MORTE DA
VACA SAGRADA?
AS
FRONTEIRAS NO FUTURO
Até
que ponto se justifica a sacralização das fronteiras? Não
estou, obviamente, a questionar as soberanias nem a autoridade dos Estados
sobre os seus territórios. Aquilo que trago à colação é a viabilidade política,
geográfica e social de certos países, a que poderia juntar problemas de coexistência
étnica e religiosa.
Será
que há povos e países que ficariam melhor com novas fronteiras?
Porque
será que há países que implodem, ou se fragmentam, ou vivem em conflito
permanente?
A
Síria e o Iraque são o Leitmotiv destas
questões, embora estejam longe de ser casos únicos: levantam-se dúvidas à viabilidade e coerência interna de países tão
díspares como o Congo, a Somália, a Tailândia, a Birmânia, o Afeganistão, a Ucrânia, Iémen, a Síria, o Iraque, a
Bósnia-Herzegovina, ou o híbrido Kosovo.
O
mapa do Médio Oriente parece um anacronismo face à realidade no terreno. A
Síria não existe como tal e o Iraque está estilhaçado e não apenas pelo Estado
Islâmico; o Governo Regional do Curdistão tem feito o possível por cortar as amarras
que ainda o prendem a Bagdad, com o curioso e irónico apoio da Turquia que
empurra os Curdos do Iraque nesse sentido ao mesmo tempo que rejeita idênticas
aspirações aos Curdos domésticos e aos da Síria.
As
fronteiras desenhadas no século XIX e após a I Guerra Mundial obedeceram aos
interesses, poderes e equilíbrios das potências dominantes nesses
tempos. Não interessa muito se foi bom ou mau (haverá exemplos melhores e outros
piores), era a prática da época. O que importa perceber é se é vantajoso
defender à outrance o dogma da
imutabilidade das fronteiras, ou se é preferível fazer ajustamentos que
permitam trazer paz e estabilidade a povos que vivem num estado de insatisfação
e insegurança, mais latentes nuns períodos, mais patentes noutros.
A aberração do Kosovo criada pelos EUA, Alemanha, Reino Unido e França na
viragem do século (um exemplo contemporâneo de grandes potências a desenharam
novas fronteiras contra a sua suposta imutabilidade) continua ser uma chaga
política, jurídica e securitária numa região, Balcãs, que já tem problemas
suficientes.
Dado que a reposição do statu quo ante não é viável, podia reintegrar-se o
norte da província (metade da cidade de Mitrovica incluída) na Sérvia com a
possibilidade de deslocar
os Sérvios que vivem noutras zonas para
esta área.
Poderá haver quem venha gritar “limpeza
étnica”, mas tal é irrelevante. O movimento de pessoas que acontecesse seria
voluntário, apoiado, enquadrado e com garantias para os que optassem por ficar.
Os objectivos não são a expansão territorial per se mas sim desatar um nó cego geopolítico criado há 15 anos e
prevenir novos episódios de perseguição e matança no futuro.
O mesmo princípio se poderia aplicar à Bósnia-Herzegovina (BiH), país
artificial, mera marca de impérios para onde afluiram diferentes povos de
acordo com os fluxos e refluxos dos impérios que dominaram a região. Se é essa
a sua vontade não seria melhor deixar a
zona croata reintegrar-se na Croácia e a chamada República Srspka reintegrar-se
na Sérvia? Parece-me evidente que sim.
E os
Bósnios muçulmanos? Ficariam numa BiH reduzida.
Essa Nova Bósnia-Herzegovina não será
inviável? Sim, tal como a actual, que só subsiste com o apoio económico,
político e militar das potências europeias. A vantagem é que, ao contrário da actual, poderia ser estável,
governável e coesa.
Para
se chegar a estas soluções, e outros povos e países também precisariam, será necessário
matar a vaca sagrada das fronteiras imutáveis. Afinal de contas, a vaca até já
foi toureada e bandarilhada na Sérvia e no Kosovo…
3 comentários:
Perfeitamente observado, e o que seria interessante, seria que
Caro Sr. Freitas Pereira,
Houve obviamente um problema com o seu comentário que saiu truncado. Agradeço que o complete.
Um abraço.
Peço desculpa, Caro Professor, do incidente , e aqui repito o que tinha escrito no meu comentário.
Andei pela ex-Jugoslávia duas vezes nestes últimos anos e nas conversas com os guias notei por vezes uma certa nostalgia do passado, isto é, dos tempos do Tito. Claro que dependia onde me encontrava. A opinião do guia em Dubrovnick não era a mesma em Zagreb.
Mesmo se o balanço que estas pessoas faziam era por vezes sombrio, constatei, mesmo assim , que , para todos, Tito incarnava a vontade de viver em conjunto dos Jugoslavos.
A morte de Tito deixou o campo livre às pressões dos países ocidentais no sentido das tentações separatistas; e sabe-se bem hoje até que ponto os EUA e as suas múltiplas oficinas se tornaram mestres na arte do despedaçamento dos países, através de financiamentos e armamentos de separatismos por vezes mesmo a contra corrente de todo e qualquer enraizamento popular.
A Jugoslávia morreu. Ou antes foi assassinada ? De qualquer maneira, ela acabou da forma mais trágica, num banho de sangue, o mais importante sobre o solo europeu desde a segunda guerra mundial.
A calamitosa Europa actual terá um termo quando os povos que a compõem poderão decidir livremente do seu destino .
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