24 outubro, 2013

Postas de Pescada

POSTAS DE PESCADA

 
Mandar postas de pescada, para não recorrer a outros verbos também utilizados, não é a mais elegante das expressões, mas por vezes coaduna-se com certas declarações. Surpreendentemente, ou talvez não, os sujeitos que têm metaforicamente arremessado os filetes do dito peixe, têm uma posição e status sócio-económico que faria supor intervenções mais temperadas.

 
As verdadeiras postas de pescada. Mas também há muitas das outras.


Vejamos então:


"Faz-me impressão que 15 pessoas tenham o poder de condicionar a vida de milhões de pessoas.”
Fernando Ulrich, Presidente do BPI

in RTP 1 em
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=690011&tm=9&layout=122&visual=61


Fui alertado para esta declaração pela Sandra Catarina que colocou o link no FaceBook. Nesse post (não confundir com a posta) ela também esclarecia o lançador de postas que o Conselho de Ministro era composto por 15 pessoas que afectam a vida de milhões de Portugueses, que não a dele. O Tribunal Constitucional, que era quem a destemperada criatura tinha em mente, tem 13 (treze juízes). Obrigado Sandra Catarina.


Ulrich é ignorante ou pensa que somos todos parvos. Não são os juízes do Tribunal Constitucional que condicionam a vida de milhões de pessoas. É a Constituição da República Portuguesa que traça um enquadramento legal dentro do qual os Portugueses, incluindo os membros dos órgãos de soberania podem actuar. Eu imagino que tal seja uma maçada para quem tem tiques autoritários e se julga acima da lei, mas é assim que o Estado de direito que (ainda) vamos tendo funciona. Por muito que lhe custe. Como diria o próprio, aguenta a Constituição. Aguenta.


“Portugal irá conseguir acesso aos mercados. Mas, para isso, é decisivo que não se passem algumas decisões, como houve, do Tribunal Constitucional. Acho que foram decisões complicadas que, no fundo, não têm em consideração o contexto. Os direitos devem ser olhados em função da capacidade da economia se financiar.”
António Mexia, Presidente da EDP

inPúblico” em
http://www.publico.pt/politica/noticia/antonio-mexia-acredita-que-tribunal-constitucional-pode-forcar-segundo-resgate-1606588


Esta posta foi arremessada por um desgraçado que auferiu 3.1 MILHÕES de euros em 2012. À luz dos seus rendimentos percebe-se melhor a sua teoria sobre a relatividade dos direitos. Percebe-se, mas não se aceita. Porém, se a realidade financeira do país levar a que o Estado a cobrar em sede de IRS os rendimentos superiores a meio milhão de euros anuais com uma taxa, digamos, de 90%, talvez Mexia compreendesse melhor o alcance da relatividade e em vez de pescada (ou salmão fumado) passasse a consumir carapau.


Se isto viesse a acontecer e Mexia passasse a mexilhão, então gostava de ouvir de novo a sua opinião sobre os direitos e o TC.


“Acho que tem de haver ao nível dos órgãos de soberania do país, incluindo o Tribunal Constitucional, algum pré-acordo, algum trabalho de casa, para saber como é que se reduz a despesa do Estado que é essencial.”
António Vítor Monteiro, Presidente do BCP

in RTP 1 em
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=690011&tm=9&layout=122&visual=61


Os banqueiros estão imparáveis. Este também lança o peixe na direcção do Tribunal Constitucional. Mas não é que o homem não faz ideia do que é a separação de poderes, pedra angular de um regime democrático e quer que o TC participe na formulação de um acordo sobre política orçamental? Santa ignorância.


Monteiro e Ulrich até parecem combinados: um atira-se ao TC e o outro adopta uma abordagem mais suave tentando envolver o Tribunal na governação. E ambos no afã de prosseguirem a sua agenda muito clara, proferem disparates convencidos da sua genialidade.


“O Bloco de Esquerda está a fazer um aproveitamento político de uma questão [os cortes nas pensões de sobrevivência] que é técnica e de difícil compreensão para a generalidade dos Portugueses.”
Hélder Rosalino, Secretário de Estado da Administração Pública

inJornal i” em
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/helder-rosalino-oferece-se-dar-explicacoes-deputada-fazendo-desenho


Este governante, para além de perguntar à deputada Mariana Aiveca se queria que lhe fizesse um desenho para ela perceber a temática, revelando a sua natureza grosseira, lançou a posta que os Portugueses são tão estúpidos que não percebem o que se vai passar com as pensões. É a arrogância de quem está convencido que não deve explicações a ninguém. Nem ao Parlamento, nem aos Portugueses.


