13 outubro, 2014

Coligação ou Sem Ligação


COLIGAÇÃO OU SEM LIGAÇÃO?


Combatentes do Estado Islâmico no topo de uma colina na cidade de Kobani, no Norte da Síria.
iin “STRATFOR” em  www.stratfor.com


A campanha de bombardeamento contra o Estado Islâmico começou no início de Agosto, acentuou-se em Setembro e alargou-se à Síria. Começou como uma acção dos Estados Unidos e cresceu para uma coligação que integra, além dos EUA, a França, o Reino Unido, a Austrália, a Holanda, a Dinamarca, a Bélgica, a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes Unidos, a Jordânia, o Qatar e a Turquia. Envolvidos no conflito estão também, o Iraque, a Síria e o Irão.


O que se pode aferir dos resultados da campanha aérea desta coligação e dos resultados obtidos no terreno?


Em relação à coligação será prematuro emitir uma sentença, mas o seu funcionamento é, no mínimo confuso.


Os Estados Árabes participantes bombardeiam a Síria, mas não o Iraque e o seu objectivo primário é derrubar o Governo de Al-Assad e assim desferir um golpe no Irão, patrocinador do poder em Damasco.


Por outro lado, os Europeus, bombardeiam o Iraque, mas não a Síria. Isto porque não têm autorização do Governo da Síria para o fazer, mas têm uma solicitação do Iraque nesse sentido. Além disso, não têm, excepto a França, autorização parlamentar para atacar a Síria.


Já os EUA bombardeiam em ambos os lados da extinta fronteira sírio-iraquiana, mas não atacam as forças governamentais sírias, pelo que a Guerra Civil continua seguindo o seu curso.


O Irão não participa nos bombardeamentos e rejeitou o convite de Washington para integrar a coligação. Também apoia os Iraquianos e alguns Curdos no combate ao Estado Islâmico e continua a apoiar o regime de Al-Assad na Síria.


Por sua vez, a Turquia primeiro não participava, mas agora já quer participar, mas coloca o derrube do regime de Assad como condição para combater o Estados Islâmico. Como o Reino Unido, França, Holanda. Dinamarca e Bélgica não alinham nisso e os EUA só o fazem indirectamente (treinado os rebeldes sírios supostamente moderados), esta condição parece uma receita para não participar.


Para além da curiosa divisão do trabalho social dos bombardeamentos (uns só querem bombardear a Síria e os outros apenas o Iraque), a Coligação enferma de problemas de coordenação que radicam no diferencial de objectivos. Uns querem essencialmente liquidar o Estado Islâmico; outros querem acima de tudo arrumar Bashar Al-Assad; outros ainda, querem marcar pontos na competição geopolítica do Médio Oriente. Temos assim o que poderíamos rotular de Coligação Sem-Ligação.


Do outro lado da barricada, o Estado Islâmico parece aguentar-se razoavelmente. Bem, aguentar-se é um  understatement. Como era expectável, as suas tropas não ficaram a tostar no deserto à espera dos F-22 e dos Tornados. A título de exemplo, a propalada destruição do quartel-general, do centro de logística e de outras importantes infra-estruturas do Estado Islâmico na cidade de Raqqa, proclamada capital do Estado Islâmico, apenas destruiu pedra e cimento. O Estado Islâmico já havia evacuado o pessoal e o material dos edifícios.


A Província de Anbar no Iraque e as três cidades atacadas pelo Estado Islâmico: Hit, Ramadi e Fallujah.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com

Embora o Exército Iraquiano tenha recuperado a barragem de Mosul, grande parte do território controlado pelo Estado Islâmico mantém-se na sua posse. Pior ainda, os jihadistas, para além do mediático cerco a Kobani no Norte da Síria, continuam a fazer incursões e progresso em Ramadi, Fallujah e Hit onde fustigaram duramente as 8ª, 9ª e 7ª divisões do Exército Iraquiano, respectivamente. O Vice-Governador de Anbar já admitiu a perda total de Ramadi (capital da província) e de Hit. Tal significa que continuam a rondar Bagdad, já tendo sido detectadas forças do Estado Islâmico a meros 25 km da capital!


Não será por acaso que o General Martin Dempsey, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos tenha afirmado pela segunda vez ser provável a utilização de forças terrestres norte-americanas no Iraque, num surpreendente desafio à posição pública do Presidente dos EUA sobre o assunto. O General estará a confirmar que só com bombas e mísseis não dá conta do recado.


O que é claro até à data é que o Estado Islâmico, certamente mais limitado nas suas acções, não foi posto em debandada, nem sequer se remeteu a uma táctica puramente defensiva. Continua a golpear com sucesso os seus oponentes no Iraque e na Síria.


Como escrevemos no dia 20 de Agosto em “Ainda o Estado Islâmico”, Mesmo assim, mantendo-se a intervenção americana num plano modesto, é previsível que o Estado Islâmico mantenha a maioria das suas conquistas, pelo menos até ao Outono. (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/08/ainda-o-estado-islamico.html )


Com Coligação, ou Sem-Ligação, a campanha está aquém das expectativas e se o Estado Islâmico continuar a fazer frente a uma plêiade de países incluindo os EUA, Reino Unido e França, o seu prestígio e a atracção que exerce só tenderão a crescer.



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2 comentários:

Sergio Lira disse...

ficaria bem, como comandante-em-chefe dessa trapalhada, um certo salafrário que eu cá sei...

Estella disse...

Os conflitos são reais. O que me parece surreal é o enredo e os actores: países coligados e a apoiarem o que mais lhes convém, sem que as populações afectadas tenham voto na matéria. Quem se deve deliciar são os militares que morrem de tédio em tempo de paz e, é claro, a indústria de armamento que não vai à falência, gera empregos e incrementa a economia pessoal dos senhores da guerra.