26 novembro, 2013

Soares, a Violência e o Direito

SOARES, A VIOLÊNCIA E O DIREITO

 
Aqueles que me conhecem sabem que não gosto de Mário Soares. Nunca gostei. Foi um mau Primeiro-Ministro, foi um Presidente da República sectário (partidariamente falando), é vaidoso, é vingativo e politicamente é pouco fiável: socialista, esquerdista, foi dos primeiros a “meter o socialismo na gaveta”. Com a mesma destreza com o que meteu na gaveta, foi lá buscá-lo já neste século, quando a saída dos cargos e o soprar dos ventos lho aconselharam. Se se pode aceitar que, como Soares disse auto-justificando-se, que “só os burros é que não mudam”, não é menos verdade que só os chico-espertos e oportunistas é que mudam ao sabor das circunstâncias e conveniências.


Posto isto, considerar a intervenção de Soares na Aula Magna como um incentivo e um apelo à violência fica algures entre o ridículo e a imbecilidade. Dizer isso é mais um exercício daquela política pequenina e mesquinha em que os actores se agarram como náufragos a uma frase, a uma expressão do opositor e lhe atribuem os mais nefandos desígnios a partir das interpretações mais convenientes, tentando derrotar ou ridicularizar o opositor.


Um colega e amigo meu, o Sérgio Lira, há dois anos que diz e escreve que as políticas cegas e injustas do Governo empurram largos segmentos da população para situações de desespero e necessidade que as levarão (ou poderão levar) à revolta violenta. Eu sou mais céptico, mas não excluo a possibilidade. Contudo, nem eu, nem o Sérgio, nem outro que conheço andamos a distribuir panfletos pela vizinhança a organizar o saque de edifícios públicos, ou a planear o espancamento de alguns dos facínoras que tomaram o poder no país.


Fazer uma previsão, ou uma educated guess, não significa de todo um incitamento à violência. Se assim fosse, algumas das minhas análises e previsões no âmbito da Geopolítica já me tinham levado a Haia, ao Tribunal Internacional de Justiça.


O que move Soares não é a agitação das massas no sentido da violência. O que o move é:


* A ideologia socialista que ele desengavetou.

* Uma genuína repulsa pelas políticas que vêm sendo implementadas (naturalmente já se olvidou do que fez entre 1983 e 1985).

* A oportunidade de protagonismo e liderança que as circunstâncias lhe proporcionam.

* O seu ódio pessoal e político por Cavaco Silva, que o derrotou/esmagou duas vezes nas urnas (1985 e 2006) e outras duas ao PS sem Soares (1987 e 1991).

* Retocar a sua imagem e o seu lugar na história. Afinal, as últimas imagens são frequentemente as que ficam….


O que Soares disse na Aula Magna foi uma mera previsão em jeito de aviso, como vários outros fizeram antes e nem sequer é algo disparatado ou destituído de sentido. Dizer que ele apelou à violência é o mesmo que afirmar que ao exigir a demissão do Presidente da República e do Governo estava a apelar à realização de um golpe de estado. O que mais se diga são contorcionismos de apparatchiks, demasiados ocupados com a violência, essa sim real e dolorosa, que exercem sobre os Portugueses.

 
 

P.S. Os protestos de virgens ofendidas que alguns políticos e governantes fizeram a propósito do protótipo de invasão da Assembleia da República por polícias manifestantes e a ameaça gravíssima que tal constituiria para o Estado de Direito, é risível. Há muito tempo que só com muita boa vontade e uma valente dose de ingenuidade é que se pode designar o Estado Português, que atropela os direitos, estilhaça as legítimas expectativas e extorque os cidadãos, como sendo de direito. Vindo o clamor quem elevou o atropelo, o desrespeito e o confisco dos Portugueses ao nível de prioridade governativa, dá mesmo vontade de ser violento!

 
 

Post relacionado »»» Violência e Violência, publicado em 15/11/2012 em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012/11/violencia-e-violencia.html

10 comentários:

Defreitas disse...

Carta Aberta João Mentecapto César das Neves)

Meu Caro João,

Ouvi-te brevemente nos noticiários da TSF no fim-de-semana e não acreditei no que estava a ouvir.

Confesso que pensei que fossem “excertos”, fora de contexto, de alguém a tentar destruir o (pouco) prestígio de Economista (que ainda te resta).

Mas depois tive a enorme surpresa: fui ler, no Diário de Notícias a tua entrevista (ou deverei dizer: o arrazoado de DISPARATES que resolveste vomitar para os microfones de quem teve a suprema paciência de te ouvir). E, afinal, disseste mesmo aquilo que disseste, CONVICTO e em contexto.

Tu não fazes a menor ideia do que é a vida fora da redoma protegida em que vives:
- Não sabes o que é ser pobre;
- Não sabes o que é ter fome;
- Não sabes o que é ter a certeza de não ter um futuro.

Pior que isso, João, não sabes, NEM QUERES SABER!

