determinação dos Russos da Crimeia, cerca de 60% da população, no
próximo referendo.
Em 1999, a Rússia foi
enganada e humilhada pelos Estados Unidos no Kosovo. A sua impotência no
consulado pós-soviético de Boris Yeltsin obrigou-a a comer e calar. Por isso, tudo
se desenrolou de acordo com a vontade de Washington.
Em 2014, a Rússia tem o
poder de intervir na Ucrânia e ninguém tem a capacidade e ainda menos a vontade
de a impedir. Por isso, tudo poder-se-á
desenrolar de acordo com a vontade de Moscovo.
CRIMEIA: 15 anos depois e
1680 km a Leste do Kosovo.
Qual é a moral destas
histórias paralelas?
1- As grandes potências exercem o seu poder na medida dos seus interesses,
como e quando lhes convém, com os pretextos e justificações que conseguem
encontrar. E encontram sempre.
2- As grandes potências encontram sempre legitimidade nas suas
intervenções e malignidade nas dos outros.
3- Os EUA e o Ocidente
ainda não perceberam que o que fazem hoje pode condicionar o que se passa
amanhã. Vide as consequências da adulteração e abuso da intervenção na Líbia na
obstrução russa e chinesa a uma solução na Síria (ver “Líbia, Síria, EUA e
Rússia” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012/04/libia-siria-eua-e-russia-osflash-points.html ).
Olhando para além
da espuma mediática e da barulheira diplomática, aquilo a que assistimos na Ucrânia é….normal. Pode não se gostar,
mas é normal. Dois personagens patéticos como Durão Barroso e John Kerry,
clamaram que a atitude russa é inesperada e inadmissível no século XXI e que
seria típica do século XIX. Para além de ignorarem o que se passou no século XX,
parecem ter esquecido que o século XXI
já testemunhou a Guerra do Afeganistão, a Guerra do Iraque, a Guerra
Russo-Georgiana, o ataque à Líbia, a Guerra Civil da Síria e múltiplos
conflitos internos e internacionais no Iémen, na Somália, no Sudão, no Sudão do
Sul, no Paquistão, em Gaza, no Congo, no Mali, etc, etc, etc. E o século XXI ainda está no início.
Interessante é
notar alguns paralelismos onde poderia parecer que eles não existiam e tentar
perceber os interesses, as motivações, os receios, a História, que condicionam
e movem os Estados e, neste caso, as grandes potências. Então poderemos perceber que, não obstante as declarações
grandiloquentes e as diferenças que efectivamente existem, há também muito que une as grandes potências.
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4 comentários:
Brilhante o contexto e a perspetiva histórica. Sou um leitor cada vez mais assíduo.
Um abraço.
Excelente, como de costume.
Bruno,
Só posso agradecer-te novamente. :-)
Já agora, se não for abusivo, divulga o blog junto de quem se possa interessar por estes assuntos.
Abraço
Sr. Freitas Pereira,
Seja bem reaparecido e muito obrigado pela gentileza.
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