09 setembro, 2014

Oráculo


ORÁCULO

Várias pessoas têm-me abordado questionando-me sobre o desenvolvimento e o desenlace da Crise na Ucrânia.


* “Até onde irá Putin?”

* “Quais os reais objectivos do Presidente Russo?”

* “Haverá guerra?”

* “As sanções dobrarão a Rússia?”

* “A Ucrânia implodirá?”

* “Os EUA e/ou a NATO intervirão?”

São exemplos de perguntas-tipo que têm feito.


O contra-ataque das forças pró-russas mudou novamente o panorama militar no Leste da Ucrânia.
in STRATFOR em http://www.stratfor.com/


Apesar de Tempos Interessantes ter um histórico interessante de acertos, é certo que não sou Oráculo, nem tampouco sou de Delfos. É menos complicado antecipar uma tendência do que prever um desenlace preciso de um conjunto complexo de eventos, mas não gosto de deixar as pessoas sem resposta. Por isso, vou partilhar a minha visão dos acontecimentos prováveis, possíveis e improváveis.


1- Putin terá dito ao administrador da Comissão Europeia que, se quisesse, estaria (o Exército Russo) em Kiev em duas semanas. Não duvido, mas também não tenho dúvidas que não é isso que ele quer. E se o quisesse não o anunciaria. Não vai acontecer.


2- As sanções dobrarão a Rússia? Muito improvável. Serão, obviamente, um factor ponderado no processo decisório, mas as sanções são um processo de longa maturação (o Irão é disso exemplo) e a economia russa tem uma grande dimensão e acesso a mercados alternativos visto que a maioria dos países não impôs quaisquer sanções. Além disso, as sanções à Rússia são uma estrada com dois sentidos e os países europeus também lhes sentem o efeito. Não são um game changer.


3- Qual é o factor-chave no desenlace da Crise? Two words: Vladimir Putin. Do meu ponto de vista, a chave é saber:

* Quais são os objectivos mínimos e inegociáveis de Putin?

* Até onde está Putin disposto a ir para os alcançar?


4- O que quer Vladimir Putin? Eis the million-Ruble question! Quer manter a influência russa sobre, pelo menos, parte da Ucrânia. Para tal, o mínimo será que as regiões russófonas tenham uma larga autonomia (possivelmente uma federação encapotada) e um poder de veto sobre qualquer movimento de Kiev na direcção do Ocidente.


A solução implementada pela Rússia na Geórgia (territórios da Abkhazia e da Ossétia do Sul) e na Moldova (Transdniestria), territórios semi-independentes, protectorados de facto de Moscovo, seria a ideal, pois removeria estes territórios (neste caso o Donbass) da alçada de Kiev, mas exonerava a Rússia do ónus que adviria de uma anexação formal que poderia ser adiada para tempos mais calmos.


5- Até onde irá Vladimir Putin? Longe. Analisando a realidade geopolítica, os antecedentes e o contexto da Crise e a própria actuação da Rússia, a conclusão que se pode legitimamente tirar é a de que Putin irá muito longe (não longe demais) para defender os interesses básicos da Rússia na Ucrânia. Não reconhecer isto como o mais provável, pode mesmo levar-nos longe demais. (ver “a Faca e o Queijo na Mão” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/03/a-faca-e-o-queijo-na-mao.html )

A região do Donbass.
in STRATFOR em http://www.stratfor.com/

6- A Rússia vai até Odessa? Não. Citando os Waterboys, Odessa is “too high, too far, too soon”. Os oblasts de Donetsk (incluindo Mariupol e, eventualmente avançando um pouco para Oeste para garantir uma ligação terrestre à Crimeia) e Luhansk são os alvos realistas. Kahrkov e Dniepropetrovsk seriam as adendas numa abordagem maximalista algo improvável.


7- E a Crimeia? Forget it! É Russa. (ver “A Crimeia É da Rússia” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/05/a-crimeia-e-da-russia.html )


8- A NATO e/ou os EUA passarão das palavras aos actos? No way. Ninguém irá para a guerra contra a Rússia por causa da Ucrânia. Já a Geórgia teve essa ilusão em 2008 e a Ucrânia tem-na em 2014, mas ninguém no seu perfeito juízo o fará – arriscar uma guerra à escala europeia (pelo menos) pela Ucrânia. Não, não estou a ser mau, apenas realista.

CONCLUSÕES


* Vladimir Putin é o factor-chave na evolução e resolução da Crise.


* A Ucrânia não será a mesma quando tudo acabar.


* Não haverá uma guerra europeia ou mundial.


* As sanções não resolvem a Crise.


* A Crimeia é um case closed.


* O Exército Russo poderá intervir (invadir) abertamente a Ucrânia se Moscovo vir os seus objectivos básicos postos em cheque.


Vivem-se Tempos Interessantes na Europa Oriental.


