20 agosto, 2014

Ainda o Estado Islâmico


AINDA O ESTADO ISLÂMICO


O Estado Islâmico com uma configuração muito próxima da que apresentámos sob o título Estado Islâmico do  Iraque Ocidental e Síria Oriental no dia 13 de Junho.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com

Confesso que foi com alguma surpresa que há dois meses li análises e avaliações  sobre a ofensiva generalizada do então ISIS, agora Estado Islâmico, no Iraque que previam um rápido, assertivo e bem sucedido contra-ataque de Bagdad. Essas análises iam mais longe e frisavam a cautela do ISIS em evitar confrontos com os Peshmerga (forças para-militares curdas), supostamente fora do alcance da capacidade bélica dos Islamitas radicais.


Com menos surpresa li (e continuo a ler) que o Estado Islâmico constitui uma ameaça iminente, grave e directa à Europa e à América do Norte.


Aqueles representam os que esperavam que o problema desaparecesse, como que varrido pelos ventos e areias do deserto mesopotâmico. Estes representam os que há 3 anos se esfalfam por uma intervenção militar em força dos Estados Unidos no Médio Oriente.


Tal como foi previsto em Tempos Interessantes, o Estado Islâmico mostrou-se mais resiliente e competente e o Iraque menos capaz e assertivo do que essas análises julgavam.


O Estado Islâmico não só conseguiu manter o território sob o seu controlo, como o foi paulatinamente expandindo, para Nordeste e Oeste na Síria e para Norte no Iraque. Neste último, conseguiu abalar a temível reputação dos Peshmerga, conquistando cidades sob o seu controlo e ameaçando a infra-estrutura energética regional. A posição complicada em que ficaram os Peshmerga só foi aliviada pelos bombardeamentos aéreos norte-americanos.


Como já aconteceu diversas vezes no passado, o radicalismo e a brutalidade do Estado Islâmico e dos seus antecessores, se é uma parte da sua driving force, também é  a fonte de muitos dos seus problemas e vulnerabilidades, alienando grupos e populações que, com mais tacto e moderação, podiam ser uma base de apoio.


No caso presente, além disso, também atrairam a atenção e os bombardeamentos da aviação dos EUA. Desse modo, os seus últimos avanços, que chegaram a pôr em risco Irbil, a capital do Curdistão iraquiano, tornaram-se em perdas e recuos.

As conquistas do Estado Islâmico no início de Agosto.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com

Mesmo assim, mantendo-se a intervenção americana num plano modesto, é previsível que o Estado Islâmico mantenha a maioria das suas conquistas, pelo menos até ao Outono.


Curiosamente, um dos principais factores indirectos do sucesso do ISIS/Estado Islâmico, o Primeiro-Ministro do Iraque Nouri Al-Maliki, saiu de cena no passado dia 14 de Agosto, cenário previsto em Tempos Interessantes precisamente há dois meses (“Maliki Out” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/06/maliki-out.html ).


É previsível que, removido o sectário Al-Maliki, alguns dos apoios de que goza o Estado Islâmico dele se afastem para participarem na nova partilha de poder(es) em Bagdad.


Quanto mais prolongados foram esse jogos de poder e quanto maior for a acrimónia envolvida, mais tempo terá o Estado Islâmico para consolidar os seus ganhos. Naturalmente, quantos mais inimigos for acumulando, maiores serão as dificuldades que enfrentará a curto e médio prazo.


Seja como for, no contexto actual o Estado Islâmico ainda tem trunfos para jogar e não há dúvidas que vai a jogo. O mais recente desaire do Exército Iraquiano frente ao Estado Islâmico na vã tentativa de retomar a cidade de Tikrit é disso um bom exemplo.


P.S. Barack Obama continua a fazer de conta que manda no século XXI. Depois de ter excluído a Guerra Fria, o Balance of Power, Bashar Al Assad e a Rússia, agora declarou que também o Estado Islâmico não tem lugar no século XXI. Para azar dele, e como se pode ver no mapa supra-publicado, não só tem lugar, como ele é bastante avantajado. Definitivamente, decretar mandamentos é com ele, aceitar a realidade internacional é que é mais difícil.

4 comentários:

Maria Estella disse...

Há pessoas que proferem declarações que julgam ser verdade inabalável. Maus hábitos, prepotência e arrogância. Muitos nunca passaram de "treinadores de bancada".
Os líderes estadunienses habituarm-se demasiado tempo a esse tipo de sofismas. Algumas mudanças devem ser intragáveis, especialmente no que respeita a disputa de hegemonia, onde outros actores se perfilam. Sinal dos tempos ...

