THE GERMAN QUESTION II
“Germany is too big for Europe, too small for the world.”
Henry Kissinger
Mitteleuropa: a Alemanha no centro da Europa.
in STRATFOR em www.stratfor.com
TOO BIG FOR EUROPE
A realidade é que Kissinger tinha razão. Não só no passado, como
também no presente. A Alemanha tornou-se ao longo da última década demasiado
poderosa na Europa. A França começou por liderar a Comunidade Europeia; a
partir da década de 70 partilhou a liderança com Berlim, o famigerado Eixo
Franco-Alemão. Neste século, a décalage
de poder entre Berlim e Paris acentuou-se notoriamente e o Eixo (que nome
haviam de arranjar!) é cada vez mais uma mise en scène.
À medida que a França caminha para ficar mais próxima (em poder)
da Itália do que da Alemanha, esta começa a assemelhar-se ao proverbial
elefante numa loja de porcelana, com o inerente risco para os vários
proprietários. Sem o contraponto francês e com o Reino Unido alheado
do Continente, a Alemanha lidera sozinha. Negoceia com a Rússia sobre energia e
influência na Europa Central e Oriental e vai partilhando o palco com Paris. E
como se sabe, frequentemente, o que se passa nos bastidores tem mais relevância
do que o que se passa no palco.
O desconforto entre os Estados médios e pequenos
acentuar-se-á, especialmente na área do antigo Pacto de Varsóvia e da ex-URSS. Nestas zonas de fronteira de impérios, a retirada dos EUA e a ascensão de Moscovo
e Berlim faz renascer velhos fantasmas, especialmente o fantasma
Ribbentrop-Molotov. É uma maleita crónica que afecta os países situados entre a
Alemanha e a Rússia.
Na Europa meridional, os receios são de outra natureza.
As populações reagem negativamente ao que entendem ser um diktat germânico que
tem provocado danos sérios e por vezes irreparáveis no seu modo de vida. Esse
ressentimento aumenta na medida em que percepcionem os seus próprios líderes
como meros comissários políticos do verdadeiro poder sedeado em Berlim.
Finalmente, mesmo na Europa do Norte, não faltam países
que colocam resistências a uma crescente integração com receio da hegemonia
germânica: a Escandinávia, o Reino Unido e a insuspeita Holanda, não formando
ainda um bloco, têm razões históricas e actuais para preservarem um grau de
autonomia não compaginável com uma Alemanha hegemónica.
Historicamente e por razões diversas, os países europeus
ou não têm interesse, ou têm receio, ou mesmo pavor perante a ascensão de uma
Alemanha todo-poderosa e hegemónica na Europa. Seja por tal levar ao isolamento
(Reino Unido), à conquista (Polónia, República Checa, Dinamarca, etc), ou ao
protectorado no caso dos países mais periféricos em relação à Mittel Europa.
Porventura a única excepção a esta regra são os países
que ocasionalmente partilham com a Alemanha essa hegemonia. Tal foi o caso da
União Soviética entre 1939 e 1941, da França entre 1960 e 2000 e poderá ser o
da Rússia num futuro próximo. Infelizmente para esses parceiros de ocasião, acabaram por ser deglutidos (no caso da URSS)
ou marginalizados (a França) pela imparável acumulação de poder (e ambição) da
Alemanha.
TOO SMALL FOR THE WORLD
Também nesta vertente, Kissinger tinha razão. Pelo menos até agora.
A Alemanha carece da massa crítica geográfica e demográfica de potências como
os Estados Unidos, a Rússia, a China, ou a Índia. Tal como o Japão, a Alemanha pode tentar compensar essas
insuficiências com capacidade económica e desenvolvimento tecnológico. Porém,
falta-lhe (ainda mais do que ao Japão) uma capacidade crítica para competir
geopoliticamente à escala global: o poder militar. Sendo, no tempo presente, uma valência secundária no plano europeu, a
componente militar adquire uma importância primordial no tabuleiro mundial.
Não é por acaso que o Reino Unido e a França têm um protagonismo
internacional superior ao da Alemanha: ambas têm superior
capacidade milita, incluindo a capacidade de projecção de forças, têm
influência política nalgumas áreas e têm assento permanente e direito de veto
no Conselho de Segurança da ONU.
A Alemanha não tem nada disto. E não terá tão cedo.
Desde logo porque, até ver, lhe falta a vontade; depois, porque mesmo que venha
a ter essa vontade, são meios que demoram tempo a adquirir e uma reputação que
custa a consolidar.
Desenganem-se, pois, aqueles que pensam que a Alemanha
pode ser a curto prazo um major player
na cena mundial em matérias que ultrapassem a área económica. Tal não significa
que não venha a caminhar para lá. Não será fácil encontrar na História uma
potência importante que resista indefinidamente a exercer o seu poder e a
ocupar o espaço a que se julga com direito no concerto das nações.
O Japão já segue esse trilho, mais célere e afoito
porque acicatado pela ascensão e agressividade da China. É provável que a
Alemanha venha a enveredar por essa via, seja a motivação interna, ou externa.
Tal pode passar por um delink
transatlântico mais pronunciado, por uma Rússia demasiado assertiva, ou até por
uma aliança (formal ou informal) entre vários países europeus para conter a
Alemanha.
A Alemanha controla em grande medida a zona euro, tem um
peso enorme na EU e faz valer o seu poder e influência na Europa, mas não tem
as ferramentas para se impor à escala global. Forçar a Grécia, Portugal ou a
Espanha a adoptar determinadas políticas fiscais e económicas exige meios que
não funcionam para intervir com significado no Médio Oriente, ou para
influenciar actores e acontecimentos na Ásia Oriental.
Kissinger tinha e tem razão. A Alemanha está numa encruzilhada
em que tem de decidir como e até onde quer exercer o seu poder na Europa e se
quer ter um papel relevante no tabuleiro de xadrez mundial. Suspeito, contudo,
que não será no último terço do período merkeliano que a Alemanha vai decidir o
seu rumo geopolítico.
4 comentários:
Excelente análise geopolítica. Aprendi muito. Genial essa do Kissinger.
Cristina
A Alemanha terá grandes dificuldades em se afirmar no mundo: falta-lhe poder para isso. Na Europa enfrentará sempre a resistência da Inglaterra, Rússia e França.
Pedro F.
Cristina,
Tem razão, é mesmo genial. Muito obrigado pelo elogio.
Bem haja!
Pedro F.
Estou de acordo consigo.
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