03 dezembro, 2013

"What's So Civil About War?"

“WHAT’S SO CIVIL ABOUT WAR?”

Civil War - Guns N’ Roses

As guerras civis são dos conflitos mais cruéis, traumatizantes e prolongados. Desenvolvem-se num só território (país) e opõem irmãos. Pessoas que partilham a nacionalidade, mas divididos pela política, pela religião, pela etnia, pela língua, ou simplesmente pela manipulação e ambição de alguns que acicatam os ânimos e as animosidades.

What we’ve got here is failure to communicate.
Some men you just can’t reach…
So, you get what we had here last week,
Which the way he wants it!
Well, he gets it!
I don’t like it any more than you, man.

Civil War - Guns N’ Roses

A artificialidade de muitos países, desenhados pelas potências coloniais europeias no século XIX e pelas potências vencedoras das duas Guerras Mundiais no século XX estão frequentemente na origem dessas divergências internas irreconciliáveis. Por outro lado, vivemos num sistema internacional crescentemente confrangedor dos conflitos internacionais, mas que é muitas vezes impotente ou indiferente perante as guerras civis.

Esta realidade vem cada vez mais tornando as guerras na tipologia de conflito dominante no mundo.


As guerras civis activas entre 2002 e 2012.
in “THE ECONOMIST” em www.economist.com

Seria, porém, ingénuo pensar que as guerras civis são conflitos puramente internos. Na verdade, a maioria das guerras civis, sendo-o de facto, contam com a participação activa, directa ou indirecta, de potências estrangeiras. Mais, as guerras civis são por vezes instigadas por essas potências que procuram delas retirar dividendos geoestratégicos ou económicos, ou simplesmente pôr em cheque a posição dominante de um país terceiro, seu rival. Esta situação era frequente durante a Guerra Fria, em que os Estados Unidos e a União Soviética transformaram o globo num gigantesco tabuleiro de xadrez, onde cada pedra comida ao inimigo constituía um ganho. Tal como no jogo de xadrez, as peças mais numerosas eram os peões e no xadrez como na guerra, os peões eram descartáveis em nome de um interesse maior.

My hands are tied 
The billions shift from side to side 
And the wars go on with brainwashed pride 
For the love of God and our human rights 
And all these things are swept aside 
By bloody hands time can't deny 
And are washed away by your genocide 
And history hides the lies of our civil wars 
Civil War - Guns N’ Roses

Vem isto a propósito da Guerra Civil da Síria, o conflito bélico dominante deste início de década. A maioria dos ingredientes do cocktail está lá: confronto religioso envolvendo primordialmente Alawitas/Xiitas e Sunitas, existindo também minorias cristãs e drusas; sectarismo étnico entre Árabes e Kurdos; spillover regional ameaçando contágio - Líbano, Jordânia e Iraque; envolvimento de potências estrangeiras – Turquia, Arábia Saudita, Qatar, EUA, França, Reino Unido de um lado, Rússia e Irão do outro; atracção de combatentes estrangeiros – Hezbollah, Al Qaeda no Iraque e muitos outros.


Podemos ainda lembrar a Guerra da Bósnia-Herzegovina (1991-1995) em que se bateram encarniçadamente Sérvios Ortodoxos, Croatas Católicos e Bósnios Muçulmanos, após cerca de meio século de convivência aparentemente pacífica.


Na verdade, a coexistência pacífica por longos períodos não é garantia de um desenlace “they lived happily together everafter”. Os demónios da História e da memória em hibernação estão à distância de um click para despoletarem um espasmo de fúria violenta, envolvendo os concidadãos e os vizinhos de ontem numa luta sem quartel como se não houvesse amanhã. E para muitos não há mesmo.