Defreitas disse...

Os EUA querem salvar o Iraque pela terceira vez, como dizem! Ou proteger a ordem pública, como diz Obama. Na realidade, os EUA começam guerras que não querem terminar, e veremos que nas próximas eleições americanas os futuros candidatos deverão prometer de continuar com outras guerras, com a condição que sejam contra os Árabes ou os Africanos. Para combater o "terrorismo" – a fórmula preparada para cobrir esta missão eterna - há sempre dinheiro que chegue e soldados. Para dar uma cobertura médica aos quarenta e tal milhões de americanos que não a têm, é outra história.

O seu documento, Caro Professor, é muito interessante. A omissão mais clara quando se fala de ISIS é a dimensão síria. ISIS não saiu do nada: foi criado, alimentado e fortificado pela política americana nos dois países vizinhos, a Síria e o Iraque.
No Iraque, a ocupação americana suscitou a formação de novos grupos de combatentes djihadistas, lá onde não existiam antes (exactamente como a intervenção da NATO na Líbia).
Na Síria, os EUA fizeram ainda pior: permitiram aos seus aliados, o Qatar, a Arábia Saudita e a Turquia de armar e financiar todas as milícias que combatiam Bashar al-Assad, mesmo se estas milícias tinham ideologias que Al-Qaeda mesmo considerava demasiado extremistas.

Os EUA nunca tinham pensado que o assunto levaria muito tempo a tratar: estavam convencidos que Bashar cairia nalgumas semanas, e que estes grupos se dissolveriam puramente e simplesmente eles mesmos. Esta é a verdadeira historia de ISIS.

O que é certo é que os Americanos continuam a "trabalhar" uma região que procuram remodelar desde o 11 Setembro. Os EUA não compreendem como é possível que não tenham ainda conseguido controlar todas peças da região. E continuam a crer que mais uma "pequena guerra" ou uma série de bombardeamentos vão fazer cair todas as peças no bom lugar e que a ordem americano-saudita poderá enfim reinar. O sonho quimérico dos EUA vai encontrar cada vez mais obstáculos, sobretudo por causa dos seus aliados, os membros da coligação, que se combaterão entre si.

E sabe, Caro Professor, o que me revolta é a hipocrisia de Obama. Quando ele insiste que não deixará instalar-se na Síria ou no Iraque um Califado, muito bem! Mas então, o quase califado saudita que tem mais de um século não o incomoda, nem os seus aliados ocidentais – que aliás ajudaram à sua instalação –?

A base ideológica da Arábia Saudita e o movimento ISIS é exactamente a mesma. A melhor prova disto, é a declaração oficial do ISIS sobre a "destruição dos cemitérios e das sepulturas" que não foi comentada nem publicada pelos média do poder saudita! E porquê? Porque seria inconfortável de difundir as declarações do ISIS conformes aos ensinamentos religiosos de Mohammed ibn' Abdul Wahab, fundador do wahhabismo que é a doutrina político-religiosa dominante da Arábia Saudita e do Qatar.

Finalmente, o Império americano continuará a estender as suas garras, da Ucrânia , através da sucursal NATO, à Líbia e ao Iraque. Os aviões americanos vão continuar a assegurar a ocupação sob outras formas e os aeroportos donde os drones descolarão vão multiplicar-se em todo o Médio Oriente. A Pax Americana instala-se inexoravelmente. E na economia o cenário é o mesmo, com a arma dólar que abafa as economias ocidentais.

O controlo exercido sobre a vida politica e económica dos EUA por um grupo de conspiradores da CIA, do Pentágono e de think tanks, agindo conjuntamente com a oligarquia financeira estado-unidense , constitui um risco mortal para toda a humanidade.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Estella,
É bem verdade, mas frequentemente esses "treinadores de bancada" é que têm o palco e a oportunidade de influenciar a opinião pública.
Quanto aos maus hábitos, alguns acabam por se pagar caro. E já vai acontecendo...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira,

Eu não seria tão radical, mas estou plenamente de acordo queanto ao desastre da política de Obama no Médio Oriente (e não só).
Obama não compreende a realidade política internacional. Para ele, o discurso do Cairo seria suficiente para apaziguar os muçulmanos com os EUA. Não foi. Para ele, uns cartões de Feliz Ano Novo para o Ayatollah Khamenei seria suficiente para acabar o programa nuclear do Irão. Não foi. Para el, dizer "Assad must go" era suficiente para Assad ir embora. Não foi. Retira tropas que devia manter, envia tropas que não devia enviar. Um desastre.