SYKES-PICOT
Sir Mark Sykes (1879-1919) era um Coronel do Exército
Britânico adstrito ao War Cabinet. François Georges-Picot (1870-1951) era um
diplomata francês.
Pelo papel que desempenharam nas negociações entre a
Grã-Bretanha e a França durante a I Guerra Mundial, o acordo secreto Assinado
por Londres e Paris em 16 de Maio de 1916, entrou na História com os seus
nomes: the Sykes-Picot Agreement.
O Acordo Sykes-Picot desenhou, directa ou
indirectamente, o mapa de boa parte do
Médio Oriente após uma eventual derrota do Império
Otomano na Grande Guerra, abrangendo os
territórios do Iraque, Jordânia, Israel, Palestina, Síria e Líbano (usando as
terminologias actuais), que foram repartidos pelos dois impérios europeus.
Em linhas gerais, Israel, Palestina, Jordânia e
Iraque ficaram sob a alçada do Reino Unido; Síria, Líbano e Norte do Iraque
entregues à França. A divisão administrativa dos
territórios ficou a cargo de cada um.
Como sucedeu noutras áreas do globo, as
partilhas dos despojos otomanos foi feita à medida dos interesses britânicos e
franceses. Assim, por exemplo, a França impôs um país para os Cristãos que
viviam no Levante; assim nasceu o Líbano, realidade previamente inexistente, a
expensas da Síria. Do mesmo modo, a
Jordânia (inicialmente Trans-Jordânia – território para além do rio Jordão) foi
criada do nada para satisfazer as promessas que Londres fez durante a Guerra
aos Hashemitas.
As áreas de influência do Acordo Sykes-Picot
sobrepostas a um mapa actual. O vermelho corresponde à Grã-Bretanha, o azul à
França e o verde à Rússia.
A Guerra Civil da Síria desde 2011 e a
fulminante ascensão do ISIL/Estado Islâmico desde o fim de 2013, tiveram estas
consequências:
1-
Destruiram a Síria enquanto país unitário, sólido e solidário.
2-
Abalaram o Iraque até às suas (frágeis) fundações, levantando questões sobre a
sua viabilidade.
3-
Arrasaram a fronteira entre a Síria e o Iraque, colocando um grande ponto de
interrogação sobre a viabilidade contemporânea de Sykes-Picot.
Reino Unido e França determinaram Estados onde
nada existia. Ou melhor, existiam clãs e tribos que ainda existem. Como o Iraque, a Síria, o Líbano, a Jordânia e
a Palestina não existiam, as pessoas não criaram uma nova identidade da noite
para o dia. Tornaram-se Iraquianos, Jordanos, Sírios e Libaneses porque foram
realidades que lhes foram apresentadas como factos consumados, mas o seu
sentimento de pertença continuou no grupo e não na inexistente nação.
Essa é uma das razões pelas quais as
fronteiras do Médio Oriente são volúveis: frequentemente a identidade tribal
sobrepõe-se à nacionalidade. E se o grupo se sente maltratado, discriminado,
oprimido pelo poder central (como acontece com os Sunitas no Iraque, com os
Al-Houthi no Iémen, com os Curdos em todo o lado e com todos no Líbano), ou se
pressente uma oportunidade de melhorar o seu status ou aumentar o seu poder,
atropelam as fronteiras sem remorso.
Além disso, existe em sectores mais
radicais um forte ressentimento contra Sykes-Picot. Um exemplo disso mesmo é
Aiman Al-Zawahiri, na altura nº 2 da Al-Qaeda e actual líder:
Not only was Palestine given
to the Zionist enemy, but the rest of
the Arab world was carved up between the British and French empires under the
terms of the Sykes-Picot Agreement, thereby weakening the ummah and
facilitating the capture of Jerusalem and Palestine.
Aiman
Al-Zawahiri, “Realities of the Conflict between Islam and Unbelief”,
cit. em Bruce
Riedel, “The Search for Al Qaeda”
O Estado Islâmico, apesar de já não
pertencer à Al-Qaeda, fez precisamente tábua rasa das fronteiras: ocupa
território no Iraque e na Síria, usa a Turquia para trânsito de homens e
equipamento e já fez incursões no Líbano. O
Estado Islâmico não é simplesmente um grupo de sado-fanáticos que degola e
massacra. O Estado Islâmico é o pós-Sykes-Picot, ou pelo menos é a isso que se propõe.
Provavelmente não o conseguirá, mas já
provou a fragilidade do Acordo Sykes-Picot entre a Grã-Bretanha e a França. Volvido
quase um século, talvez seja o tempo de reconhecer o fim da validade de
Sykes-Picot, sob pena de estes ou outros Estados Islâmicos, Hezbollahs, ou PKKs
continuarem a surgir e a espalhar o caos.
Sir Mark Sykes.
in “Flatrock” em
in “University of
Michigan” em http://www-personal.umich.edu/~sarhaus/MapsAndTimelines/Fall2007/Gryniewicz/Picot.html
7 comentários:
Caro Professor : Excelente lição de geografia e de politica , sempre actual. Mas antes de mais nada, felicitações pelo seu 500° "post" , que fazem deste blogue um daqueles onde se aprende muito.