Limitas-te a vomitar ódio sobre TODOS aqueles que não pertencem ao teu meio. Sobes aquele teu tom de voz nasalado (aqui para nós que ninguém nos ouve: um bocado amaricado) para despejares a tua IGNORÂNCIA arvorada em ciência.

Que de Economia NADA sabes, isso já tinha sido provado ao longo dos MUITOS anos em que foste assessor do teu amigo Aníbal e o ajudaste a tomar as BRILHANTES decisões de DESTRUÍR o Aparelho Produtivo Nacional (Indústria, Agricultura e Pescas).

És tu (com ele) um dos PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS de sermos um País SEM FUTURO.

De Economia NADA sabes e, pelos vistos, da VIDA REAL, sabes ainda MENOS!

João, disseste coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “A MAIOR PARTE dos Pensionistas estão a fingir que são Pobres!”

Estarás tu bom da cabeça, João?

Mais de 85% das Pensões pagas em Portugal são INFERIORES a 500 Euros por mês (bem sei que que algumas delas são cumulativas – pessoas que recebem mais que uma “pensão” - , mas também sei que, mesmo assim, 65% dos Pensionistas recebe MENOS de 500 Euros por mês).

Pior, João, TU TAMBÉM sabes. E, mesmo assim, tens a LATA de dizer que a MAIORIA está a FINGIR que é Pobre?

Estarás tu bom da cabeça, João?

João, disseste mais coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “Subir o salário mínimo é ESTRAGAR a vida aos Pobres!”

Estarás tu bom da cabeça, João?

Na tua opinião, “obrigar os empregadores a pagar um salário maior” (as palavras são exactamente as tuas) estraga a vida aos desempregados não qualificados. O teu raciocínio: se o empregador tiver de pagar 500 euros por mês em vez de 485, prefere contratar um Licenciado (quiçá um Mestre ou um Doutor) do que um iletrado. Isto é um ABSURDO tão grande que nem é possível comentar!

Estarás tu bom da cabeça, João?

João, disseste outras coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “Ainda não se pediram sacrifícios aos Portugueses!”

Estarás tu bom da cabeça, João?

Ainda não se pediram sacrifícios?!?
Em que País vives tu, João?
Um milhão de desempregados;
Mais de 10 mil a partirem TODOS os meses para o Estrangeiro;
Empresas a falirem TODOS os dias;
Casas entregues aos Bancos TODOS os dias;
Famílias a racionarem a comida, os cuidados de saúde, as despesas escolares e, mesmo assim, a ACUMULAREM dívidas a TODA a espécie de Fornecedores.

Em que País vives tu, João?

Estarás tu bom da cabeça, João?

Mas, João, a meio da famosa entrevista, deixaste cair a máscara: “Vamos ter de REDUZIR Salários!”

Pronto! Assim dá para perceber. Foi só para isso que lá foste despejar os DISPARATES todos que despejaste.

Tinhas de TRANSMITIR O RECADO daqueles que TE PAGAM: “há que reduzir os salários!”.

Afinal estás bom da cabeça, João.

Disseste TUDO aquilo perfeitamente pensado. Cumpriste aquilo para que te pagam os teus amigos da Opus Dei (a que pertences), dos Bancos (que assessoras), das Grandes Corporações (que te pagam Consultorias).

Foste lá para transmitir o recado: “há que reduzir salários!”.

Assim já se percebe a figura de mentecapto a que te prestaste.

E, assim, já mereces uma resposta:

- Vai à MERDA, João!

Um Abraço,
Carlos Paz

Sérgio Lira disse...

Ora com sou citado (e nem que o não fosse...) não poderia deixar de comentar tão acertado post, Rui.

1 - de facto tenho dito que, com olhos de historiador, não vejo bom trajecto a ser trilhado; tenho dito, e repito, que se se não arrepia caminho (e depressinha!) antevejo um mar de sangue - assim foi sempre que a pressão exercida por poucos sobre muitos excedeu certos limites (vejam-se as revoltas e revoluções de finais da Idade Média, ou a convulsão brutal dos finais do século XVIII, só para citar duas geograficamente próximas). Isto não é apelar à violência – quando o quero fazer faço-o de modo explícito – é dizer que estes imbecis não têm visão histórica (como aquela Camelo ostentava) e que a falta dessa visão longa e profunda (veja-se o que tem escrito nos últimos tempos Adelino Maltez...) os impede em absoluto de perceber o que se passa á sua volta: antrolhados pela própria ignorância.

2 – tenho de Soares uma opinião “bipolar”: é um dos (senão o) políticos portugueses mais astutos e com maior sentido da política, ao mesmo tempo que é um dos (maiores) responsáveis por algumas das (maiores) asneiras que se fizeram de 1976 até hoje – mas, e é um grande “mas” – as inqualificáveis actuações de Sócrates (primeiro) e de Passos (depois, e em muito pior grau) relegam os pecados políticos de Soares para um patamar de quase brincadeira de crianças...

