CONFIDÊNCIAS
E CONFISSÕES II
As Relações
Internacionais são uma paixão para mim. É uma paixão que vem de longe: ainda
adolescente, aos 12/13 anos lia “O Primeiro de Janeiro”, o jornal que os meus
Pais, a minha Avó materna e o meu Avô paterno compravam diariamente. Eram três
as secções que sorvia com avidez: as tiras de BD, o “Desporto” e o “Internacional”.
No 10º ano, no âmbito
da disciplina de Jornalismo, criámos um jornal escolar para o qual escrevi um
artigo prevendo a vitória de Ronald Reagan sobre James Carter nas Presidenciais
Americanas; apesar do cepticismo (e esquerdismo) da professora, 6 meses depois
os factos deram-me razão.
Desde então, eu e as RI
andámos quase sempre de braço dado: na escolha do curso superior (em segunda
instância, confesso), na escolha da profissão (Professor na área de RI), no
doutoramento, na actividade política parlamentar (Comissão de Defesa e
Assembleia Parlamentar da NATO).
Actualmente, privado
das aulas (outra paixão), este blog é o vector de partilha dos meus conhecimentos,
pensamentos e opiniões sobre as Relações Internacionais. É certo que não me
proporciona os momentos de partilha “ao vivo e a cores” inerentes às aulas até
porque, se as visitas são muitas, o feedback directo (comentários) é
relativamente reduzido, mas é o melhor sucedâneo que consigo encontrar.
Frequentemente, uma boa
parte do dia que está descomprometida é passada a ler e pesquisar sobre RI, a
História e a actualidade. O que acaba por ser vertido em Tempos Interessantes é uma parte
quantitativamente menor do que é lido e analisado mas será, porventura, a
melhor parte.
O blog permite-me romper o isolamento da minha
biblioteca e aparecer às pessoas sob a forma de textos e de mapas e é uma prova
de vida de quem, apreciando a solidão, não quer ser um eremita.
Tempos Interessantes e as Relações
Internacionais são paixão, missão e devoção. Dão-me gozo.
6 comentários:
Ainda bem que encontraste esta forma de te comunicares: é bom para ti e para os que te lêem. Falas do que sabes e mantens os teus leitores informados e esclarecidos sobre o jogo incomensurável da política internacional. Pena que não tivessem sabido aproveitar o trabalho de quem é competente.
Caro Sr. Rui Miguel Ribeiro
Achei "muito interessante" esta confidência. E não pude evitar de fazer uma comparação da evolução do jovem de 10 anos que foi, com a dum outro jovem de 10 anos que fui, na mesma terra mas numa outra época. Os acontecimentos das duas épocas não foram os mesmos e, talvez a par duma classe social diferente, porque me recordo da sua família, isso foi determinante para a orientação politica de cada um.
Eu era filho de operários humildes. Tinha 10 anos em 1943 e, nessa época, sendo o mais velho dos cinco filhos ia para a "bicha" do pão às 5 horas da manhã, porque os meus Pais trabalhavam. Aos 11 anos, a escola primária acabada, comecei o curso comercial da noite na Francisco de Holanda. De dia, trabalhava como marçano numa vidraria-drogaria da rua da Rainha, pertencente a um republicano dos quatro costados: O Sr. José Fernandes Guimarães. "Pesquei" na sua biblioteca alguns livros que me ensinaram como a monarquia tinha acabado tragicamente, depois duns anos de escândalos, para ceder o lugar à Republica em 1910.
O meu Pai também lia o "Primeiro de Janeiro". Mas também assinava o semanário "O Mundial" e a "Republica". Além do "Avante" que lá chegava a casa por meios ilícitos e perigosos, que um dia o obrigaria ao exílio politico no estrangeiro.
Durante a guerra, de 1940 a Abril de 1945, depois da escola, tinha uma tarefa em casa, enquanto ele trabalhava (era sapateiro): - Ler ao meu Pai os comunicados de guerra dos aliados e dos alemães. Num grande mapa da Europa pregado numa parede, o meu Pai mandava-me indicar com umas agulhas, tal um estratega, a progressão dos campos de batalha da frente de leste e do oeste, e regozijava-se à medida que os aliados e os russos se aproximavam de Berlim. Já sonhava do dia em que iria com outros partir os vidros do propagandista da rua de Santo António, que fazia a propaganda nazi, com fotos das batalhas, sempre aldrabadas, mas Portugal era neutro e ele tinha o direito de apregoar as teorias nazis. Mas que não mostrava fotos de Buchenwald ou Auschwitz.
O Sr. Rui Miguel ainda não tinha nascido, quando a guerra acabou. Hitler tinha morrido. Os aliados (EUA, UK, França) e a Rússia tinham partilhado em Yalta esta velha Europa, mortificada, destruída, mas já se podiam ver no horizonte as primícias da guerra-fria que a destabilizariam mais tarde. A cortina de ferro descia até Viena e Berlim. Berlim, ilhéu num oceano vermelho seria partilhada em 4 partes desiguais.
Duas vitrinas iam opor-se durante anos.
