31 agosto, 2013

Drums of War? - I

DRUMS OF WAR? I

You can hear the drums of war over Syria loud and clear. Interestingly, I had never heard such hesitant and reluctant war drummers. Will they shut the drums? Or will they fire the guns?

Poucas vezes fui tão instado a escrever sobre um assunto como agora, sobre o prospectivo ataque à Síria. No fundo, tal curiosidade reflecte a ansiedade que a guerra provoca. Desejada ou repudiada, mesmo geograficamente distante, sem qualquer envolvimento de Portugal, é difícil ignorar o receio, o impacto, as consequências previstas ou insuspeitas, a excitação, a emoção, a gravidade, as baixas, o sangue derramado, que a guerra sempre provoca. E, é claro, a suprema expectativa quanto ao desfecho.


A minha posição sobre um ataque ocidental à Síria já foi sobejamente exposto em Tempos Interessantes.1 Sou contra. Resumidamente, sou contra por dois motivos fundamentais:


1- Entendo que não existe um significativo interesse nacional, seja dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França, ou de qualquer outro país ocidental, em jogo na Guerra Civil da Síria.

2- Acho que as forças que se arregimentam contra o regime não são, genericamente recomendáveis, as mais organizadas e eficazes são islamitas radicais, algumas pertencentes à Al Qaeda; e ter a pretensão de que do seu triunfo resulte um país democrata e liberal só pode ser fruto de ignorância, delírio, ou de interesses obscuros.


Estão em causa duas realidades neste clamor guerreiro:


A primeira é a pressão constante que a maioria da intelligentsia norte-americana e alguns destacados congressistas de ambos os partidos têm exercido sobre Barack Obama para que este intervenha militarmente na Síria. Curiosamente este grupo que domina a opinião publicada/transmitida nos media, junta a ala intervencionista do Partido Republicano, com a esquerda internacionalista do Partido Democrata. Em comum, têm a crença obstinada que a política externa e militar dos EUA deve ser guiada por princípios morais (os deles, bem entendido) e que isso inclui, primordialmente, atacar, derrubar e substituir os regimes de que não gostam. Além de errado, é perigoso e impraticável, mas o certo é que este grupo de iluminados tem palco e não fala de outra coisa senão de atacar a Síria há mais de 2 anos.


A segunda foi o estabelecimento de uma red line pelo Presidente Obama no ano passado, que determinava o uso de armas químicas como despoletador de uma acção armada pelos EUA: A red line for us is we start seeing a whole bunch of chemical weapons moving around or being utilized.”2 Obama claramente pensava que dessa forma passava uma imagem de força para consumo interno e externo, sem correr riscos, dado que não seria verosímil que Assad infringisse a única red line de Washington.


Somando as duas realidades, o resultado é uma pressão avassaladora para intervir, acrescida de pressões externas advindas principalmente do Reino Unido, da França, da Arábia Saudita, do Qatar e da Turquia.


Tal como aconteceu na Guerra da Líbia, Obama vai cedendo à pressão. E tal como na Líbia, ao mesmo tempo que faz soar os tambores da guerra, vai recorrendo a manobras pouco claras: primeiro exige uma inspecção da ONU; quando ela é aceite pela Síria, diz que já é tarde e que os seus resultados não serão válidos. Em vez de denunciar porque é que os resultados não serão válidos, anuncia as suas próprias provas “irrefutáveis”, com números exactos das vítimas; com um pouco de sorte, a NSA terá os nomes, nº de telefone e endereços postal e electrónico das vítimas. Não aguarda pelo regresso da equipa da ONU que, curiosamente, segundo a Reuters e a Agence France Press terá abandonado mais cedo a Síria com receio de um ataque norte-americano.


O cerco aero-naval à Síria aperta-se.

Enfim, os EUA já têm o pretexto, a narrativa e o cardápio de opções militares. Aparentemente, Obama já só se debate com dois problemas:


            * Dar um aspecto de legitimidade interna e externa à intervenção.


* Escolher a modalidade de ataque que pareça punitivo, mas que exponha o menos possível os EUA.


Em relação à primeira, tal como na Guerra da Líbia, Obama recusa-se a ir ao Congresso obter o apoio parlamentar para a guerra, algo que, ironicamente, o seu vilipendiado antecessor, George W. Bush, fez e conseguiu, quer para a Guerra do Afeganistão, quer para a Guerra do Iraque. Na frente externa, o Conselho de Segurança parece estar bloqueado. Comme d’habitude, nestes assuntos.


Em relação à segunda, Obama contorce-se entre a vontade de se envolver o menos possível (hit and run) e a necessidade de fazer algo de credível, sob pena de se ridicularizar.