É claro que os Portugueses percebem muito bem o que vai acontecer: vão ser roubados de mais uma percentagem significativa dos seus legítimos rendimentos. É claro também que quem não percebe é o Senhor Rosalino. Não percebe quem é, a quem deve prestar contas e a quem deve servir. Na realidade é um enfatuado lançador de postas que existe para subtrair dinheiro a pessoas honestas. Aliás, é o mesmo sujeito que teve o desplante de afirmar que:


“O aumento do horário de trabalho de 35 para 40 horas semanais atenua os efeitos da redução do número de funcionários públicos e torna os serviços mais eficientes. Vimos vantagem nesta evolução das 35 para as 40 horas.”
Hélder Rosalino, Secretário de Estado da Administração Pública

inJornal  de Notícias” em
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3256823


Eis que Rosalino assume a liderança com dois lançamentos de postas de pescada em 4 meses. É um verdadeiro tratante. Despede funcionários públicos e depois aumenta o horário dos que ficam para colmatar a redução de efectivos. Na linha de Álvaro Pereira, este deve ter aprendido com os industrialistas do século XIX. Talvez um horário de 48 horas semanais a partir pedra lhe fizesse bem. A bem da eficiência, é claro.

 

Sim, eu sei que os leitores se lembrarão de muitos outros exemplos, porventura com o odor a peixe podre ainda mais acentuado, mas estes são dos mais recentes e são ilustrativos.


São ilustrativos de uma classe dirigente nos negócios, na banca e na política que se caracterize por uma arrogância sem limites, por um desprezo completo pelas pessoas que labutam e sofrem para sobreviver e prover às suas famílias, que ignoram ou fingem ignorar o mundo real que é o nosso país devastado pela miséria de muitas centenas de milhares de pessoas e se pronunciam sobre assuntos de grande gravidade com a indulgência dos iluminados.


Infelizmente não são iluminados. São privilegiados que defendem os seus privilégios e não sabem do que falam. Em tempo de crise profunda, de muita dor e sofrimento, esoerar-se-ia que aqueles que têm uma situação extremamente privilegiada pudessem ajudar. Mas não são obrigados a isso. Porém, deviam ser obrigados a manter um certo recato, a ter decoro, descrição e respeito. Pelos outros; pelos concidadãos; pelas pessoas sérias.


Não têm. Não têm recato, nem decoro, nem dignidade. Preferem as postas de pescada. Têm dinheiro, status e poder, mas cheiram a peixe podre. Peixe podre é repugnante. Não presta. Eles também não.

9 comentários:

Penso disse...

Apoiado.

Sergio lira disse...

O pivete que se desprende das citações que fazes recorda-me o colorido da aldeia gaulesa, em que por causa de peixe menos fresco alguém acaba sempre por levar nas trombas... talvez seja isso que lhes falta: levar no trombil, forte e feio, para ver se perdem aquele ar enfatuado que lhes não dá o polimento - que definitivamente lhes não lhes - mas os milhões vilmente roubados. Arrotam postas de pescada mas cheiram horrivelmente a sargeta.

Anónimo disse...

Nauseabundo. Ácido. Certeiro! (…pena a pescada não ter culpa, mas quem a deixa apodrecer…).

Abraço,

Ana Paula

Anónimo disse...

O problema é que é mesmo uma peixeirada! A deles!!

obrigada pelo link

beijinhos!

Cláudia

Rui Miguel Ribeiro disse...

Obrigado Penso!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,

É mesmo isso que falta. Com peixe podre de preferência.
Ah, as peixeiradas da aldeia gaulesa tinham piada; estas postas de pescada causam repugnância.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Exactamente Ana Paula! Obrigado.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é Cláudia, mas quem sofre as consequências somos nós.
Bjs

Edite Esteves disse...

Calhou passar por aqui... partilho os meus blogs.
Mto obrigada e parabéns pelo seu. Gostei!

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