3 – finalmente, quem tenta ver um apelo à violência no que o vetusto Soares disse só merece uma resposta – que já publiquei e que aqui me permito reproduzir (dirigida a Paulo Portas, mas serve para qualquer um):

«Violência, meu caro, é o que este Governo tem exercido sobre uma população pacífica, 365 dias por ano; violência, meu caro, é o esbulho fiscal a que estamos sujeitos, e com que o CDS é conivente depois de o ter denunciado e jurado não praticar; violência, meu caro, é ter que aturar os mais "altos" membros do Governo a desdizerem-se, a tomarem decisões "irrevogáveis" que afinal são revogáveis ao sabor do cheiro do poder; violência, meu caro, é o desrespeito sistemático, continuado e doloso pela Constituição da República, pelo Contrato Social, pela Lei, pelo Estado de Direito e pela Pátria (amada por nós, desditoso por vós, sicários do Regime democrático); violência, meu caro, é ter que vos aturar, todos os dias, depois de terem assaltado o Estado sob falsas promessas, sobre mentiras descaradas, sobre falsidades sem número. Isso é violência. Resistir a essa violência é legítimo e necessário.
Suum Cuique».

...e ainda acrescento mais uma: violência é ter que levar, todo o Santo dia, com as alarvidades, as imbecilidades, as burrices, as ignorâncias extremas que o inapto que ocupa o topo do (des)governo verborreia continuadamente – como aquela última acerca da justiça penal e da defesa (óh abeculidade suprema: então e o Tribunal de Haia – que o Rui cita, mas que pelos vistos tu desconheces – e aquela coisa a que pertencemos há mais de uma pipa de anos e que dá pelo nome de NATO??? aí não há “partilha” de soberania? arre, que é burro!)

Sérgio Lira disse...

Falta dizer uma coisinha, assim pequenina e insignificante... é que Sua Santidade disse, urbi et orbi, quase a mesma coisa que Mário Soares: não aplicada especificamente a Portugal, mas que lhe serve como uma luva! Não querem lá ver que na visão dos nossos católicos domésticos o Papa também anda a apelar à violência?!?! opááá! temos Papa!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira,

Não sei quem é o Carlos Paz, mas a carta é muito boa. Violentamente boa, para quem merece. Enquanto Católico acho vergonhoso que um auto-nomeado arauto da Igreja possa expelir tais aleivosias. Este sim, arrisca-se a incentivar a violência.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,

Obrigado por teres aceite "entrar" neste post.

Em relação ao comentário só posso dizer: nem mais.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio e Sr. Freitas Pereira,

Claramente, o Papa e o César das Neves não lêem pela mesma cartilha :-)

Sérgio Lira disse...

Rui: relativamente ao teu último comentário (que o Papa e o abonimável homem "das Neves" não leem pela mesma cartilha) só consigo pensar numa expressão - que me nem é comum, como tu sabes:

GRAÇAS A DEUS!

Defreitas disse...

Senhor Rui Miguel Ribeiro obrigado pelas sua palavras amigas em respeito ao meu Pai, que foi também , para mim, um grande Mestre, e que repousa agora à sombra dos Alpes.

Sobre o tema da violência potencial na situação que é aquela que conhecemos não só em Portugal como no resto da Europa, permito-me de utilizar mais uma vez o seu espaço, com este texto que publiquei algures.

Chegamos a um momento na vida da Nação Portuguesa, em que é preciso ter presente no espírito, que não somos só responsáveis do que fazemos mas igualmente do que deixamos fazer.
Creio que foi Kierkegaard que disse, que não se pode compreender a vida que olhando para trás, mas que não se pode vivê-la que olhando para a frente.

Como todos os seus predecessores, os ministros do governo actual têm na boca uma só expressão : " feuille de route " (Norma de conduta ou Guião ) ! A Troïka passou por S.Bento...
Mas ao contrário "dos caminhos que levam todos a Roma", a norma de conduta actual não leva a lado nenhum..

O papa Francisco disse-o recentemente, porque o teme. A historia de hoje leva a pensar que a revolta é uma das dimensões essenciais do homem. Ela é a nossa realidade histórica. No sofrimento que é infligido quotidianamente ao povo, a revolta é como a ária da calunia na opera do" Barbeiro de Sevilha", de Rossini : ela cresce, cresce, propaga-se surdamente para rebentar estrondosamente um dia. Esta evidência tira o individuo da solidão. "Cogito ergo sum" : Penso portanto sou. Revolto-me, portanto somos. Cuidado!

A não ser que não se ligue nenhuma ! Como hoje! E um dia, acontecerá como naquele teatro onde o fogo se ateou nos bastidores. O bobo veio avisar o público. Toda a gente pensou que era uma brincadeira e aplaudiram-no : ele repetiu, os aplausos redobraram . Tudo ardeu e os homens também.

Será assim, penso, que o mundo se arrisca de desaparecer na alegria geral das pessoas espirituais persuadidas que se trata duma brincadeira.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira,

Não tem que agradecer. Que Deus o tenha!

Quanto ao resto, não tenho mais a acrescentar: a sua erudição disse tudo com categoria. Obrigado!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é Sérgio, against all odds, Deus existe :-)