WISHFUL THINKING
Yuri Andropov
sucedeu a Leonid Brejnev como Secretário-Geral do PCUS (Partido Comunista da
União Soviética) em 1982. Após longos e estiolantes 18 anos de governo de
Brejnev, durante os quais a URSS atingiu o apogeu do seu poder militar e
político no plano externo e, também, estagnou e ossificou o seu sistema
económico e político interno, a ânsia no Ocidente era ver suceder-lhe um líder
reformista, mais aberto que começasse a rachar o monólito soviético.
Yuri Andropov
(1914-1984), líder da URSS durante 15 meses (Novembro 1982-Fevereiro 1984) e
Director da KGB entre 1967 e 1982, saudando da tribuna do Mausoléu de Lenine na Praça Vermelha, em Moscovo.
Da realidade ao desejo
foi um pequeno passo para os media ocidentais que rapidamente descobriram que Andropov bebia Scotch
whisky, ouvia Glenn Miller e devorava literatura norte-americana; desses
supostos gostos ocidentais, deduzia-se uma generalizada adesão às convicções
ocidentais, mormente no plano político. Ou seja, estávamos perante um
reformador. Talvez
cientes de que a extrapolação desafiava as regras do bom senso, media houve que
foram mais longe, descobrindo (???) que quando regressava a casa à noite, Andropov entretinha tertúlias de debate
político com oposicionistas do regime comunista, ao som de Glenn Miller e
lubrificadas com Scotch.
Atenção, não
estamos a falar de pasquins sensacionalistas e demagogos. Refiro-me a jornais como o Wall Street Journal, o New York Times, o
Washington Post e o Christian Science Monitor.
Tudo isto é muito
bonito, excepto que esbarrava num pequeno obstáculo: a REALIDADE. E essa
realidade era pouco rósea: Andropov era embaixador soviético em 1956 quando os
tanques soviéticos invadiram o país e suprimiram a Revolução Húngara com grande
violência. Andropov foi um dos instigadores e mentores da invasão. Andropov era membro do Comité Central do
PCUS há 21 anos e do Politburo há uma década, ou seja, pertencia ao grupo
restrito de altos dirigentes soviéticos.
Mas falta a cereja no
topo do bolo da realidade: Yuri Andropov era há 15 anos, desde 1967, o chefe da
KGB. Sim, essa mesmo, a polícia secreta soviética, orgulhosa sucessora do NKVD
de Staline.
Portanto, de acordo
com esses media, Andropov tinha uma vida dupla: de dia mandava prender,
torturar, deportar para a Sibéria, executar dissidentes políticos. À noite,
convidava-os para ir a sua casa beber uns whiskies, ouvir música e desancar no
regime do qual ele era dirigente e responsável pela segurança. Fantástico!!!!
Relembro estes
desvarios jornalísticos dos tempos da minha adolescência, porque este é um trend que se mantém até aos dias de hoje.
Qualquer novo líder de um país totalitário, autoritário ou simplesmente
desagradável aos olhos do Ocidente, é recebido com expectativas inauditas de
que se trata de um novo Vaclav Havel ou Lech Walesa, mesmo que ele faça parte
integrante do sistema e nele tenha prosperado e dele dependa. Assim foi com Kim
Jong Il na Coreia do Norte, com Medvedev na Rússia, ou com qualquer novo
Presidente do Irão.
O mesmo
esquema mental é aplicado a revoluções em países ditatoriais: em meados da
década passada na Ucrânia e no Quirguizistão e, desde 2011 na Líbia, no Egipto,
no Iémen e na Síria. Todos eles se iam tornar a breve trecho exemplos de democracias
liberais. Oito anos depois, a Ucrânia e o Quirguizistão ainda estão longe de o
ser. Dois anos depois, a Líbia e o Iémen são failed states waiting to happen, a Síria está em estado de guerra
civil e o Egipto está perto de onde estava em Dezembro de 2010, antes de
começar a dita Primavera Árabe.
Conselho de
amigo: muito cuidado com aquilo que os media relatam nestas situações. Hoje em
dia, a maioria dos media vive em função
do que gostavam que fosse, o que muitas vezes está a milhas de distância do que
é. Opinam sobre a espuma que vêem e ignoram a realidade histórica, política
e cultural, bem como os interesses e os poderes fácticos que na maioria das
vezes, passado o delírio das manifestações e dos entusiasmos, são os que
prevalecem. No meu tempo de estudante, ensinaram-me
que o jornalismo relatava factos e não estados de alma.
Em Inglês existe uma
expressão fabulosa que retractar esta atitude na perfeição: WISHFUL THINKING, que significa algo
como, pensar aquilo que se deseja, em detrimento da realidade.
2 comentários:
De tudo o que tem escrito, do pouco que consigo ler e do muito que me têm ensinado depreendi o mais fácil e óbvio: o Homem foi, é e será sempre um animal ambicioso, trapaceiro, ardiloso, que não olha a meios para atingir os fins. Só muda a tecnologia. Até mesmo os melhor intencionados se deixam tentar. A ocasião fará o ladrão? Todos terão um preço? Uma questão de oportunidade? Preciso acreditar que há excepções! Honrosos e dignos cidadãos bem intencionados e competentes!
Estella,
Não serão muitos, mas sim, há excepções. Nem toda a gente tem um preço, nem todos se deixam corromper.
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