CHEQUE RUSSO
A Administração Obama, fiel à sua inépcia, adiou o seu golpe, movimentou peões, torres e bispos de forma desordenada, expôs o rei e ficou encurralada.
Ainda não é game-over, mas Al Assad que é rei no xadrez
sírio, mas um peão à escala global, nem deve acreditar na sorte que teve:
quando parecia à mercê do adversário, ganhou uma vida nova.
Os movimentos errados dos EUA são incontáveis:
1- O timing. Tendo em conta a
gravidade que Obama assacou aos acontecimentos de 21 de Agosto e ao carácter
incontornável de uma resposta bélica, é incompreensível que, volvidos 20 dias,
ainda não se vislumbre qualquer ataque a breve trecho; nem tampouco uma
estratégia e objectivos claros. Tal foi penalizador, porque não só não ganhou momentum para a intervenção, mas pelo
contrário, foi-o perdendo. Pensou (como de costume) que a sua verve lhe iria
angariar todos os apoios e apenas viu a resistência aos ataques aumentar; no
estrangeiro e nos próprios EUA.
2- O isolamento. O opting-out do Reino Unido foi um duro golpe. O rei perdeu a dama e ficou desguarnecido. Cedo a Alemanha e a
Itália se puseram de fora. A maioria dos países que apoiaram eram meros adeptos
de bancada e cheer-leaders não são os elementos mais úteis numa operação
militar.
3- O bispo desajeitado. O Secretário de Estado
John Kerry tem-se em grande conta, mas é um flop. Tal como o Vice-Presidente
Joe Biden, é um perigo quando fala. E é suposto o chefe da diplomacia americana
falar bastante. As declarações de Kerry em Londres fizeram mais para minar a
causa da guerra do que qualquer pronunciamento dos opositores políticos no
Congresso. A forma como definiu o ataque à Síria é hilariante e é de uma
estupidez inacreditável:
“We will be able to hold [Syrian
President] Bashar al-Assad accountable without engaging in troops on the ground
or any other prolonged kind of effort in a very limited, very targeted, very short-term
effort that degrades his capacity to deliver chemical weapons without assuming
responsibility for Syria’s civil war,” Kerry said during an appearance with
British Foreign Secretary William Hague, “That is exactly what we are talking about doing —
unbelievably small, limited kind of effort.” (alocução
disponível no “The Guardian” em
http://www.theguardian.com/world/2013/sep/09/us-syria-chemical-weapons-attack-john-kerry
Unbelievable
é mesmo a palavra certa. A reacção foi a esperada: se é assim, para quê atacar?
Para quê arriscar ir para a guerra? Não será melhor enviar uma severa
reprimenda ao Sr. Assad? Eu diria que Kerry lançou o primeiro míssil do ataque
e acertou no próprio pé.
4- O joker. Eu sei que o joker
não existe no xadrez, mas o jornalista que perguntou a Kerry o que é que Assad
podia fazer para evitar o ataque, abriu uma autêntica Caixa de Pandora. Atrapalhado, Kerry balbuciou “Sure he could turn over
every bit of his weapons to the international community within the next week, […],
all of it, without delay, but he isn’t about to. It can’t be done”. Umas horas
depois, o Senado adiava a votação sobre o ataque à Síria e Obama acolhia a
proposta com reservas.
5- Wrong move. A Rússia viu a oportunidade e
avançou a torre (Ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov) que põe
em cima da mesa a proposta de colocação da totalidade das armas químicas sírias
sob controlo da ONU. O peão sírio apoia
a torre. Cheque ao rei.
Na realidade, a proposta russa é de difícil
exequibilidade a curto prazo. As estimativas apontam para cerca de 1000
toneladas de agentes químicos em 50 locais de produção e armazenamento
diferentes, alguns deles em zonas de guerra. Contudo, a Rússia encontrou uma
possível solução diplomática para evitar um novo confronto militar e para a
maioria que não sabe nem quer saber os detalhes, isso é que é relevante.
Um projecto de guerra que foi mal conduzido desde o
início, que angariou muito poucos apoios substantivos e gerou muita oposição,
ficou ontem muito menos exequível. Ainda pode ser feito, mas os custos para os
EUA serão maiores e os benefícios menores.
You’re in check Mr. Obama. Your
move.
4 comentários:
Na realidade é a géopolitica americana que entrou no coma. Esta é a ultima tentativa dos EUA para evitar o fim da hegemonia imperial sobre o mundo. O impasse dos EUA é também o de Israel que vê crescer a força de dissuasão regional do eixo de resistência, do qual a Síria é o elo central. O que explica o argumento da "segurança nacional americana", avançado por Obama para justificar a guerra contra a Síria.
O "Cheque" é real e é o primeiro acto duma tendência que vai obrigar os EUA a aceitar um mundo multipolar, que conduzirá certamente a uma mudança nos "raports" internacionais e a uma mudança na estructura mesmo das Nações Unidas, instrumentalizados todos estes anos por Washington para servir os seus interesses.
O destino de Israel e dos Estados fantoches árabes vai levar uma volta também . A aliança do Ocidente, Israel, das petro-monarquias retrogradas e da Turquia, sabe que a resistência da Síria vai desencadear uma vaga nacionalista hostil .
Sr. Joaquim De Freitas,
A sua análise é muito interessante (como de costume), mas não creio que a Síria possa desempenhar um tal papel. A Síria é actualmente e nos tempos mais próximos, um campo de batalha e não tem capacidade de liderar um movimento nacionalista ou anti-Israel.
A Guerra Civil na Síria parece-me mais um importante capítulo do conflito entre Sunitas e Xiitas e que se se prolongar até será benéfico para Israel, tal como o foi a Guerra Irão Iraque dos naos 80.
Magnífica analogia entre a geopolítica e o xadrez.
Acha que é apenas um cheque ou é mesmo um cheque-mate?
Pedro F.
Caro Pedro F.
No contexto estrito do conflito na Síria, foi um cheque mate!
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