24 outubro, 2012

As Quatro Potências do Médio Oriente - A Turquia

AS QUATRO POTÊNCIAS
DO MÉDIO ORIENTE
A TURQUIA

 

TURQUIA


A Turquia tem uma posição única no mundo que lhe confere o potencial de funcionar como uma ponte entre vários mundos. A posição geográfica bi-continental (Europa e Ásia), é uma autêntica plataforma que confere acesso ao Sudeste da Europa (Balcãs), ao Mediterrâneo, ao Mar Negro, ao Cáucaso, ao Médio Oriente e, de forma mais mediata, à Europa, ao Norte de África e à Ásia Central.


Se à Geografia somarmos a demografia (80 milhões de habitantes) e a economia (17ª maior do mundo e em franco crescimento) e uma capacidade militar assinalável, não é difícil perceber que estamos na presença de um actor internacional de assinalável potencial.


Após décadas de afastamento relativamente ao Médio Oriente e de rígido enquadramento nos parâmetros da Guerra Fria, enquanto membro da NATO desde 1952, a Turquia nos últimos anos recentrou a sua política externa para Leste (Cáucaso e Ásia Central) e para Sul (Médio Oriente e Mediterrâneo).


Exemplos deste shift, foram os avanços nos planos cultural e económico feitos para estas regiões e a tentativa de alcançar uma posição de proeminência política, particularmente no Médio Oriente. O forte apoio (verbal) conferido aos Palestinianos, especialmente ao Hamas na Faixa de Gaza, a participação (limitada) na guerra para derrubar Khadafi na Líbia e a tentativa de mediar o conflito à volta do programa nuclear iraniano e a aproximação ao Egipto na versão Irmandade Islâmica, são exemplos deste renovado protagonismo.


No entanto, o caso de mais flagrante protagonismo turco ocorre actualmente na Síria. Há bastante tempo que Ankara vem exigindo a queda do regime dos Al Assad e apoiando os rebeldes através da instalação de campos de refugiados, acolhimento do comando militar e das estruturas políticas rebeldes e pelo treino e equipamento dos mesmos, para além do apoio político e diplomático.


A Guerra Civil na Síria marca a entrada da Turquia no Great Game do Médio Oriente, uma competição feroz entre potências endógenas e exógenas pelo controle das principais áreas estratégicas regionais, pelo acesso aos recursos energéticos, pelo controle das rotas marítimas, pela influência junto dos principais actores e até pela hegemonia regional.


Este combate não se tem revelado fácil e a Turquia tem encontrado várias dificuldades e, especialmente, duas vulnerabilidades:


1-   O poder fáctico do país tem estado aquém da retórica. Isto é verdade nas ameaças feitas a Israel por causa do bloqueio à Faixa de Gaza e à intercepção do navio Marmara, como o é em relação à Síria, nomeadamente quando as defesas anti-aéreas de Damasco abateram um F-4 turco no espaço aéreo sírio. Como é óbvio, quem fala alto e não é capaz de sustentar as palavras com actos, perde credibilidade.

2-   A Síria é um país vizinho da Turquia e substancialmente mais fraco que esta, mesmo assim, as ameaças, previsões e planos da Turquia para a Síria não se materializam e já passaram 20 meses de conflito.

3-   A Turquia enfrenta adversários determinados e que não se impressionam com retórica ou ameaças. Nomeamos 3: o regime sírio, cercado e acossado, age como se não houvesse amanhã (o que pode ser bem verdade) e portanto pugna pela sobrevivência; o Irão, cuja luta é mais abrangente, não está disposto a deixar cair um aliado estratégico sem resistir até ao limite do razoável; a Rússia, que tem menos em jogo, não está a deixar passar a oportunidade de fazer valer os seus trunfos na região, o que também seria de esperar depois do fiasco na Líbia.

4-   Por outro lado, a Turquia tem de enfrentar a sua História, Concretamente, a memória dos séculos de domínio otomano sobre os Árabes. O Ministro da Informação da Síria, Omran al-Zubi, colocou o dedo na ferida quando reagiu à proposta turca de criação de um governo interino para substituir Al Assad declarando: “Turkey isn’t the Ottoman Sultanate. The Turkish Foreign Ministry doesn’t name custodians in Damascus, Mecca, Caito ands Jerusalem.” Demolidor. O fantasma otomano será a melhor arma de arremesso contra os Turcos no mundo árabe. Isso não será suficiente para salvar o regime Baath na Síria, mas pode servir para encravar as ambições de Ankara no Médio Oriente.

5-   Last but not least, a Turquia tem 12 milhões de Curdos no seu seio. Curdos esses que estão em rota de colisão permanente com o Governo de Ankara e que têm um movimento de libertação/terrorista (PKK) que ataca e mata tropas turcas com grande regularidade. E, embora o problema curdo seja partilhado por Irão, Síria, Iraque e Turquia, é nestes dois últimos que o assunto tem maior relevância e impacto. Se no Iraque a questão está resolvida com a autonomia do Curdistão, na Turquia não está. Nos últimos tempos tem havido sinais de que Damasco e Teerão estão a retaliar contra Ankara, apoiando e incentivando o PKK e os Curdos do Norte da Síria. Os Curdos são, pois um intrincado problema interno que no actual cenário internacional, constitui uma grande vulnerabilidade.


A sua realidade actual e o seu potencial ainda não realizado, permitem prever sem grandes riscos que a Turquia será a prazo uma potência importante, quiçá a mais relevante, do Médio Oriente e até uma média potência à escala mundial.


No entanto, a sua ascensão não será tão tranquila e consensual quanto a Turquia desejaria e imaginaria. Os caminhos para o Poder são difíceis e tortuosos e percorridos por vários actores com ambições semelhantes. A arrogância e uma falsa presunção de invulnerabilidade podem ter custos elevados. Finalmente, no Médio Oriente, como noutras regiões do mundo, não basta falar grosso: you have to back your words with deeds.

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