A
RENÚNCIA SAUDITA
Arábia Saudita
bem no centro do Médio Oriente. E o Irão ali tão perto….
No dia 18 de Outubro a Arábia Saudita anunciou que renunciava ao
lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o qual acabava de ser eleita para o biénio 2014/15. Em 68 anos de história, foi a primeira vez
que um Estado-Membro renunciou a um lugar no Conselho de Segurança.
Porque é que a Arábia Saudita tomou esta inusitada decisão?
Vejamos o que alegam os Sauditas. O comunicado oficial
acusa o Conselho de Segurança (CS) de falhar rotundamente na missão de trazer a
paz ao Médio Oriente. Riyadh salienta em particular a Palestina e a Guerra
Civil na Síria. Acrescenta ainda que a Arábia Saudita não integrará o CS
enquanto este não implementar reformas e se reestruturar.
Começando pelo final, pode concluir-se que uma
participação saudita no CS ficou adiada para as calendas gregas. Efectivamente,
a reforma do Conselho de Segurança está na agenda político-diplomática há mais
de 20 anos (em 1999 orientou uma tese precisamente sobre esse tema) e está tudo
rigorosamente na mesma.
A implementação da paz no Médio Oriente é um projecto
quase irreal e que está para além das capacidades do CS, mesmo que este se
empenhasse (o que não faz) de forma unida (o que não acontece) nesse desiderato.
Em relação à Guerra Civil da Síria, os Sauditas têm
razão. O CS tem-se revelado incapaz de tomar uma decisão (o que não é novo) que
imponha ou pelo menos impulsione a resolução do conflito, dividido como está
entre as posições maximalistas dos Estados Unidos, reino Unido e França e as posições
minimalistas da Rússia e da China.
O argumento mais revelador é o que diz respeito à Palestina (leia-se, conflito Israelo-Palestiniano). Digo isto porque o dito processo de paz está virtualmente
estagnado há 13 anos. Aliás, até se pode duvidar da sua existência. Tendo em conta que há muitos meses que a
Arábia Saudita desenvolvia uma aturada actividade diplomática para garantir os
votos necessários à sua eleição para o CS e senso certo que não descobriu há
apenas 10 dias o estado comatoso do processo de paz, tem de se concluir que os
motivos aduzidos expressam APENAS os pretextos e não a substância.
Para identificar a substância da renúncia saudita,
importa procurar eventos recentes que possam ter despoletado esta reacção.
Existem dois.
1- A Síria. Será talvez o único
motivo real patente no comunicado. É certo que a Guerra na Síria já decorre há
mais de 2 anos, mas os últimos desenvolvimentos foram do particular desagrado
da Arábia Saudita. O cancelamento de uma
operação militar contra a Síria por causa do uso de armas químicas eliminou a
grande esperança saudita de ver acelerada a queda de Al Assad e o triunfo dos
rebeldes. O acordo para a destruição do arsenal sírio de armas químicas
negociado entre Moscovo e Washington, aceite por Damasco e ratificado pelo
Conselho de Segurança, acabou por conferir
uma renovada legitimação internacional ao regime sírio. Prolongada a
esperança de vida do governo de Al Assad, o mesmo acontece com a forte
influência iraniana no país.
2- As negociações entre o P5+1* e o Irão e, principalmente, o reatar de negociações bilaterais entre
Washington e Teerão, terá despoletado esta decisão sem precedentes. O Irão é a
referência política do Islão Xiita e a maior potência militar islâmica no Médio
Oriente. A Arábia Saudita é o líder religioso do Islão Sunita e o líder
político e económico de uma parte significativa do mundo árabe. As relações entre
ambos são, na melhor das hipóteses, de desconfiança, na pior das hipóteses, de
hostilidade.
A
Mesquita de Meca durante o Haj, peregrinação anual que leva cerca de 2 milhões
de peregrinos a Meca, na Arábia Saudita. Esta é uma das fontes do poder e influência
da Arábia Saudita.
Desde o fim da II Guerra Mundial que a Arábia Saudita
conta com a protecção dos EUA para garantir a sua segurança e dos demais países
do Conselho de Cooperação do Golfo**. Vista do lado árabe
do Golfo Pérsico, a ascensão militar e geopolítica dos Persas, somada ao seu
programa nuclear, é encarada com justificável apreensão.
A soma da inacção dos EUA na Síria, à aproximação ao Irão, a que
ainda podemos acrescentar a política titubeante dos EUA em relação ao Egipto,
fez soar as campainhas de alarme em Riyadh:
visualiza-se um possível trade-off em que o Irão renuncia ou limita o seu
programa nuclear em troca do levantamento das sanções e do reconhecimento
americano do poder regional iraniano.
Em suma, do ponto de vista da
Arábia Saudita, conjuga-se o pior de dois mundos: um gradual disengagement dos EUA no Médio Oriente e
a ascensão do Irão a uma posição de relativa hegemonia regional. Os Sauditas encaram
a postura norte-americana como hesitante, receosa e não interventiva e sabem
que, tal como a natureza, a Geopolítica também abomina o vácuo. Se um poder se
retira, outro virá substitui-lo.
Neste cenário, a renúncia da Arábia Saudita ao Conselho de
Segurança significa um distanciamento em relação aos EUA e o lançamento de uma
política externa mais autónoma e desligada de Washington, ou uma forma de
pressão sobre os EUA para estes terem mais em conta os interesses e as
preocupações de Riyadh. O mais provável é serem as duas em simultâneo.
* Os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados
Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China) mais a Alemanha.
** Organização que integra a Arábia Saudita, Emiratos Árabes
Unidos, Kuwait, Oman, Qatar e Bahrain.
3 comentários:
Desculpe Caro Amigo, mas parece-me que a Alemanha não faz parte dos membros permanentes do Conselho de Segurança das NU. Senão seriam seis.
Besides that... excelente anàlise, como de costume.
Pois é, mas se eu tive o cuidado de distinguir os 5 do 1: "Os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China) mais a Alemanha."
Obrigado pelo cumprimento.
Um abraço
You are right ! Sorry! Um abraço.
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