30 outubro, 2013

NSA: O Espião Glutão

NSA: O ESPIÃO GLUTÃO

Foi amplamente noticiado que a Chanceler da Alemanha Angela Merkel telefonou ao presidente dos Estados Unidos indagando se tinha o telefone sob escuta.

Imaginemos o diálogo:

Merkel: Queria saber se estou sob escuta.

Obama: Está sim, escuto-a perfeitamente.


O Tom Toles deve ter lido o meu blog e criou um cartoon para eu colocar neste post: aqui temos mais um diálogo telefónico entre Angela Merkel e Barack Obama.
in “The Washington Post, by Tom Toles at

Adiante. As escutas da National Security Agency (NSA) estão novamente na crista da onda. A sucessão de notícias, relatórios e fugas de informação, transformaram a NSA numa espécie de hidrante espatifado: jorra informações de forma quase incontrolada.


Nesta altura parece evidente que a NSA recolhe informações em demasia. A NSA é mesmo um espião glutão. São demasiadas porque optou pelo método do arrastão (tudo o que vem à rede é peixe) e dessa forma incorreu em dois erros. O primeiro só a ela diz respeito: tem muitíssima mais informação do que aquilo que consegue digerir, tendo mesmo episódios em que o sistema bloqueia, literalmente entupido com dados. O segundo diz respeito a muita gente e são os dados indevidamente recolhidos pela NSA o que é grave. É grave pela ilegalidade e pela infracção do direito à privacidade e porventura outros direitos associados.


Convém frisar, no entanto, que à luz da lei norte-americana estas actividades que têm sido denunciadas só são ilegais quando os alvos são cidadãos dos Estados Unidos da América. É evidente que isso oferece pouco conforto aos que não são, mas serve apenas para dizer que só uma decisão política poderá impedir a sua continuidade ou a redução do seu escopo e abrangência.


Sendo certo que a NSA tem vindo a funcionar quase em roda livre será imperativo que os mecanismos de controlo sejam mais actuantes e tenham mais poderes. O Foreign Intelligence Surveillance Court (FISC) tem poder para travar actividades da NSA, mas não tem poderes de investigação e controle, só podendo pronunciar-se sobre o que a própria NSA apresenta e não tendo capacidade de verificar se as suas sentenças são cumpridas. Por outro lado, o Congresso tem passado em larga medida ao lado destas actividades, recebendo briefings de forma algo acrítica. A julgar por declarações de congressistas de ambos os partidos, pelo menos a componente de controlo parlamentar vai mudar.


Porém, quando falamos de espionagem de potências, estadistas, organizações e cidadãos estrangeiros as coisas mudam de figura, pois como referi, não são ilegais à luz da legislação norte-americana.


Devo, aliás, dizer que não deve haver nenhum país que considere ilegal a espionagem de potências estrangeiras. Embora compreenda a irritação e até alguma surpresa dos alvos, o choque e a indignação são eles mesmos surpreendentes. Desde quando é que aliados não se espiam? A indignação seria melhor dirigida para os serviços de contra-espionagem que, pelos vistos, foram incapazes de detectar, contrariar e eliminar as actividades de espionagem.


Quem lança a primeira pedra?


É sempre embaraçoso ser-se apanhado a espiar. Admito que o embaraço aumenta quando o espiado nos é mais próximo. É encarado como mais normal os EUA serem apanhados a espiar o Presidente da China do que o da França. Espiar os amigos e aliados é feio e semeia a discórdia no nosso seio. Mas todos os que podem fazem-no. Jonathan Pollard, por exemplo, foi sentenciado a prisão perpétua por espiar os EUA em favor de Israel.


Quem nunca tiver pecado, que lance a primeira pedra.

 


P.S. Nem de propósito. Poucas horas depois de ter escrito este post, li que o General Keith Alexander, Director da NSA, declarou na Câmara dos Representantes que milhões de chamadas telefónicas interceptadas na Europa foram-no pelos serviços secretos da França e da Espanha. Parece que a parábola bíblica da mulher adúltera e dos pecadores tem mesmo total cabimento.

