28 agosto, 2013

Setil - Retrato de um Portugal Deserto

SETIL
UM RETRATO DE UM PORTUGAL DESERTO

 
No passado dia 26 de Agosto, o comboio em que seguia de Lisboa para o Porto parou na estação de Setil. Ou melhor, na abandonada estação de caminhos-de-ferro de Setil. Tinham caído canas sobre uma catenária que precisava de reparação. Ali ficámos durante 65 minutos.


O Inter-Cidades parado na abandonada estação dos caminhos-de-ferro de Setil (Cartaxo).


Setil é uma estação no meio do nada. Vêem-se meia dúzia de edificações abandonadas ou mesmo arruinadas, mais 3 ou 4 que poderão ser habitadas. Contudo, uma breve pesquisa posterior, mostrou que Setil é uma estação antiga, datada de 1903 e que desempenhava um papel importante como entroncamento entre a Linha de Vendas Novas e a Linha do Leste, inaugurada em 1858!


O infeliz destino de Setil, que a inopinada avaria me fez conhecer, levou-me a pensar mais uma vez na desertificação de vastas regiões de Portugal, de que Setil, inserida no concelho do Cartaxo nem será o exemplo mais flagrante e dramático.


O pretexto para a retirada de serviços públicos é frequentemente a sua menor utilização em virtude do esvaziamento demográfico. No entanto, a inversa também é verdadeira: uma vila, ou uma região destituída de serviços públicos perde atracção e convida ao êxodo dos que lá ainda vivem.


Não sou defensor de despesas estatais supérfluas. Todavia, o Estado tem de assegurar a sua presença por toda a mancha territorial e não pode retirar-se de inúmeras regiões do país sob pretexto orçamental. O êxodo dos serviços estatais ou para-estatais é assustador: hospitais, escolas, centros de saúde, postos da GNR, estações dos CTT, estações dos caminhos-de-ferro, linhas ferroviárias, quartéis do Exército, repartições públicas.


Tem de haver um equilíbrio entre uma despesa pública sustentável e a desertificação de grande parte do país. Este é um dever de que o Estado não se pode abstrair.


Voltando a Setil, passeando pela estação encerrada no início de 2011, eu e um funcionário da CP fizemos uma descoberta: uma ventilação a funcionar; depois outra: luzes acesas; e ainda mais outra: aparelhos de ar condicionado a funcionar.


Estado miserável. Nem apagar a luz e fechar a porta é capaz de fazer com competência.


As pessoas partiram há dois anos e meio, mas as luzes permanecem acesas.

 

Os aparelhos de ar condicionado e a ventoinha em pleno funcionamento numa estação semi-arruinada.

9 comentários:

Sérgio Lira disse...

Luz e ar condicionado que todos pagamos, bem entendido.

A política de destruição da rede ferroviária é d etal modo óbvia que não me parece haver nenhuma desculpa de "mal-entendido" que a permita desculpar. Primeiro alteram-se os horários de tal forma que os que sobram não interessam a ninguém; depois argumenta-se que as linhas não têm utilizadores; finalmente encerram-se os serviços e, por epílogo, destroem-se materialmente as vias férreas.

Isto tem sido feito sistematicamente, por todo o país (um dos casos mais escandalosos será a linha do Douro até Barca d'Alva - mas muitos outros há).

Esta volúpia "privitizacionista", esta manobra imensa de reduzir o Estado a um nada (que apenas serve os interesses imediatos dos que dele se apossaram) está já muito para lá da mania, da birra: já é taradice, já é obscenidade...

Estella disse...

Todos os dias, por motivos uns mais relevantes que outros, nos vamos apercebendo da inutilidade dos nossos governantes, autênticos criminosos da nossa economia. A cumplicidade e despudor são vergonhosos. Não só não há o mínimo respeito pelo que é de todos, como ainda culpam os funcionários públicos pela situação em que se encontra o País. Ainda que nos saqueassem o vencimento todo (lá chegaremos!), nunca, mas nunca pagaremos a dívida. Porque os vampiros, apesar de nos sugarem o sangue nunca estão saciados.
Qualquer dia, o nosso País não passará de uma imensa memória, despovoado, a lembrar o farwest americano com as suas cidades fantasmas... E pensar que somos a Nação mais antiga da Europa!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,

A destruição do caminho-de-ferro é um duplo crime:
1- Liquida-se um meio de transporte não poluente e considerado o mais seguro.
2- Vai-se sangrando as regiões mais desprotegidas de Portugal.

É indesculpável.

Rui Miguel Ribeiro disse...

EStella,

Tem tanta razão... :-(

Dicas disse...

Os aparelhos do ar condicionado estão sempre ligados para manter sempre a sala a uma determinada temperatura por causa do servidor...e nesta terrinha ainda vivem cerca de 30 pessoas....velhos novos e crianças

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Dicas,

Obrigado pela..dica :-)

Eu escrevi baseado no que vi e no que ouvi de vários funcionários da CP.

Agora se me diz que há um servidor que ainda serve, o caso muda de figura, embora não justifique as luzes acesas, nem ponha em causa a essência do post.

Finalmente, eu não disse que a aldeia de Setil estava abandonada, apenas descrevi o que vi da ponte pedonal que atravessa a via férrea.

Agradeço o seu interesse pelo meu Blog!

susy disse...

Muito boa tarde venho por este meio mostrar a minha pro fum da triste por saber que o Setil se encontra em tal estado de abadano pois vivi la por muitos anos e tenho muitas memorias tanto da pequena escola que la existia como da própria estação e tris te ver um lugar que já teve tanta vida e pessoas abandonado por causas tão …. Nem sei o que descrever.
Tenho muitas fotas dos tempos em que o Setil era um lugar cheio de vida e uma vez mais só posso lamentar o fato de estar praticamente abandonado.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cara Susy,

Nem sei o que lhe diga: vivemos num país em que se abandona e despreza terras e gentes como se fossem objectos descartáveis.

Embora agradeça a sua visita ao meu blog, lamento que o conteúdo lhe tenha causado tanta tristeza e nostalgia.

Anónimo disse...

Susy

Pode divulgar fotos desse tempo