Look at the shoes you're filling 
Look at the blood we're spilling 
Look at the world we're killing 
The way we've always done before 
Look in the doubt we've wallowed 
Look at the leaders we've followed 
Look at the lies we've swallowed 
And I don't want to hear no more
Civil War - Guns N’ Roses

Os trends recentes e actuais das relações Internacionais apontam para o acentuar do predomínio das guerras civis. Palcos em motivos não faltam:


* Na Síria a guerra está para durar e a contagem de óbitos já ascende a 120.000.

* Na Líbia a guerra foi curta, mas a instabilidade do país na era pós Khaddafi é tal, que o governo, fraco, tem de se submeter às vontades das milícias regionais e tribais que controlam a maior parte da Líbia; a possibilidade de uma derrapagem de regresso à guerra é bem possível.

* O Iémen vive numa situação de quase anarquia, onde à pobreza se somam as lutas fraticidas do próprio regime, as pulsões secessionistas no antigo Iémen do Sul, a revolta dos Al Houthis (Xiitas) no Norte e a presença do mais poderoso franchise da Al Qaeda (AQAP).

* O Líbano que viveu uma prolongada guerra civil no século XX (1975-1990) que destruiu o país mais próspero do Médio Oriente, vive sob uma permanente tensão , fruto de uma segmentação sectária constitucionalizada entre Cristãos, Sunitas, Xiitas e Drusos. O forte risco de spillover da Guerra da Síria, tornam o Líbano um forte candidato a uma guerra de consequências imprevisíveis.

* Finalmente, o Iraque, que embora seja um candidato menos provável, tem vivido um terrível surto de violência desde a retirada das tropas norte-americanas. Os incontáveis ataques bombistas, que são desencadeados principalmente por jihadistas sunitas, Al Qaeda incluída, podem conduzir a uma recaída que teria efeitos dramáticos no Médio Oriente.

E isto é uma elencagem feita sem alargar o escopo da análise para além do Médio Oriente e do mundo árabe.

Certo é que as guerras civis são brutais, causando tremendos danos humanos, morais e materiais. Certo é, também, que elas vieram para ficar. Em face disto, a frase final da música dos Gun N’ Roses “Civil War”, repleta de ironia e perplexidade, é também a nossa frase final:

What’s so Civil about War anyway? *
Civil War - Guns N’ Roses



 
Civil War by Guns N' Roses

 
* A frase citada surge aos 7.39 minutos do video clip.


6 comentários:

Penso disse...

Nós também tivemos a nossa com o seu estendal de mortes e destruição. Ela e as invasões francesas constituíram o começo da nossa decadência. Políticos ambiciosos, corruptos e incompetentes fizeram o resto.
Pobre humanidade que não aprende com os erros do passado.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Penso,
É bem verdade, o primeiro quartel do século XIX foi bem sangrento e penoso. Felizmente não ficaram sequelas (animosidades) das guerras. Infelizmente a corrupção e a incompetência assentaram arraiais....

Penso disse...

Permito-me objectar: As animosidades continuaram não tanto por motivos ideológicos, mas ambições pessoais que sempre contaram mais que o interesse do País. O que foi o reinado de D. Maria II mostra-o bem.

Sérgio Lira disse...

Presumo que o Rui queria dizer que os minhotos não têm uma imensa urgência em matar os algarvios, e que os beirões estarão a salvo dos estremenhos ou dos transmontanos (bom, pelo menos a maior parte dos beirões... a uns quantos uma boa limpadela de sebo não seria nada mal empregue). Que não nos esfaqueamos porque somos "liberais" ou "socialistas" (ou outras patacoadas do género, como cristãos ou islamitas) com se assiste em outras regiões da europa. Dessas sequelas, de facto, não ficámos eivados - mas as outras, as da imbecilidade, da corrupção, da incompetência, da má-fé... essas chegam e sobejam.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Penso,

Sim essas ficaram e minam o país até hoje: a ganância, corrupção, deslealdade, ausência de sentido de estado e de serviço público, são situações que em muitas casos deviam configurar o crime de traição à Pátria, tal o dano causado.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sérgio,

Sim, interpretaste bem o que eu quis dizer. É exactamente isso.