 

4 comentários:

Sérgio Lira disse...

muito frufrufru por nada, penso eu de que... quem espreita às fechaduras das portas arrisca-se sempre a que lhe bufemos (com uma caneta bic vazia funciona na perfeição) cinza de cigarro para o olho... acreditem que tira toda a vontade de repetir a façanha ;)

neste caso, o mesmo: já há redes de peer2peer feitas exclusivamente para entupir a NSA de comunicações impossíveis de analisar em tempo útil; a dita NSA tem já excluído alguns desses "peer" das suas escutas, para evitar a inundação: aí está, cinza no olhinho :)

Defreitas disse...

Assistimos a um conflito frontal entre empresas transnacionais e os Estados. Estes são curto circuitados nas suas decisões fundamentais - políticas, económicas e militares - por organizações globais que não dependem de nenhum Estado e cujas actividades não são controladas por nenhum parlamento, nem nenhuma instituição representativa do interesse colectivo. Com o grande mercado transatlântico, esta constatação será a lei.

Afim de assegurar uma posição predominante neste grande mercado, os mais fortes não hesitam a espionar sem limite todas as actividades dos Estados concorrentes, do alto à base da hierarquia. Ninguém escapa ao olho da NSA.
Quando a NASA diz: " Somos obrigados a espionar porque somos uma das últimas raras superpotências do planeta"! 'Matthew Aid), isto quer dizer que, uma vez mais, o excepcionalismo americano mostra a sua horrenda cabeça e os Americanos não vêm a sua fealdade.

Os EUA devem espionar porquê? Porque a crença que domina neste pais - o sentimento americano - é que os interesses americanos são fundamentalmente diferentes dos interesses de todos os outros países do planeta. Isto é uma forma de folia, mas a folia é difícil a reconhecer quando é partilhada por todos. Quando quase todo o mundo está virtualmente atingido pelo mesmo delírio, então este delírio transforma-se na norma.

Afim de manter de maneira credível o facto de ter espionado, desde há 10 anos, o telefone de Angela Merkel, ou de não importa qual aliado, é preciso demonstrar que as vantagens dum tal acto são superiores aos inconvenientes. Eles sabem-no. E deve ser remunerador, para correr o risco diplomático. O sintoma que se encontra na base de tudo isso, e que se manifesta de mil maneiras, consiste em crer que " porque somos Americanos" constitui uma explicação racional e coerente de tudo o que fazemos.

A ideia que os Americanos são de certa maneira intrinsecamente diferentes de todos os outros povos não repousa sobra nada mas resta apesar de tudo na base de tudo o que eles fazem.
" Queremos assegurar-nos que reunimos todos os dados de que necessitamos e não simplesmente porque temos a capacidade de o fazer"! ( USA Today, Lisa Monaco assistente do presidente Obama para a Segurança Interior e o Contra Terrorismo) . Está tudo dito!

O que, para os outros povos pode parecer trágico, é que a NSA pôde espionar A.Merkel sem o consentimento nem mesmo o conhecimento de Obama! A NSA, é um Estado no Estado, um organismo gangster! A questão não é as desculpas eventuais apresentadas por Obama: é a falta de controlo que é grave.
A necessidade americana de espionar o mundo é um subproduto da sua falta de curiosidade para o resto do mundo. Os Americanos receiam o que eles não compreendem.
Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,
Isso é uma boa ideia. Tal como refiro no post, a espionagem é necessária e "faz parte". Espiar nesta escala é obsessivo e contraproducente.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira,

Creio que foi demasiado duro para com os EUA. Como já foi divulgado e já se sabia, os Franceses, Britânicos, Italianos e Espanhóis também o fizeram e fazem. Todos os que podem, fazem-no. Os Americanos fazem-no mais porque podem mais. Agora, como também já disse, estão a fazê-lo a uma escala absurda e contraproducente: quem come demais não consegue digerir e fica entupido.
Totalmente de acordo quanto à necessidade urgente de pôr uma trela curta na NSA.