08 setembro, 2013

Drums of War? - IV

DRUMS OF WAR? - IV

 
O temível sistema de defesa aérea da Síria, nada pode contra os mísseis cruzeiro (Cruise) Tomahawk lançados a centenas de km de distância.



Este último post da série Drums of War? Foca dois aspectos: o primeiro é o pretexto; o segundo é a consequência.


O PRETEXTO é, como se sabe, um ataque com armas químicas efectuado no dia 21 de Agosto nos arredores de Damasco. Parece líquido que o ataque aconteceu.


Confesso que, quando surgiram as notícias do ataque, a primeira coisa que pensei foi: “Quem tem interesse em desencadear um ataque destes?” E a resposta foi: “Os rebeldes”. Senão vejamos:


Um ataque químico de alguma dimensão tinha uma grande probabilidade de desencadear uma resposta militar do Ocidente. Esse ataque teria sempre como alvo o Governo Sírio e as suas tropas e equipamento militar. Desde há uns meses a esta parte, como já foi relatado em Tempos Interessantes (ver Síria: A Guerra Está para Durar em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/07/siria-guerra-esta-para-durar.html ) o regime sírio tem registado alguns sucessos militares significativos. Por outro lado, os rebeldes experimentam problemas internos, a que se soma o crescendo governamental.


A conclusão seria: foram os rebeldes, porque seriam os únicos a quem o crime aproveitaria.


As provas, que não vimos, supostamente apontam para o regime sírio. Então, das três, uma: são falsas e foram mesmo os rebeldes; são verdadeiras e Bashar Al Assad e a liderança militar revelaram uma inacreditável estupidez; ou foram comandos intermédios no terreno que tomaram a iniciativa, o que também deixaria ficar mal a estrutura de comando do exército sírio e a segurança das armas químicas.


Como também já aqui referimos em Drums of War? I, os números apresentados pelos EUA são estranhamente precisos: 1429 mortos, dos quais 426 crianças. A sério? Bem contadinhos? Como em quase tudodo, há duas formas de olhar para estes números (não me refiro à componente humana e moral): a intelligence é first class e sabem-se todos os detalhes, ou criaram-se os detalhes para supostamente conferir maior credibilidade.


O que é estranho e inequívoco, é que os serviços de informações dos EUA, do Reino Unido e da França parecem ter investigado massacres diferentes, tal o diferencial no número de mortes, especialmente entre os divulgados pelos Europeus e os propalados pelos Norte-Americanos (ver gráfico no Washington Post, disponível em: http://www.washingtonpost.com/blogs/the-fix/wp/2013/09/06/what-the-intelligence-on-syria-shows-in-one-graphic/?print=1


REINO UNIDO -          350 mortes

ESTADOS UNIDOS -   1429 mortes

FRANÇA -                   281 mortes

 

A CONSEQUÊNCIA é, como também já se sabe, um ataque militar à Síria a decorrer algures no mês de Setembro.


Os meios militares mais relevantes dos EUA, Reino Unido e França que se sabe estarem posicionados entre o Mediterrâneo Oriental e o Mar Arábico.
O mapa publicado em Drums of War? - I  inclui meios navais da Rússia, aos quais se pode acrescentar um cruzador e um navio anfíbio.



Como também já referi, Obama garante que o ataque será curto e limitado e que não haverá tropas no terreno. A ser verdade, tal deixa-nos duas opções:


* Um ataque à la Clinton em 1998 quando lançou alguns mísseis cruzeiro (Tomahawk) sobre campos da Al Qaeda no Afeganistão. Estes dirigir-se-ão a postos de comando e controlo do exército sírio, baterias de mísseis e bases relevantes. A defesa aérea síria é irrelevante contra ataques com mísseis de longo alcance. Refira-se que, o Reino Unido é o único país, além dos EUA, capaz de desencadear um ataque deste jaez.

* Um ataque mais abrangente, incluindo o uso de bombardeiros, que permita atacar e destruir um leque mais amplo de alvos, incluindo bunkers e redutos subterrâneos. Neste caso, os Tomahawk teriam como alvo prioritário o sistema de defesa aérea sírio e a própria força aérea da Síria, para limpar o caminho para a aviação.


A realidade é que a fase dos pretextos está fundamentalmente ultrapassada. Resta-nos aguardar pelas consequências.

