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16 junho, 2018

O Urso e os que Fazem Figura de Urso


O URSO E OS QUE FAZEM FIGURA DE URSO


Os Estados Unidos e maioria dos países europeus vivem há uma década (com mais intensidade nos últimos 4 anos) a obsessão, o medo e a fobia do Urso, da Rússia.


O Urso Russo e a figura de urso.
in “RiseUp Times” at https://riseuptimes.org/

Este conjunto de países, liderados pelos EUA, Reino Unido, Alemanha e França e que encontram na Polónia e Lituânia os seus seguidores mais militantes e radicais, temem a interferência de Moscovo em eleições, a sua proximidade com partidos nacionalistas, tremem perante o poderio militar russo (convencional, nuclear e químico) e a sua disponibilidade para o usar, repudiam o seu conservadorismo sócio-cultural e o seu nacionalismo e repugna-lhes que a Rússia defenda e promova o seu interesse nacional em casa e no mundo. Resumindo, os mais contidos desconfiam da Rússia e tentam contê-la, os mais radicais dedicam-lhe um ódio ilimitado de que resulta a permanente culpabilização e diabolização da Rússia. A culpa é, sempre, do Urso.

Esta postura é exagerada, largamente injustificada e contra-producente. Desde logo, como qualquer urso que se preze, o Urso russo reage com agressividade quando atiçado, acossado, ameaçado. As sanções, as acusações, as ameaças, o opróbrio, terão respostas minimamente equivalentes, mesmo que diferentes e a Rússia não irá mudar só porque Washington, Londres ou Berlim assim o querem. Pelo contrário, a Rússia entrincheirar-se-á mais e procurará mais afincadamente apoios e alianças alternativos, como já tem feito na Ásia, no Médio Oriente, em África, na Europa. A realidade é que não se consegue isolar a Rússia como o Irão ou a Coreia do Norte.

A Rússia está ali, encostada ao Centro-Leste europeu e não vai sair, nem desaparecer. O Urso e os seus gigantescos 17.000.000km2 vão permanecer e, mesmo que acossado ou até gravemente ferido, vai manter a capacidade de ferir e de matar. Tal realidade aconselha uma de-escalada das tensões como pedem/sugerem países com a Hungria, a Sérvia, a Bulgária e a Itália.

Convenhamos:

* Viver em hostilidade face à Rússia por causa da Crimeia que é russa desde o século XVIII e que foi oferecida à Ucrânia por capricho de um ditador e num contexto soviético (russo), não é razoável.
* Correr o risco de envolvimento num conflito porque a Rússia reagiu a um coup d’état na Ucrânia e sentiu-se ameaçada na sua área de influência, é um disparate.
* Deslocar tropas e equipamento militar pesado para o Báltico só porque a Polónia e a Lituânia são russófobas e fazem chantagem emocional, não faz sentido.

O mais grave desta política é que a Rússia NÃO É a principal ameaça geopolítica e estratégica para o Ocidente no médio e longo prazo. Apesar de ser uma grande potência, a Rússia tem limitações económicas, tecnológicas e demográficas que, mais do que a sua capacidade, coartam a sua vontade e interesse em prosseguir uma postura de ameaça ou agressão ao Ocidente. Este Urso, tal como os outros, reage, é agressivo e ataca alvos poderosos se estiver ou se sentir em perigo ou ameaçado. E esse é o estado do Urso russo quando vê a NATO e a EU  a caminharem, literalmente, na direcção de Moscovo, quando constata que a sua diminuída esfera de influência está sob ataque e a diminuir, quando percebe que o Ocidente tem em marcha uma política anti-russa de acossar, coagir e neutralizar o Urso.

Enquanto a Rússia não é essa principal ameaça, aquela que realmente o é goza de bom relacionamento e usufrui, não só da amizade e a cumplicidade do Ocidente, mas também é tratada com um temor servil. Falamos da República Popular da China, a aspirante a superpotência e real ameaça aos interesses ocidentais a médio prazo.

A política seguida até aqui ataca o adversário errado pelas razões erradas, dá lastro e tempo ao verdadeiro inimigo e ainda contribui para a crescente aproximação entre o Urso e o Dragão. Errar 3 vezes desta maneira é, não sendo Urso, fazer figura de urso.

29 janeiro, 2018

Topete Americano



TOPETE AMERICANO

Não vale a pena carpir sobre as maldades de Putin, ou repudiar a existência de interesses específicos sobre países terceiros, ou vilificar o conceito de esferas de influência. Tudo isto existe e não é, obviamente, exclusivo da Rússia. Basta pensar como reagiriam os Estados Unidos se uma grande potência adquirisse um poder tutelar, ou até simplesmente uma forte influência sobre o México.

Isto foi escrito a 1 de Setembro de 2014 num post intitulado “Vista de Moscovo” e cuja leitura ainda recomendo (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/09/vista-de-moscovo.html ).

Ironicamente, volvidos mais de 3 anos, o General McMaster, Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, veio a público acusar a Rússia de interferir nos assuntos internos do…. México. Mais exactamente, nas suas eleições. Hoje em dia, haja eleições onde houver, as principais potências ocidentais acusam os Russos de interferência, ao ponto de ainda me interrogar se o resultado surpresa nas autárquicas de Vila do Conde não terá sido manipulado pelo longo braço de Moscovo.

Mais a sério, o que é verdadeiramente espantoso é o descaramento, o topete dos Estados Unidos, o país com o maior histórico de intervenções, interferências e ingerências externas nos últimos 70 anos. A lista é imensa, abrange todos os continentes e assume múltiplas formas: guerra, bloqueios, ameaças militares, sanções, infiltrações, secret ops de forças especiais e da CIA, ataques com drones, assassinatos e raptos. Tudo feito em nome da bondade e da superioridade moral de que se arrogam. E tudo a bem das vítimas, perdão, dos alvos do salvamento. Sim, porque os EUA é que sabem o que é bom para todos.
Para se ter uma noção mais exacta do que refiro, entre 1947 e 1989, no período da Guerra Fria, os EUA tentaram executar regime changes 72 vezes! Destas, 66 foram encapotadas e 6 foram assumidas. Curiosamente, 40 das 66 secretas falharam. Aliás, só no patrocínio de coups d’état é que o saldo é favorável a Washington: 9 em 14.

A grande maçada acontece quando o feitiço se vira contra o feiticeiro. Aí, já não há interferências salvíficas, nem bondade, apenas uns malvados que protegem outros malvados, todos eles vis e opressores.

A verdade é que, nos últimos 20 anos, os EUA intervieram militarmente na Sérvia (1999), no Iraque (2003), na Líbia (2011), na Síria (2014), sem estarem legitimados nos termos da dita “rules based international order” que tanto gostam de apregoar. Curiosamente, a Rússia interveio na Síria em 2015 devidamente legitimada por Damasco, goste-se ou não se goste de Al Assad..

Muito menos conhecida e publicitada é a prática norte-americana de se arrogar o direito de interferir em detalhe nos assuntos internos de terceiros, como impor sanções a pessoas e instituições devido, para citar um exemplo grotesco, ao assassinato de um Russo por outro Russo, cometido na Rússia, para citar um exemplo grotesco. Tudo em nome dos direitos humanos, é claro. E o facto de estas atitudes só serem tomadas em relação a uns (principalmente a Rússia) e não a outros, como a China ou a Arábia Saudita, é meramente fruto do acaso. Também é sabido que nos próprios EUA não há violações dos ditos direitos humanos e que os homicídios são uma raridade.

É mesmo caso para dizer que topete não lhes falta!