O PÓS-REFERENDO
A Assembleia da República está a ultimar a nova legislação sobre o aborto, consagrando a liberalização do aborto até às 10 semanas, consoante o resultado do Referendo do dia 11 de Fevereiro.
Previsivelmente, o assunto foi assumido por uma frente de esquerda constituída por PS, PCP e BE, que legislaram em conjunto e em exclusivo.
Igualmente de forma previsível, estes partidos rejeitaram quaisquer medidas que pudessem constituir um elemento dissuasor da prática do aborto.
Até aqui, tudo normal, dado que foram os partidos que lutaram pelo Sim no Referendo e há muito tinham feito da liberalização do aborto um cavalo de batalha.
Surpreendentemente, Deputados do PSD que votaram Sim e por ele fizeram campanha, manifestaram-se chocados por não terem sido convidados a participar ma formulação da lei e pela recusa da frente de esquerda em introduzir o aconselhamento obrigatório de cariz dissuasor à grávida.
Sem pôr em causa a opção de voto de cada um, as pessoas do PSD que integraram movimentos sócio-políticos a favor do Sim, eram uma espécie de corpos estranhos que serviam de showcase da abrangência do Sim, e cuja utilidade terminou no dia do Referendo. A partir daí, era óbvio que a frente de esquerda iria tomar as rédeas do processo e não teria nenhum interesse em partilhar os louros da liberalização. Aqueles que hoje estão chocados, ou foram ingénuos, ou procuraram um protagonismo que, naturalmente, não lhes foi dado. Que sirva de lição.
Não obstante, 21 dos 75 Deputados do PSD votaram a favor da nova lei. Custa a compreender que, depois de terem considerado o projecto radical, ainda tenham votado a favor. Apesar da questão de consciência que aqui está presente, não deixa de ser relevante o facto de 28% do Grupo Parlamentar do PSD ter votado ao arrepio do sentido de voto da grande maioria da sua base social de apoio. Que sirva de tema de reflexão.
P.S. O tema do Referendo foi abordado anteriormente neste Blog no dia 08/02/07: “Referendo”
10 comentários:
Sendo eu um defensor do NÃO no referendo, mas sendo também (e acima de tudo) um defensor da Democracia, aceitei a vontade da maioria nas urnas!
Apesar de não ser vinculativo, acho que havia mandato para legislar a DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ ATÉ ÀS 10 SEMANAS, e não a LIBERALIZAÇÃO DO ABORTO!!!
Depois de confrontados os argumentos, encerrada a campanha e tendo vencido o SIM, a minha opinião é que havia uma larga plataforma de consenso, nomeadamente na "não penalização da mulher" e nos "perigos do aborto clandestino".
Mas, mais uma vez, achou-se que eram os argumentos radicais que eram os que haviam vencido... nada de mais errado!!!
Logo na noite eleitoral e no dia subsequente, as opiniões dos "vencedores" divergiam... ora era a lei alemã a inspiradora, ora deveria ser uma lei "inovadora", talvez para mostrar aos nórdicos que quando convém somos nós a (tentar em vão) dar o exemplo...
O que é certo é que se deu um cheque em branco aos defensores do SIM... e, meus amigos, já sabíamos o que esta maioria faz com cheques em branco...
Havia a possibilidade de fazer uma lei com que se identificassem grande parte dos 2 lados… mas avançou-se para a radical… para a do “negócio”…
Haja bom senso legislador, nesta (já vai tarde) e noutras matérias!!!
Chama-se a isto "mau perder"?
PVM
Lamento não concordar. Acho sinceramente que é "MAU GANHAR" socialista!
Paulo: Não, não é mau perder. Como já deixei claro nos "comments" ao meu post anterior "O Referendo", e usando uma expressão que te será cara, perdi com tranquilidade.
Embora seja, para mim, claro, que o resultado do Referendo abriu as comportas ao fervor da esquerda militante radical, o que eu critico no post, é o comportamento de duas dezenas de Deputados do PSD que, como se viu, eram irrelevantes para o desenlace parlamentar deste problema. Apenas isso.
João: Também acho que o PS "não precisava" de ir na corrente do PCP e do Bloco, mas o amorfo Grupo Parlamentar socialista terá sentido necessidade de dar um rebuçado à ala jacobina do Partido, triturada no dia a dia da governação socrática.
Uma coisa é liberalizar o aborto, outra bem diferente é facilitar o aborto. Acho que o Estado tem o dever de tentar dissuadir a consumação do aborto, sem o impedir (dentro das 10 semans).
Cristina
Que a minha opinião quanto a questões de aborto é mais que conhecida, bem verdade o é. No entanto, e tendo esta questão sido debatida numa das saus aulas o facto de achar-mos o "vinculo" do referendo uma quase idiotice, dado que por exemplo numa eleição presidencial basta uma única pessoa votar, para que uma maioria absoluta seja obtida! Quanto à questão da alteração da lei virá não penalizar as mulheres pela realização de aborto (que era o que as duas facções, o sim e o não, tanto reivindicaram), ou seja despenalizar a interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas com consentimento da mulher, mas por outro lado, não o está a liberalizar… Como é lógico que teremos uma lei mais permissiva, mas não obrigatória, ou seja ninguém será obrigado a realizar uma interrupção da gravidez se não for do seu agrado!
João: Eu também acho que se podia/devia, respeitando o resultado do Referendo, não fazer aprovar uma legislação que quase se pode qualificar de abortista. Contudo, nunca tive ilusões quanto à dicotomia despenalização v liberalização. Tratava-se de despenalização=liberalização, porque sem pena não ofensa e sem ofensa há liberalização. O que devia ter sido perguntado era se se devia terminar com a pena de prisão, o que permitiria susbtitui-la por outra mais "ligeira", mantendo-se a "reprovação" do aborto e retirando-se a penalização excessiva. Mas, como tu dizes, com a maioria de esquerda à rédea solta, nda de bom se pode esperar.
Cristina: São, naturalmente, coisas diferentes. Eu penso que o Estado nem devia liberalizar, mas muito menos devia facilitar o aborto.
António: É óbvio que ninguém é obrigado a abortar, mas a liberalização existe na medida em que à realização do aborto não corresponde qualquer tipo de sanção ou penalidade, seja qual for o motivo (ou a falta dele) para abortar.
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