CAMERON: “NOTHING IS
OFF THE TABLE”
Westminster, the Houses of
Parliament and Big Ben.
No seu muito falado discurso sobre o Reino Unido e a União Europeia, David
Cameron identifica com grande clareza os grandes problemas e deficiências do
chamado projecto europeu, da sua evolução e do estado a que chegou.
Destaco alguns dos pontos referenciados pelo Primeiro-Ministro Britânico:
1-
“[…]
there is a gap between the EU and its citizens which has grown dramatically in
recent years. And which represents a lack of democratic accountability and
consent.”
Eu sei que
isto é uma evidência, mas é notável que seja dito ipsis verbis pelo líder de um
Estado-Membro. A EU é um projecto conduzido e desgovernado por umas luminárias
que ignoram e desprezam o pensar e sentir dos eleitorados sobre a matéria, onde
o contraditório e as alternativas ao pensamento único de Berlim e Bruxelas são
anátema. É, também, evidente que enquanto este estado de coisas se mantiver, os
Europeus que se revêem na EU serão cada vez menos.
2-
“Can we really justify the huge number of expensive
peripheral European institutions? Can we justify a Commission that gets ever
larger? Can we carry on with an organisation that has a multi-billion pound
budget but not enough focus on controlling spending and shutting down
programmes that haven't worked?"
Este é outro
ponto muito interessante e muito pouco falado. Porque é que os organismos que
impingem a austeridade urbi et orbi e que são financiados em última análise
pelos contribuintes europeus, não praticam eles próprios a austeridade? Porque
é que o polvo burocrático bruxelense aumenta em tamanho e em custo? É tempo de
cortar tentáculos e gorduras em Bruxelas. Eis uma medida de austeridade que era
capaz de colher bastante apoio nos eleitorados dos Estados-Membros.
3-
"Power
must be able to flow back to Member States, not just away from them...
Countries are different. They make different choices. We cannot harmonise
everything. […] In the same way we need to examine whether the balance is right
in so many areas where the European Union has legislated including on the
environment, social affairs and crime. Nothing should be off the table."
Na mouche.
Aparentemente, visto de Bruxelas, o continente europeu é uma massa homogénea.
Não é. A harmonização tem sido prosseguida de forma cega por uma burocracia
omnipotente e arrogante com pretensões a tudo regular e formatar na Europa. A
burocracia cefalópode referida no ponto anterior tem de ser não apenas cortada
nos seus custos, mas também nas suas atribuições e poderes.
4-
“There is not, in my view, a single European demos.
It is national parliaments, which are, and will remain, the true source of real
democratic legitimacy and accountability in the EU."
Eis o ponto
fulcral. Não obstante o esforço integracionista promovido nas últimas décadas,
os parlamentos nacionais continuam a ser a pedra basilar da representação
democrática, os órgãos que decorrem directamente do exercício da soberania
popular através do voto. Nem vale a pena mencionar o Parlamento Europeu,
expoente do caro, gongórico, ineficiente e não representativo. O reconhecimento
da realidade nacional como alicerce político fundamental dos Estados Europeus e
o abandono da miragem da federação europeia, contribuiria para um renascimento
da EU em base mais sãs e realistas.
United Kingdom drifting, Germany
driving and France following?
Idealmente, o
discurso de David Cameron poderia constituir o pontapé de saída para se
abandonar o que se vem chamando de “construção europeia” e começar o que se
poderia designar de reconstrução europeia.
Dentre os objectivos a prosseguir, podíamos assinalar:
* Devolução de
poderes da EU para os Estados–Membros.
* Downsizing
da burocracia bruxelense e consequente redução de custos.
* Redução das
competências dos Tribunais Europeus.
* Eventual
extinção do Parlamento Europeu.
* Revisão dos
Tratados para reflectir estas mudanças.
Teríamos assim
uma EU mais realista, mais contida no tamanho e competências, mais respeitadora
da individualidade dos Estados, muito menos dispendiosa e provavelmente muito
mais popular.
Tal representaria
uma ruptura histórica com um projecto liderado por dois países e umas dúzias de
luminárias, arvoradas em vanguarda esclarecida das massas, monopolista da verdade e única detentora do segredo da vontade dos cidadãos.
Quebrar-se-ia
também a crença nefasta e interesseira no determinismo histórico da CE/EU,
segundo a qual, o único caminho deste projecto seria o contínuo crescimento e
integração, numa desenfreada corrida para a frente.
Não tenho ilusões que isto irá acontecer. A inércia, os poderes
estabelecidos e os interesses instalados não o permitirão. Infelizmente, grande
parte dos 27 Estados-Membros continua a ter uma atitude carneirista e subserviente perante a Alemanha e a França.
Contudo, este discurso sensato, realista e ponderado também não morrerá à
nascença. David Cameron jogou forte e terá de produzir resultados. O Reino
Unido é uma das grandes potências europeias e as suas pretensões não serão
facilmente varridas para baixo do tapete. E também haverá no Norte da Europa
quem simpatize com algumas das suas ideias.
A esperança é
que o processo que decorrerá da iniciativa de Londres traga alguns benefícios à
Europa, aos seus Estados-Nação e aos Europeus. Como disse Cameron, nothing is off the table. Let’s hope he is right.