GUERRA
FRIA?
O ano de 2014 foi marcado por muita conversa sobre o “regresso” da
Guerra Fria, seja a mesma, ou uma nova (Guerra Fria II). É um rematado
disparate.
A Guerra Fria foi um longo conflito multidimensional e
global.
Multidimensional, porque foi ideológico, geopolítico,
militar (por entrepostos agentes) e até económico, cultural e desportivo (veja-se
os Jogos Olímpicos).
Global, porque foi combatido urbi et orbi: Europa,
Nordeste da Ásia (Península da Coreia), Sudeste Asiático (Indochina), Ásia do
Sul, Médio Oriente, América Central, América do Sul, África do Atlântico ao Índico
e do Mediterrâneo ao Cabo.
O Âmbito do Conflito
na Guerra Fria.
A “conversa” de 2014 é motivada pelo conflito na Ucrânia e pela
resultante hostilidade entre a Rússia e os Estados Unidos e entre aquela e
vários países europeus.
Resumamos então o que se tem realmente passado:
* A Ucrânia, na sequência do derrube do Presidente
anterior, entrou em estado de guerra civil no Leste, entre o novo poder em Kiev
e rebeldes separatistas.
* A Rússia anexou a região da Crimeia com apoio popular
da maioria dos habitantes.
* A Rússia tem apoiado os rebeldes com equipamento
militar, logística e homens.
* O Ocidente tem apoiado Kiev e impôs sanções à Rússia.
* A Rússia incrementou substancialmente a sua presença aérea
e naval nos mares e oceanos – Atlântico Norte, Ártico, Pacífico Norte, Mediterrâneo,
Báltico, Mar Negro.
* Aumentou a tensão entre a Rússia e o Ocidente
(especialmente EUA) e nos países que rodeiam a Rússia (nomeadamente Polónia e
Lituânia).
Resumamos agora o que NÃO se tem realmente passado:
* Não há um conflito e/ou rivalidade à escala mundial.
* Não existem duas superpotências.
* Não há qualquer indício de escalada de tensão ao nível
nuclear.
* Não existe qualquer ameaça de ataque russo ao Ocidente.
* Não existe qualquer intenção ou vontade de intervenção
militar ocidental contra a Rússia ou nos países que com ela confinam.
O Âmbito do Conflito
na Ucrânia.
Ou seja, em vez
de um conflito hegemónico à escala global (que a Rússia não pode e os EUA não
querem disputar), estamos perante um tradicional e localizado conflito pela
definição de esferas de influência e que, racionalmente, só é realmente
relevante para uma das potências envolvidas: a Rússia.
A Guerra Fria acabou há muito tempo, no século passado.
Embora o actual Presidente dos EUA tenha declarado, com a sua proverbial
soberba, que a Guerra Fria acabara em Lisboa (!!!) em 2010, aquando da Cimeira
da NATO, na verdade acabou em 1989 com a queda do Muro de Berlim. Quando muito,
pode colocar-se o óbito em 1991 quando a União Soviética finou.
A Guerra Fria só subsiste nalguma Nomenklatura política
e jornalística de Washington movida pro uma sanha anti-russa e numa
Nomenklatura simétrica em Moscovo que demoniza os EUA e deseja ver a Rússia a
bater-se de igual para igual com os Americanos.
Não há pois qualquer Guerra Fria. Digo mais, a haver uma
reedição da Guerra Fria, será mais provável que os contendores sejam os Estados
Unidos e a República Popular da China do que Washington e Moscovo.