24 agosto, 2014

Morte da Vaca Sagrada? - Fronteiras no Futuro


MORTE DA VACA SAGRADA?

AS FRONTEIRAS NO FUTURO

O mapa étnico da Bósnia-Herzegovina antes e após a Guerra de 1992/95.
in STRATFOR em http://www.stratfor.com /


Até que ponto se justifica a sacralização das fronteiras? Não estou, obviamente, a questionar as soberanias nem a autoridade dos Estados sobre os seus territórios. Aquilo que trago à colação é a viabilidade política, geográfica e social de certos países, a que poderia juntar problemas de coexistência étnica e religiosa.


Será que há povos e países que ficariam melhor com novas fronteiras?


Porque será que há países que implodem, ou se fragmentam, ou vivem em conflito permanente?


A Síria e o Iraque são o Leitmotiv destas questões, embora estejam longe de ser casos únicos: levantam-se dúvidas à viabilidade e coerência interna de países tão díspares como o Congo, a Somália, a Tailândia, a Birmânia, o Afeganistão,  a Ucrânia, Iémen, a Síria, o Iraque, a Bósnia-Herzegovina, ou o híbrido Kosovo.


O mapa do Médio Oriente parece um anacronismo face à realidade no terreno. A Síria não existe como tal e o Iraque está estilhaçado e não apenas pelo Estado Islâmico; o Governo Regional do Curdistão tem feito o possível por cortar as amarras que ainda o prendem a Bagdad, com o curioso e irónico apoio da Turquia que empurra os Curdos do Iraque nesse sentido ao mesmo tempo que rejeita idênticas aspirações aos Curdos domésticos e aos da Síria.


As fronteiras desenhadas no século XIX e após a I Guerra Mundial obedeceram aos interesses, poderes e equilíbrios das potências dominantes nesses tempos. Não interessa muito se foi bom ou mau (haverá exemplos melhores e outros piores), era a prática da época. O que importa perceber é se é vantajoso defender à outrance o dogma da imutabilidade das fronteiras, ou se é preferível fazer ajustamentos que permitam trazer paz e estabilidade a povos que vivem num estado de insatisfação e insegurança, mais latentes nuns períodos, mais patentes noutros.

O mapa étnico do Kosovo.
in STRATFOR em http://www.stratfor.com /

A aberração do Kosovo criada pelos EUA, Alemanha, Reino Unido e França na viragem do século (um exemplo contemporâneo de grandes potências a desenharam novas fronteiras contra a sua suposta imutabilidade) continua ser uma chaga política, jurídica e securitária numa região, Balcãs, que já tem problemas suficientes.


Dado que a reposição do statu quo ante não é viável, podia reintegrar-se o norte da província (metade da cidade de Mitrovica incluída) na Sérvia com a possibilidade de deslocar os Sérvios que vivem  noutras zonas para esta área.


Poderá haver quem venha gritar “limpeza étnica”, mas tal é irrelevante. O movimento de pessoas que acontecesse seria voluntário, apoiado, enquadrado e com garantias para os que optassem por ficar. Os objectivos não são a expansão territorial per se mas sim desatar um nó cego geopolítico criado há 15 anos e prevenir novos episódios de perseguição e matança no futuro.


O mesmo princípio se poderia aplicar à Bósnia-Herzegovina (BiH), país artificial, mera marca de impérios para onde afluiram diferentes povos de acordo com os fluxos e refluxos dos impérios que dominaram a região. Se é essa a sua vontade não seria melhor deixar a zona croata reintegrar-se na Croácia e a chamada República Srspka reintegrar-se na Sérvia? Parece-me evidente que sim.


E os Bósnios muçulmanos? Ficariam numa BiH reduzida.


Essa Nova Bósnia-Herzegovina não será inviável? Sim, tal como a actual, que só subsiste com o apoio económico, político e militar das potências europeias. A vantagem é que, ao contrário da actual, poderia ser estável, governável e coesa.


Para se chegar a estas soluções, e outros povos e países também precisariam, será necessário matar a vaca sagrada das fronteiras imutáveis. Afinal de contas, a vaca até já foi toureada e bandarilhada na Sérvia e no Kosovo…

3 comentários:

Defreitas disse...

Perfeitamente observado, e o que seria interessante, seria que

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira,

Houve obviamente um problema com o seu comentário que saiu truncado. Agradeço que o complete.
Um abraço.

Defreitas disse...

Peço desculpa, Caro Professor, do incidente , e aqui repito o que tinha escrito no meu comentário.

Andei pela ex-Jugoslávia duas vezes nestes últimos anos e nas conversas com os guias notei por vezes uma certa nostalgia do passado, isto é, dos tempos do Tito. Claro que dependia onde me encontrava. A opinião do guia em Dubrovnick não era a mesma em Zagreb.

Mesmo se o balanço que estas pessoas faziam era por vezes sombrio, constatei, mesmo assim , que , para todos, Tito incarnava a vontade de viver em conjunto dos Jugoslavos.

A morte de Tito deixou o campo livre às pressões dos países ocidentais no sentido das tentações separatistas; e sabe-se bem hoje até que ponto os EUA e as suas múltiplas oficinas se tornaram mestres na arte do despedaçamento dos países, através de financiamentos e armamentos de separatismos por vezes mesmo a contra corrente de todo e qualquer enraizamento popular.

A Jugoslávia morreu. Ou antes foi assassinada ? De qualquer maneira, ela acabou da forma mais trágica, num banho de sangue, o mais importante sobre o solo europeu desde a segunda guerra mundial.

A calamitosa Europa actual terá um termo quando os povos que a compõem poderão decidir livremente do seu destino .