MORTE DA VACA SAGRADA?
AS FRONTEIRAS NO
PASSADO
Desde
o fim da II Guerra Mundial as fronteiras foram elevadas à categoria de vaca
sagrada: imutáveis e inamovíveis, as fronteiras eram e são defendidas contra as
evidências, a racionalidade e a vontade dos povos. Não podem ser postas em
causa nem em benefício da paz.
Há
excepções, mas em casos muito contados. Houve 4 situações em que existiam pares
de países que partilhavam o nome, a História, a língua, a religião e a cultura (num
deles tal não é completamente assim) que foram separados por imperativos
geopolíticos, em dois casos derivados directamente da II Guerra Mundial e nos
outros de problemas relacionados com a descolonização. Referimo-nos à Alemanha Ocidental e à Alemanha Oriental, à Coreia do
Norte e à Coreia do Sul, ao Vietname do Norte e ao Vietname do Sul e ao Iémen e
ao Iémen do Sul.
O nome partilhado
parece ter conquistado um consenso tal que se assumia que, quais gémeos
separados à nascença, estes países mais cedo ou mais tarde se reunificariam.
Tal já aconteceu, com as Alemanhas, com os Vietnames e com os Iémenes (se bem
que este, a tal excepção, pode muito bem vir a desintegrar-se novamente). Já as
Coreias ainda têm um longo caminho a percorrer divididas.
Além destes casos pacíficos, existiram mais 4, dos quais 3
também decorrem directamente do final da Guerra Fria. Estes, ao contrário dos
anteriores, configuraram desintegrações em vez de uniões: União Soviética,
Checoslováquia e Jugoslávia, que deram à
luz 15, 2 e 6 novos Estados, respectivamente.
Finalmente, temos o
caso do Sudão que após 40 anos de guerra civil (I Guerra Civil 1957-1972; II
Guerra Civil 1983-2005), aceitou relutantemente a secessão do Sudão do Sul que,
suprema ironia, se encontra já envolvido num arremedo de guerra civil desde o
ano passado.
A maioria das
fonteiras fora da América e da Europa Ocidental datam do final da I Guerra
Mundial ou da II Guerra Mundial. E a grande maioria das que foram modificadas foram-no
na sequência do final da Guerra Fria e do rebentar dos espartilhos
geopolíticos, militares e ideológicos por ela impostos.
Nessa altura, a
Alemanha, na impossibilidade de recuperar o statu quo pré-Versailles, recuperou
a unidade possível. A Jugoslávia, abstrusa criação da Paz de Paris de 1919,
implodiu numa vaga de ódio e violência. A Checoslováquia partiu-se num misto de
de oportunismo e inércia e a URSS pagou com severidade os custos da derrota na
Guerra Fria.
As fronteiras foram,
portanto, desenhadas na ressaca dos abalos telúricos das duas Guerras Mundiais
e alterados apenas na sequência de outro life-changing
event, o fim da Guerra Fria, de certo modo, a III Guerra Mundial.
Pode-se então presumir
que, na ausência de novos terramotos geopolíticos, ou de uma IV Guerra Mundial,
as fronteiras regressarão ao seu estatuto de imutabilidade.
Será que devia ser
assim?
2 comentários:
Se considerarmos o facto que a etnicidade existe, que ela constitui um facto social que convém apreender e reconhecer, nas suas dimensões objectivas e subjectivas, na existência de antepassados comuns, que nos distingue de outros , na historia e na memoria histórica, na cultura material, eu diria que as fronteiras étnicas seriam preferíveis às fronteiras políticas.
As fronteiras politicas evocam sempre imagens de fogo e de sangue. A criação de relações de alianças e interesses comuns, levou aos conflitos entre etnias e às guerras.
Mas este problema das fronteiras, Caro Professor, é hoje subvertido pelo fenómeno da migração, que resultou na criação de fronteiras externas que nos escapam e que criou um novo contexto de relações sociais, que a migração seja o resultado da colonização ou escolhida.
As fronteiras políticas foram sempre e continuam a ser o resultado de potências ( outros poderes mais altos se alevantam...) dominantes provisórias, que as impõem. Elas são remodeladas quando as mesmas potências desaparecem ou perdem poder. Pagamos talvez hoje esta politica do passado, quando vemos a maneira como foram traçadas as fronteiras do Médio Oriente, por vezes num quarto de hotel, pelos generais de Sua Majestade Britânica!
Vasto sujeito, in any case ....
Freitas Pereira
Perfeitamente de acordo Sr. Freitas Pereira.
Aliás não proponho as fronteiras "políticas". Nem por não ser viável, nem por não ter necessariamente vantagem. Algumas porém, seria em tese bastante vantajoso.
O problema da e(i)migração proponho-me analisar proximamente.
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