21 setembro, 2013

The German Question II

THE GERMAN QUESTION II

 

“Germany is too big for Europe, too small for the world.”

Henry Kissinger

 
Mitteleuropa: a Alemanha no centro da Europa.
in STRATFOR em www.stratfor.com

 
TOO BIG FOR EUROPE


A realidade é que Kissinger tinha razão. Não só no passado, como também no presente. A Alemanha tornou-se ao longo da última década demasiado poderosa na Europa. A França começou por liderar a Comunidade Europeia; a partir da década de 70 partilhou a liderança com Berlim, o famigerado Eixo Franco-Alemão. Neste século, a décalage de poder entre Berlim e Paris acentuou-se notoriamente e o Eixo (que nome haviam de arranjar!) é cada vez mais uma mise en scène.


À medida que a França caminha para ficar mais próxima (em poder) da Itália do que da Alemanha, esta começa a assemelhar-se ao proverbial elefante numa loja de porcelana, com o inerente risco para os vários proprietários. Sem o contraponto francês e com o Reino Unido alheado do Continente, a Alemanha lidera sozinha. Negoceia com a Rússia sobre energia e influência na Europa Central e Oriental e vai partilhando o palco com Paris. E como se sabe, frequentemente, o que se passa nos bastidores tem mais relevância do que o que se passa no palco.


O desconforto entre os Estados médios e pequenos acentuar-se-á, especialmente na área do antigo Pacto de Varsóvia e da ex-URSS. Nestas zonas de fronteira de impérios, a retirada dos EUA e a ascensão de Moscovo e Berlim faz renascer velhos fantasmas, especialmente o fantasma Ribbentrop-Molotov. É uma maleita crónica que afecta os países situados entre a Alemanha e a Rússia.


Na Europa meridional, os receios são de outra natureza. As populações reagem negativamente ao que entendem ser um diktat germânico que tem provocado danos sérios e por vezes irreparáveis no seu modo de vida. Esse ressentimento aumenta na medida em que percepcionem os seus próprios líderes como meros comissários políticos do verdadeiro poder sedeado em Berlim.


Finalmente, mesmo na Europa do Norte, não faltam países que colocam resistências a uma crescente integração com receio da hegemonia germânica: a Escandinávia, o Reino Unido e a insuspeita Holanda, não formando ainda um bloco, têm razões históricas e actuais para preservarem um grau de autonomia não compaginável com uma Alemanha hegemónica.


Historicamente e por razões diversas, os países europeus ou não têm interesse, ou têm receio, ou mesmo pavor perante a ascensão de uma Alemanha todo-poderosa e hegemónica na Europa. Seja por tal levar ao isolamento (Reino Unido), à conquista (Polónia, República Checa, Dinamarca, etc), ou ao protectorado no caso dos países mais periféricos em relação à Mittel Europa.


Porventura a única excepção a esta regra são os países que ocasionalmente partilham com a Alemanha essa hegemonia. Tal foi o caso da União Soviética entre 1939 e 1941, da França entre 1960 e 2000 e poderá ser o da Rússia num futuro próximo. Infelizmente para esses parceiros de ocasião, acabaram por ser deglutidos (no caso da URSS) ou marginalizados (a França) pela imparável acumulação de poder (e ambição) da Alemanha.

 

TOO SMALL FOR THE WORLD


Também nesta vertente, Kissinger tinha razão. Pelo menos até agora. A Alemanha carece da massa crítica geográfica e demográfica de potências como os Estados Unidos, a Rússia, a China, ou a Índia. Tal como o Japão, a Alemanha pode tentar compensar essas insuficiências com capacidade económica e desenvolvimento tecnológico. Porém, falta-lhe (ainda mais do que ao Japão) uma capacidade crítica para competir geopoliticamente à escala global: o poder militar. Sendo, no tempo presente, uma valência secundária no plano europeu, a componente militar adquire uma importância primordial no tabuleiro mundial.


Não é por acaso que o Reino Unido e a França têm um protagonismo internacional superior ao da Alemanha: ambas têm superior capacidade milita, incluindo a capacidade de projecção de forças, têm influência política nalgumas áreas e têm assento permanente e direito de veto no Conselho de Segurança da ONU.


A Alemanha não tem nada disto. E não terá tão cedo. Desde logo porque, até ver, lhe falta a vontade; depois, porque mesmo que venha a ter essa vontade, são meios que demoram tempo a adquirir e uma reputação que custa a consolidar.


Desenganem-se, pois, aqueles que pensam que a Alemanha pode ser a curto prazo um major player na cena mundial em matérias que ultrapassem a área económica. Tal não significa que não venha a caminhar para lá. Não será fácil encontrar na História uma potência importante que resista indefinidamente a exercer o seu poder e a ocupar o espaço a que se julga com direito no concerto das nações.


O Japão já segue esse trilho, mais célere e afoito porque acicatado pela ascensão e agressividade da China. É provável que a Alemanha venha a enveredar por essa via, seja a motivação interna, ou externa. Tal pode passar por um delink transatlântico mais pronunciado, por uma Rússia demasiado assertiva, ou até por uma aliança (formal ou informal) entre vários países europeus para conter a Alemanha.


A Alemanha controla em grande medida a zona euro, tem um peso enorme na EU e faz valer o seu poder e influência na Europa, mas não tem as ferramentas para se impor à escala global. Forçar a Grécia, Portugal ou a Espanha a adoptar determinadas políticas fiscais e económicas exige meios que não funcionam para intervir com significado no Médio Oriente, ou para influenciar actores e acontecimentos na Ásia Oriental.


Kissinger tinha e tem razão. A Alemanha está numa encruzilhada em que tem de decidir como e até onde quer exercer o seu poder na Europa e se quer ter um papel relevante no tabuleiro de xadrez mundial. Suspeito, contudo, que não será no último terço do período merkeliano que a Alemanha vai decidir o seu rumo geopolítico.

4 comentários:

Anónimo disse...

Excelente análise geopolítica. Aprendi muito. Genial essa do Kissinger.

Cristina

Anónimo disse...

A Alemanha terá grandes dificuldades em se afirmar no mundo: falta-lhe poder para isso. Na Europa enfrentará sempre a resistência da Inglaterra, Rússia e França.
Pedro F.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cristina,

Tem razão, é mesmo genial. Muito obrigado pelo elogio.
Bem haja!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pedro F.

Estou de acordo consigo.