Não estou longe da sua opinião do futuro do EI. A solução é conhecida : secar o seu financiamento ( Arábia Saudita, Catar, EUA) , o fornecimento em armas (França, Estados Unidos, RU ) e prever uma sanção para os países que não respeitarem estas directivas que devem ser impostas pela ONU.
Mas não devemos esquecer que a criação deste sonho de Califado islâmico, abássida, pelo iraquiano Abou Bakr al-Baghdadi traz à luz do dia uma espécie de desesperança no mundo árabe e sofrem do seu declínio. O Califado de Bagdad foi a época mais brilhante do Islão. Mas também não creio que a maioria dos muçulmanos sonhem de viver num Califado, nem num império sem fronteiras.
Os meus conhecimentos não me permitem tecer comentários de índole técnico-histórica. No entanto, os recentes conflitos vividos um pouco por todo o globo, permitem-me inferir que as civilizações ocidentais, com destaque para as ex-potências colonizadoras que decidiram a seu bel prazer o que era melhor para outros povos/civilizações, sem que as mesmas tenham tomado parte na solução, tem os resultados à vista de todos nós e vai-se propagando como focos de incêndio (de outro foro). E vai alastrando, com a diferença de que o impulso é dado pelos ventos da poderosa máquina industrial de armamento.
Um like!!
bjs
Cláudia
Obrigado Sr. Freitas Pereira, pelo elogio e pelas felicitações. Sensibiliza-me!
Quanto ao resto, estou de acordo consigo. O Estado Islâmico é uma oportunidade bem percebida pelo Al-Baghdadi, mas tem um futuro limitado. E também acho que a maioria dos Árabes não o querem. Tal não invalida que Sykes-Picot esteja falido e que grande parte do Médio Oriente seja uma balbúrdia.
Cara Estella,
É com gosto que a revejo nestas páginas :-)
Sabe que as práticas coloniais têm de ser vistas à luz da época e no 1º quartel do século XX, esta divisão arbitrária era tida como normal, como já o era no século XIX.
Contudo, tem razão quando diz que a região mais parece um archote, mas responsabilidade não é só, nem principalmente, de Sykes-Picot.
Muito obrigado Cláudia! :-)
Boa noite!
Dei agora com este blog e com este post, assunto que me interessa. Nos meus apontamentos de estudo sobre a região escrevi há cerca de dois meses o seguinte, o que vai, com pouca surpresa minha, ao encontro do que escreveu:
"Os desenvolvimentos do presente parecem permitir a conclusão de que as fronteiras estabelecidas pelo tratado Sykes-Picot, que dividiram os estados da Síria e do Iraque, já não são eficazes. O tratado - corolário do fim do Império Otomano, individualmente considerado ou em conjunto com outras causas como a criação do Estado de Israel, a divisão do Paquistão, os sucessivos falhanços do pan-arabismo e do pan-islamismo ou a regressão científica das nações do Alcorão - é agora apontado como um dos factores externos que conduziu à convulsão do Islão. Nas palavras de auto-proclamado califa do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Bagdadi, "Este avanço abençoado não vai parar até pregarmos o último prego no caixão da conspiração Sykes-Picot", evocando também a Revolta Árabe da Mesopotâmia de 1920 contra os britânicos, para a equiparar à insurgência iraquiana árabe de maioria sunita de 2006-2007, dirigida por antigos oficiais de Saddam Hussein. A expansão do Estado Islâmico é pois alimentada pela longa história de queixas dos árabes sunitas contra o Ocidente desde a “traição” de Sykes-Picot à invasão pelos EUA que os retirou do poder em 2003. Sem um líder capaz de manter o Iraque unido, pela paz ou pela força das armas, os interesses antagónicos das diferentes etnias não desaparecerão.
Será importante constatar que uma guerra destinada à preservação da fronteira Síria-Iraque nos termos definidos por Sykes e Picot deixou de fazer sentido e seria agora absolutamente inútil, por cotejo com os factos que ocorrem no terreno. Para além da fronteira do tratado ter deixado de corresponder a uma delimitação geográfica segundo linhas étnicas e religiosas, a mesma já não está em disputa e o seu desaparecimento parece um facto consumado. Por outro lado e ao mesmo tempo, verificamos que o Iraque nos surge, de facto, dividido em três entidades distintas: o Curdistão no norte, um estado sunita no oeste, que se estende até Aleppo, na Síria, e um estado xiita que vai de Bagdade a Baçorá. A entidade curda do Iraque, provavelmente na expectativa de apoio político para a independência, mantêm boas relações com os USA e coopera com o seu interesse na região; a entidade xiita do Iraque é controlada pelo Irão e será no longo prazo adversa aos interesses norte-americanos; no Iraque e na Síria uma entidade sunita, presentemente controlada pelo Estado Islâmico, que é furiosamente hostil para os USA, Reino Unido e para o Ocidente em geral. O crescimento do Estado Islâmico, é alimentada pela longa história de queixas árabes sunitas contra o Ocidente desde a traição de Sykes-Picot à invasão que os derrubou do poder em 2003."
Cumprimentos,
CL
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