Dum lado uma promessa de socialismo, mas que nunca passou do comunismo, colectivo e ditatorial, pela culpa dos homens que tomaram o poder que desvirtuaram um sonho, nessa época, de mais igualdade e mais justiça. Disse bem um "um sonho" de milhões de indivíduos no mundo inteiro. A fraternidade tem por resultado de diminuir as desigualdades preservando o que é precioso na diferença. O poder imenso dos homens que chegaram ao poder transformou esse sonho em pesadelo. Uma elite perdeu o contacto do povo, e transformou-se num aparelho opressor, em nome da liberdade, decidindo de tudo o que o povo devia pensar e obter sem pensar um só instante que o povo é um poder que, quando é justamente tratado e convencido da justeza do combate é invencível. Como foi justo o sacrifício na luta contra os nazis, onde 50 milhões deixaram a vida, contribuindo assim para a recuperação da nossa liberdade.
Devo dizer, que toda a minha evolução política se fez à sombra desta época da minha vida, que vivi todos os dias até ao exílio para o estrangeiro, apesar de ter conseguido antes, uma carreira comercial de viajante para África na firma que conhece. O apelo da liberdade foi mais forte.
Do outro lado, uma vitrina financiada pela poderosa América, enriquecida pela guerra, e a quem devemos a liberdade (como a devemos também ao povo Russo), e que vai destilar em frente dos olhos dos "do outro lado", os valores do ocidente, baseados na livre iniciativa, na liberdade, nas virtudes do mercado, e um ódio feroz ao comunismo. Esta vitrina é o capitalismo.
Do mesmo modo que o seu inimigo soviético de ontem, o sistema capitalista, socialmente desastroso, ecologicamente criminoso, moralmente putrificante, fracassou. As forças do dinheiro, dominando a blogosfera graças à sua propaganda mentirosa de bem-estar para todos, escondem os impasses e os danos do "liberalismo económico" para a natureza e para o humano.
Este sistema está gasto, é corruptor dos homens, e já não corresponde ao dogma, aceitável sob certas condições, da "competição", da "concorrência", do "espírito de empresa" que existia antes no capitalismo, investidor e criador de riqueza, no momento em que o jovem Rui Miguel, com 10 anos, se interessa à eleição de Reagan! Esse Reagan que, com Margareth Thatcher são os grandes culpados da situação económica actual no mundo, com a ideologia ultra liberal que iniciaram e nos destrói todos.
Tendo feito a minha carreira internacional numa grande empresa de 300 colaboradores, de capitais americanos, numa posição de Director Geral, posso dizer-lhe que vi o sistema por dentro, Vivi-o plenamente. As reuniões do Conselho e Administração são edificantes!
Mas, ainda nesse tempo, nos anos oitenta e noventa, e tive sorte, o sistema ainda respeitava os valores de solidariedade, de empatia, de respeito dos outros e de si mesmo, tudo o que nega o sistema ultra liberal actual fundado no esmagamento, a destruição do indivíduo, a exploração, a dominação brutal.
Depois de me ler, compreenderá que as opiniões que exprimo de vez em quando neste óptimo blogue, são fatalmente impregnadas dos acontecimentos vividos em épocas diferentes . A geoestratégia das grandes potências e daquelas que, como a França, se consideram ainda como tal (basta ver como a França ocupa o vazio deixado pelos EUA no Médio Oriente, à medida que retira os seus GI do Afeganistão e do Iraque ) depois da guerra da Líbia, do Mali, e as veleidades de atacar a Síria, que os EUA não aceitaram.
Enfim, dois jovens da mesma terra, que seguiram dois caminhos diferentes, a partir de tempos diferentes, mas que hoje dialogam para lá das fronteiras. Antes de terminar, gostaria de lhe dizer que nas condições de vida criadas pelo ultra liberalismo nos nossos países, há um desastre que não perdoarei a nenhum sistema : o de sacrificar o ensino, a escola, em nome da rentabilidade financeira. Eu sei que o meu Amigo sofre precisamente dessa política maldita, porque se há um sector onde todos os esforços deve feitos é bem no campo da educação.
Perdoou ao François Hollande certas decisões recentes noutros sectores, porque considero que, ao menos nesse campo, rectificou a politica de Sarkozy, re-contratando 6.500 professores que este tinha licenciado para fazer economias!
Caro Sr. Rui Miguel Ribeiro, tenho muito para me fazer perdoar do espaço que ocupo hoje no seu blogue.
Freitas Pereira
Caríssimo Penso!
Obrigado pelas palavras tão simpáticas!!! É para mim um grande prazer que frequentes o meu blog.
Um grande abraço
Caro Sr. Freitas Pereira,
Este espaço está sempre disponível para si e agradeço o tempo que gastou partilhando comigo e com os leitores uma fantástica experiência de vida.
E tem razão. O lugar onde crescemos é o mesmo, mas o tempo e o contexto são muito diferentes. Não justifica tudo, mas explica muitas das nossa divergências. Devo dizer-lhe, contudo, que o seu ponto de partida engrandece ainda mais quem o meu amigo é e aquilo que alcançou.
Se me permite, embora fosse impensável ver o "Avante" na casa da minha família (Pais e Avós), gostaria de sublinhar que pelo que conta, o seu Pai deve ter sido um homem de grande coragem.
Bem haja caro amigo!
Enviar um comentário