O Oráculo falou!


 

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“A CRIMEIA É DA RÚSSIA”, 10/05/2014 em
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“BACK IN RUSSIA (BACK IN THE USSR”, 18/03/2014 em
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“DO KOSOVO À CRIMEIA”, 07/03/2014 em
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“A FACA E O QUEIJO NA MÃO”, 03/03/2014 em
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“KIEV A FERRO E FOGO”, 21/02/2014 em
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“BATTLEGROUND OF EASTERN EUROPE”, 06/02/2014 em
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“SEM FUTURO”, 31/01/2014 em
http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/01/sem-futuro.html


4 comentários:

luis cirilo disse...

E acho que o Oráculo falou bem.
E podia continuar a falar.
Explicando o que vão fazer EUA e União Europeia sobre os problemas concretos postos pelos avanços russos.
Ou será que para lá das sanções não contam para nada?

Defreitas disse...

Não creio, Caro Amigo Luis Cirilo, que a Rússia avança; a fronteira da Ucrânia não é no México, mas na Rússia. Se alguém avança é a NATO. Com a ajuda dos bandos nazis em Kiev.
Ah as sanções! Obama aplica sanções contra o regime Putin: Está tudo dito!

Dum lado, Guantanamo, os assassinatos com os drones nos quatro cantos do mundo, a suspensão dos direitos elementares e a permissão de matar sem processo os seus próprios cidadãos e, sobretudo, vinte e cinco anos de guerras coloniais calamitosas, sujas e falhadas que fizeram do Médio Oriente, da Bósnia a Kandahar, um inferno sobre a terra.

Do outro lado, uma potência que procura, passo a passo, proteger as suas fronteiras, aquelas justamente que os Ocidentais, a NATO e os USA prometeram a Gorbatchev , o "traido" da história, de nunca se aproximar.

Os Americanos importam-se pouco com isto , mas nos ocidentais, europeus, sabemos de que nos privamos, separando-nos, duas vezes por século, da Rússia.

Esta nação que nos deu Pouchkine e Guerra e Paz, Nijinsky e o Lago dos Cisnes, que tem uma das mais ricas tradições picturais do mundo, que classificou os elementos da natureza, que foi a primeira a enviar um homem no espaço, que é a única a poder levar hoje os homens , incluido americanos, para o Spacial Lab, que produziu carradas de génios do cinema, da poesia, da arquitectura, da teologia, das ciências, que venceu Napoleão e Hitler, que edita os melhores manuais de física, de matemáticas e de química, que construiu a mais longa linha de caminho de ferro no mundo e que ainda a utiliza, que reconstituiu uma classe média em quinze anos após a terço-mundializaçao gorbatcho-eltsiana, que governa o sexto das terras emersas, é tratada dum dia para o outro, como um bando de brutos, aos quais se deve fazer o favor de eliminar o seu ditador sangrento antes de os educar a servir a "nossa" , a "verdadeira" civilização !

Mas que importa, pois que os Americanos submeteram a ciência, a arte, a música e a pesquisa espacial à lei suicidária do rendimento e da especulação.

A Europa de Lisboa a Vladivostok! Como imaginar a potência, a continuidade, o brilho, os recursos dum tal conjunto? Não. O Ocidente prefere "definitely" mirar-se nas aguas do Atlântico. Um mundo envelhecido e os seus próprios "outlaws" mal desengrossados abraçando-se desesperadamente por cima do mar vazio e recusando de ver no mundo exterior outra coisa que um espelho , um mercado ou mesmo um espólio.

Os últimos momentos calorosos com a Rússia foram do tempo de Gorbatchev. Normal: o "traído" zelador tinha decidido de desmontar o seu império sem outra contrapartida que um par de santiags no rancho de Reagan.
Vinte anos mais tarde, os mercenários da NATO ocupavam todas as terras de Viena a Lviv, que entretanto tinham jurado de nunca tocar!

No auge da Gorbymania, Alexandre Zinoviev lançava o seu famoso axioma, que não sei se conhece, que todos os Russos deviam aprender no berço: " Eles só amarão o Tsar que se ele destruir a Rússia".

O Oráculo não predisse isso !

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Luís!

Não acho que os EUA e as potências europeias vão fazer muito mais, a não ser agravar ainda mais as sanções, com muitos prejuízos para todos, menos para os EUA.
Tal como o "Oráculo" disse, por muito que o Ocidente esperneie e a Ucrânia grite, a chave do conflito está, essencialmente, nas mãos de Moscovo.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Não Sr. Freitas Pereira, o "Oráculo" não predisse isso. Era, porventura, demasiado novo e estava inebriado com o triunfo na Guerra Fria.
Não pensava que depois de abatido o monstro soviético, se continuasse a bater na Rússia, não imaginava que a sanha fosse tão feroz e a ambição tão desmedida....