ITÁLIA E FRANÇA v ALEMANHA
Penso que serão mais as pessoas que hoje compreendem que
o Pacto Orçamental foi um erro crasso, uma decisão acatada por muitos países em
situação de desespero, desorientação, conformismo, ou vassalagem.
Na prática foi
mais uma cedência à Alemanha na sua paulatina mas firme construção do IV Reich.
Step by step. A Comissão Europeia
cada vez mais desempenha o papel de Pró-Cônsul gerindo as contas de mercearia
dos confins do Império, de Lisboa a Riga, sob a tutela vigilante de Berlim, que
assim reserva o seu tempo e capital político para as situações mais críticas.
Os bem sucedidos e os otários da Europa.
Com o Reino Unido fora da órbita germânica, da zona euro e do
Pacto Orçamental, restam a Itália e a França como potenciais contra-poderes
relevantes à hegemonia da Alemanha.
As últimas semanas trouxeram-nos arremedos de revolta
originários de Paris e Roma. A França enviou as metas fiscais europeias às
urtigas (mais exactamente para 2017) informando que lhe era indiferente o que
Bruxelas dissesse sobre o assunto. A Itália também anunciou o rompimento das
metas, ao mesmo tempo que o seu Primeiro-Ministro, Matteo Renzi, ridicularizava
a Comissão e o futuro ex-funcionário superior da UE, Durão Barroso.
Nos últimos dias houve sinais de uma postura mais branda
e conciliatória. Uma coisa é certa, se a Itália e a França quiserem efectivamente mudar o rumo negativo da
zona euro e, especialmente, dos seus membros do sul, será preciso muito mais do
que a proverbial e inconsequente bravata, que não arrancará mais do que um
sorriso condescendente (ou de escárnio) de Angela Merkel.
A Alemanha é a grande beneficiária do euro e da UE nos
moldes actuais. A Itália está em declínio económico e a França, estagnada, para
lá caminha. A arquitectura europeia não beneficia Franceses nem Italianos e a
situação não melhorará com mudanças cosméticas ou cedências simbólicas ou
temporárias da Alemanha.
O euro, a
tortura, os torturados e os torcionários.
Roma e Paris precisam de um game-changer e para o conseguirem
terão de ser duros, firmes e inflexíveis, por exemplo, retirando-se do Pacto
Orçamental e recusando formalmente as suas metas e as metodologias para as
atingir. Quando Berlim
perceber que não resolverá o problema com uma cimeira e uns paliativos, que a
sua coutada de exportações se encontra em estado de rebelião efectiva, que
Gauleses e Romanos já não aceitam os ditames do Pró-Cônsul Germânico, só então
a Alemanha cederá.
Infelizmente, não acredito que algo remotamente parecido
aconteça. François Hollande é um fraco, indeciso e inconsequente, qual cana
abanada pelo vento, prestes a partir-se. Renzi é inexperiente e a sua coragem e
resistência à pressão ainda estão por provar. Mais a mais, a Itália precisa do
apoio incondicional da França para enfrentar o Império e a Kaiserin.
Como tal, o mais provável é que a Itália e a França
continuem com as queixas e reclamações pontuais, beneficiem de umas cedências
periféricas, enquanto o essencial permanece. Plus ça change…
Depois fiquem admirados se Marine Le Pen (possível) ou
Beppe Grillo (improvável) ganharem as próximas eleições em França e Itália.
4 comentários:
Há uma coisa que está a mudar - de forma surda, quase que não recebemos informações a esse respeito, mas está a mudar: os alemães estão a viver muito pior (em média) do que há uns anos. O fosso entre pobres e ricos, também lá, está a ser mais marcado. Estatísticas fresquinhas apontam para cerca de 1/3 das crianças alemãs em estado considerado de "carência" - não será ainda fome, mas para lá caminha. O nº de alemães que para manter o "nível de vida" (não a qualidade de vida) têm 2 empregos (um oficial e outro oficioso) aumentou vertiginosamente porque os salários reais têm descido, descido, descido. Nada que se compare com a nossa Lusa miséria, mas a questão é o ponto de onde se parte, e o que se considera "mínimo" (vá lá, Ortega y Gasset, tinhas razão pá!!!).
Esta Alemanha não vai pois durar muito. O problema é que pode acabar como acabou a República de Weimar. Mas que vai acabar, isso vai, inevitavelmente.
A Europa tem no seu centro um coração de trevas. O tal modelo virtuoso , o estatuto de locomotiva da Europa, é mais que nunca um mundo de exploração da miséria, da qual as leis Hartz , inventadas por um antigo quadro da Volkswagen e adoptadas por um socialista, Schröder , são uma das faces visíveis.
Esta lei permite ao governo de controlar a conta no banco de toda pessoa inscrita na caixa do desemprego. Qualquer soma creditada é automaticamente deduzida do subsídio de desemprego. Os bens da família são controlados : seguros de vida, jóias e objectos de valor, mesmo as poupanças das cadernetas das crianças. Pensava-se que eram só os bolchevistas que comiam as crianças cruas, mas não!
A agência para o emprego obriga a vender o automóvel se o seu valor ultrapassa 5 000 euros, devendo assim comprar um mais barato.
Para o alojamento, se a casa é demasiado grande, e se é alugada, deve mudar de residência. Considera-se que um solteiro não deve ter mais que 25 m2 . E se tem filhos, recebe 2,62 euros por dia, por filho, de 0 a 14 anos, para a alimentação. Para o resto da família, são 382 euros por mês! Nos Länder da ex- Alemanha de Leste são 331 euros/mês.
O que não impede de dever continuar a procurar um trabalho, mesmo a 1 euro/hora.
Isto explica a razão da imagem negativa da França em Berlim, onde se considera que a politica social francesa , com um subsídio de desemprego de 650 euros e um salário mínimo de 1 185 euros , e uma protecção doença completa, é demasiado avantajosa .
Pouco a pouco, à medida que a Alemanha sofre o impacto da austeridade que ela provoca nos outros países da UE, que são os seus clientes, vê-se bem que a austeridade e o próprio liberalismo económico são um fracasso .
E com as dificuldades crescentes, a reacção de muitos Alemães é clássica : um relento de racismo e mesmo de nazismo , vem dar crédito ao que o Senhor Sérgio Lira escreve: o espectro da República de Weimar aponta no horizonte. Quem disse que os homens não aprendem da história as trágicas lições?
Com os meus cumprimentos,
Freitas Pereira
Pois é Sérgio, é o drama de se manter competitivo, seja lá o que isso seja no século XXI. Já agora, também o drama de se esmifrar os pobrezinhos dos vizinhos, até eles ficarem tão pobres que começam a comprar menos Siemens, BMW, Volkswagen e outras maquinarias.
What goes around....
Se. Joaquim de Freitas:
O que o senhor relata é pidesco, nojento e intolerável. Confesso que desconhecia esses pormenores.
Cada vez mais acho que a Europa e os seus componentes estão presos por arames.....
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