4 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Não sei se conhecemos realmente o que se passou por trás da cortina para que subitamente Obama se "barricade" por trás do Congresso para decidir a guerra ou a paz.
Mas parece-me bem que existem duas ou três razoes para o justificar.
A primeira seria a descoberta pelos Russos e aliados do plano do emir Bandar ben Sultan, que consistia em atacar Damasco a partir duma unidade baseada na Jordânia, com duas colunas, vindas do norte e do sul.
Mas desde a descoberta do plano, Assad lançou uma contra ofensiva, chamada "escudo da capital" visando a alargar o perímetro de defesa à volta de Damasco e de Homs, até ao porto de Lattaquié.
Ao mesmo tempo, uma gigantesca operação de desinformação seria lançada, com imagens muito fortes de crianças mortas, destinadas a mobilizar a opinião publica internacional.
Ao mesmo tempo, Washington elevou o tono com os Russos, do género " Ou vocês abandonam Assad ou fazemos o necessário para o obrigar a partir". Os Russos conservaram a calma. Os Iranianos não reagiram. E Assad disse simplesmente que não faria concessões.

Este "tableau" fez reflectir os Americanos. Enquanto que estes dispunham a sua esquadra no Mediterrâneo, os Russos faziam a mesma coisa.
Mas houve uma frase do ministro russo dos negócios estrangeiros, sibilina, que criou a confusão: " A Rússia não se deixaria arrastar numa guerra contra o Ocidente". A interpretaçao era difícil! Queria isto dizer que os Americanos recebiam a luz verte, tácita, para avançar, como os Americanos fizeram com Hussein em Bagdad, quando disseram a Hussein que não reagiriam contra uma invasão do Koweït ?

A historia no-lo dirá um dia, mas parece bem que os Americanos interpretaram mal este sinal.
Porque, entretanto, um posto de comando centralizado foi criado, entre a Rússia, o Irão, Damasco e o Hezbollah libanês. Os Russos mobilizaram a esquadra do Mediterrâneo, os Iranianos decretaram a mobilização geral de todas as suas forças navais, aéreas e terrestres, o exército sírio foi posto em estado de alerta com todas as forças de reserva.

Os Russos e os Iranianos disseram então aos Americanos que ,em caso de ataque, não haveria uma operação militar limitada e que a resposta seria total, até ao estreito de Ormuz e o de Bab-el-Mandeb. Quando se fala de Ormuz pensa-se no petróleo e aí a reflexão é grande!
Os Iranianos informaram que a resposta não se limitaria à Síria e poderia atingir outros alvos na região ! Israel ? Arabia Saudita?

Finalmente foi Obama que levantou o pé, para submeter a decisão ao Congresso, depois da retirada dos Britânicos.

Hoje, os jogos estão abertos. E não é o anão francês que pode mudar as coisas. Na minha opinião, o projecto caiu à água. Não há razão para que os Russos e aliados mudem de posição, pois que já recusaram todas as proposições americanas. A ONU pode fazer algo ? O quê ?

Creio que, infelizmente, a prova de força vai continuar , com a tragédia de mais mortos durante muito tempo. Como no Iraque e no Afeganistão.

Joaquim de Freitas disse...

(Suite)

O Sr. Miguel Ribeiro fez um quadro correcto das resistências à guerra eventual na Síria. Tem razão. Os povos eles mesmos são contra esta aventura. Não somente por causa das guerras sucessivas, mas também por causa do nível de vida que retrograda todos os dias, sobretudo para aqueles que não têm grande coisa. O fosso entre os ricos e os pobres aumenta sem cessar. Como seria possivel arcar com as despesas duma nova guerra, quando os povos pagam já o preço forte duma divida financeira universal ? O "não" francês e o da maioria dos povos da UE é explicito.

Mesmo quando os povos têm um déspota à cabeça, a historia prova que o povo resiste. O povo sírio também resistirá, o que tornará a factura muito elevada para os dois lados.

Aliás, na realidade, Obama quis que os Americanos vissem nele um homem de Estado "determinado" mas consciente que a gravidade das conseqüências que terá a intervenção dos EUA tanto no plano diplomático que para os seus interesses na região, o obrigam a consultar a nação através da representação parlamentar. Mas não é por respeito que o faz. Mas porque também o seu povo não partilha as razoes invocadas por ele para fazer a guerra.

Mas que isto o coloca numa situação inconfortàvel - isolamento diplomático dos EUA - extremamente complicada e delicada tanto politicamente que "moralmente", também é certo.

PS) E mais uma vez desculpe por favor a dimensao do comentàrio. Cumprimentos.Obrigado.

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Joaquim De Freitas,

Excelente quadro e com informações novas (pelo menos para mim) que traça no seu primeiro comentário.
Mais uma vez ressalta que o planeamento americano roçou o amadorismo.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Joaquim De Freitas,

Não peça desculpa por favor. É claro que Obama vai ao Congresso para repartir responsabilidades porque se viu vulnerabilizado interna e externamente. E no Congresso pode bem "esbarrar" na parede de um voto negativo.
Internacionalmente, o Mr. Consensus só tem o apoio da França e da Turquia. Não é preciso dizer mais.