03 novembro, 2014

Itália e França v Alemanha

ITÁLIA E FRANÇA v ALEMANHA

Penso que serão mais as pessoas que hoje compreendem que o Pacto Orçamental foi um erro crasso, uma decisão acatada por muitos países em situação de desespero, desorientação, conformismo, ou vassalagem.

Na prática foi mais uma cedência à Alemanha na sua paulatina mas firme construção do IV Reich. Step by step. A Comissão Europeia cada vez mais desempenha o papel de Pró-Cônsul gerindo as contas de mercearia dos confins do Império, de Lisboa a Riga, sob a tutela vigilante de Berlim, que assim reserva o seu tempo e capital político para as situações mais críticas.


Os bem sucedidos e os otários da Europa.
in “The Economist” em www.economist.com

Com o Reino Unido fora da órbita germânica, da zona euro e do Pacto Orçamental, restam a Itália e a França como potenciais contra-poderes relevantes à hegemonia da Alemanha.

As últimas semanas trouxeram-nos arremedos de revolta originários de Paris e Roma. A França enviou as metas fiscais europeias às urtigas (mais exactamente para 2017) informando que lhe era indiferente o que Bruxelas dissesse sobre o assunto. A Itália também anunciou o rompimento das metas, ao mesmo tempo que o seu Primeiro-Ministro, Matteo Renzi, ridicularizava a Comissão e o futuro ex-funcionário superior da UE, Durão Barroso.

Nos últimos dias houve sinais de uma postura mais branda e conciliatória. Uma coisa é certa, se a Itália e a França quiserem efectivamente mudar o rumo negativo da zona euro e, especialmente, dos seus membros do sul, será preciso muito mais do que a proverbial e inconsequente bravata, que não arrancará mais do que um sorriso condescendente (ou de escárnio) de Angela Merkel.

A Alemanha é a grande beneficiária do euro e da UE nos moldes actuais. A Itália está em declínio económico e a França, estagnada, para lá caminha. A arquitectura europeia não beneficia Franceses nem Italianos e a situação não melhorará com mudanças cosméticas ou cedências simbólicas ou temporárias da Alemanha.


O euro, a tortura, os torturados e os torcionários.
in “The Economist” em www.economist.com

Roma e Paris precisam de um game-changer e para o conseguirem terão de ser duros, firmes e inflexíveis, por exemplo, retirando-se do Pacto Orçamental e recusando formalmente as suas metas e as metodologias para as atingir. Quando Berlim perceber que não resolverá o problema com uma cimeira e uns paliativos, que a sua coutada de exportações se encontra em estado de rebelião efectiva, que Gauleses e Romanos já não aceitam os ditames do Pró-Cônsul Germânico, só então a Alemanha cederá.

Infelizmente, não acredito que algo remotamente parecido aconteça. François Hollande é um fraco, indeciso e inconsequente, qual cana abanada pelo vento, prestes a partir-se. Renzi é inexperiente e a sua coragem e resistência à pressão ainda estão por provar. Mais a mais, a Itália precisa do apoio incondicional da França para enfrentar o Império e a Kaiserin.

Como tal, o mais provável é que a Itália e a França continuem com as queixas e reclamações pontuais, beneficiem de umas cedências periféricas, enquanto o essencial permanece. Plus ça change…

Depois fiquem admirados se Marine Le Pen (possível) ou Beppe Grillo (improvável) ganharem as próximas eleições em França e Itália.


4 comentários:

Sérgio Lira disse...

Há uma coisa que está a mudar - de forma surda, quase que não recebemos informações a esse respeito, mas está a mudar: os alemães estão a viver muito pior (em média) do que há uns anos. O fosso entre pobres e ricos, também lá, está a ser mais marcado. Estatísticas fresquinhas apontam para cerca de 1/3 das crianças alemãs em estado considerado de "carência" - não será ainda fome, mas para lá caminha. O nº de alemães que para manter o "nível de vida" (não a qualidade de vida) têm 2 empregos (um oficial e outro oficioso) aumentou vertiginosamente porque os salários reais têm descido, descido, descido. Nada que se compare com a nossa Lusa miséria, mas a questão é o ponto de onde se parte, e o que se considera "mínimo" (vá lá, Ortega y Gasset, tinhas razão pá!!!).

Esta Alemanha não vai pois durar muito. O problema é que pode acabar como acabou a República de Weimar. Mas que vai acabar, isso vai, inevitavelmente.

Joaquim de Freitas disse...

A Europa tem no seu centro um coração de trevas. O tal modelo virtuoso , o estatuto de locomotiva da Europa, é mais que nunca um mundo de exploração da miséria, da qual as leis Hartz , inventadas por um antigo quadro da Volkswagen e adoptadas por um socialista, Schröder , são uma das faces visíveis.
Esta lei permite ao governo de controlar a conta no banco de toda pessoa inscrita na caixa do desemprego. Qualquer soma creditada é automaticamente deduzida do subsídio de desemprego. Os bens da família são controlados : seguros de vida, jóias e objectos de valor, mesmo as poupanças das cadernetas das crianças. Pensava-se que eram só os bolchevistas que comiam as crianças cruas, mas não!
A agência para o emprego obriga a vender o automóvel se o seu valor ultrapassa 5 000 euros, devendo assim comprar um mais barato.
Para o alojamento, se a casa é demasiado grande, e se é alugada, deve mudar de residência. Considera-se que um solteiro não deve ter mais que 25 m2 . E se tem filhos, recebe 2,62 euros por dia, por filho, de 0 a 14 anos, para a alimentação. Para o resto da família, são 382 euros por mês! Nos Länder da ex- Alemanha de Leste são 331 euros/mês.
O que não impede de dever continuar a procurar um trabalho, mesmo a 1 euro/hora.
Isto explica a razão da imagem negativa da França em Berlim, onde se considera que a politica social francesa , com um subsídio de desemprego de 650 euros e um salário mínimo de 1 185 euros , e uma protecção doença completa, é demasiado avantajosa .
Pouco a pouco, à medida que a Alemanha sofre o impacto da austeridade que ela provoca nos outros países da UE, que são os seus clientes, vê-se bem que a austeridade e o próprio liberalismo económico são um fracasso .
E com as dificuldades crescentes, a reacção de muitos Alemães é clássica : um relento de racismo e mesmo de nazismo , vem dar crédito ao que o Senhor Sérgio Lira escreve: o espectro da República de Weimar aponta no horizonte. Quem disse que os homens não aprendem da história as trágicas lições?

Com os meus cumprimentos,

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é Sérgio, é o drama de se manter competitivo, seja lá o que isso seja no século XXI. Já agora, também o drama de se esmifrar os pobrezinhos dos vizinhos, até eles ficarem tão pobres que começam a comprar menos Siemens, BMW, Volkswagen e outras maquinarias.
What goes around....

Rui Miguel Ribeiro disse...

Se. Joaquim de Freitas:
O que o senhor relata é pidesco, nojento e intolerável. Confesso que desconhecia esses pormenores.
Cada vez mais acho que a Europa e os seus componentes estão presos por arames.....