De mãos atadas por terceiros e num beco sem saída por sua própria iniciativa, a Obama falta-lhe a coligação, o mandato, o plano, a racional estratégica para o ataque e a vontade. Tem o pretexto e os tambores quand même.




2- “Uma linha vermelha, para nós, é quando começarmos a ver um monte de armas químicas a ser movimentadas ou utilizadas”. A forma aligeirada, para não dizer bacoca, como Obama aborda esta questão, diz bastante sobre a forma pouco consciente e responsável como ele estabeleceu a red line que hoje o persegue. Então a expressão “a whole bunch” (um monte de), é uma preciosidade de precisão métrica e de elevação retórica!

4 comentários:

Sérgio Lira disse...

... e parece que ainda há uma coisa assim tipo gasoduto ou parecido que lá atravessa a Síria de lado a lado.

Este Obama saíu melhor que a encomenda! o que prometeu fazer, não fez e o que prometeu não fazer... fez! só lhe faltava uma guerrazinha para o quadro estar completo. Et voilá!

Joaquim de Freitas disse...

"Post" claríssimo e conclusão na qualidade do costume, Caro Sr. Miguel Ribeiro. Estou de acordo com tudo. A triste realidade é que, no caso da Síria, não existe uma boa solução, para os EUA ou para os outros. Não há nenhum motivo válido para agravar uma situação ultra delicada. Ela agravar-se-à sozinha e piorará de maneira inimaginável se Assad cai. E isto porque ninguém sabe quem são os "rebeldes", salvo que são tudo excepto uma força unida e coerente. Nem sabemos se entre eles existem alguns com projectos dignos de serem apoiados. Há muitos grupos rebeldes que têm cada um os seus próprios interesses, dos quais, a maior parte, são mortais para os outros grupos, para os vizinhos e para o mundo inteiro!

O que complica o espirito de muita gente é o facto que se falarmos no absoluto, ver-nos livres de Assad seria uma boa coisa, como o foi de Saddam Hussein. Infelizmente não existe nada no absoluto. E a equipa Obama/Kerry não enxerga melhor que a equipa Bush/Cheney ! A teoria comum às duas equipas é que eles são capazes de controlar a realidade e de determinar a saída do problema, o que é um orgulho desmedido e loucura.

Porque apesar da destruição demente que a guerra no Iraque causou a todas as partes empenhadas no conflito, as conseqüências indefensáveis são que hoje temos um Iraque que sofreu e que continua a sofrer muito mais que se Saddam tivesse ficado no poder.

Vejo bem em certas reacções que existe numa certa parte da opinião uma necessidade irracional de "fazer algo" . Mas vamos lá explicar aos Sírios que é preciso bombardear e matar mais Sírios ainda ! Como se tivéssemos bombas que seleccionam as vitimas, os maus dum lado e os bons do outro!

E sabe, Caro Sr. Miguel Ribeiro : Por vezes os Americanos enervam-me soberanamente: Quando Kerry diz que as armas químicas são uma "obscenidade moral", ele esquece que o urânio "pobre" resta um metal pesado toxico que pode dar a morte. Os EUA e outros países utilizaram e continuam a utilizar armas de urânio "pobre"! (Não sei se é assim que chama em Português o "uranium appauvri). Urânio deste tipo contamina ainda hoje certos países dos Balcãs até ao Iraque.
Vir cá falar de "obscenidade moral", neste caso, destina-se a aniquilar a razão em vez de a esclarecer. Sobretudo quando o mesmo secretário de estado acha que a guerra ilegal do Iraque foi uma boa idéia!
Enfim, não esquecer que em 2009, na operação "Chumbo Endurecido", lançada por Israel contra Gaza, estas armas de urânio mataram mais de 1400 pessoas, incluindo muitas crianças. O mundo reagiu?
E os milhões de litros de agentes "laranja" lançados pelos EUA no Vietnã, com efeitos devastadores sobre as populações e a natureza, alguém se indignou ?
Serão os EUA os mais bem indicados para dar lições de moralidade aos outros?
Mais uma vez, salvo amnésia, é preciso constatar que as nossas "exemplares democracias" ocidentais a geometria variável exercem ainda e sempre a detestável justiça de dois pesos e duas medidas, ultrajando todo principio de verdadeira justiça, aplicada a todo mundo e de maneira eqüitativa.

Espero mesmo assim que o Prémio Nobel da Paz não vai acrescentar o seu "imprimatur" na Síria.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,

A mim o Obama nunca enganou, como se pode ler no post que publiquei imediatamente antes da sua primeira eleição.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Joaquim de Freitas,

Pois é. É curioso ver quem tanto criticou Bush seguir-lhe na senda. E Bush ainda podia alegar prosseguir um interesse americano na reformatação do Médio Oriente. Hoje é quase impossível alegar tal.

P.S. É urânio empobrecido.