30 novembro, 2010

NATO XXI

NATO XXI

A NATO desde 1949 até 2010. (in “The Economist”)


Pela segunda vez em 61 anos de existência da NATO, Lisboa vê o seu nome inscrito nos anais da Aliança. Depois da admissão da Turquia e da Grécia em 1952, naquele que foi o primeiro alargamento da Aliança Atlântica, foi o palco da aprovação do novo Conceito Estratégico da NATO, o primeiro do século XXI.
 
Olhando para além das intenções piedosas e politicamente correctas sobre a Rússia, a EU e as parcerias externas, o primeiro destaque vai para a manutenção do fundamental, a defesa colectiva: NATO members will always assist each other against attack, in accordance with Article 5 of the Washington Treaty. That commitment remains firm and binding. NATO will deter and defend against any threat of aggression, and against emerging security challenges where they threaten the fundamental security of individual Allies or the Alliance as a whole. (NATO’s “Strategic Concept”, Nº 4, a)
 
O segundo, realisticamente, assegura a manutenção da NATO como uma Aliança dotada de armas nucleares, julgadas como sendo parte importante da capacidade dissuasora: Deterrence, based on an appropriate mix of nuclear and conventional capabilities, remains a core element of our overall strategy. The circumstances in which any use of nuclear weapons might have to be contemplated are extremely remote. As long as nuclear weapons exist, NATO will remain a nuclear alliance. (NATO’s “Strategic Concept”, Nº 17).
 
Elucidativa e completa é a enumeração das ameaças que a NATO enfrenta no dealbar do III Milénio: ataque convencional (NATO’s “Strategic Concept”, N º8), mísseis balísticos, proliferação de WMD (Nº 9), terrorismo (Nº 10 e 11), crime organizado (Nº 11), ataques cibernéticos Nº 12), ataques às rotas marítimas, fontes e redes energéticas Nº 13), novas tecnologias militares.

 
Dentre estas, merece destaque a questão dos mísseis balísticos. Actualmente existem cerca de 30 países que detém ou trabalham para dominar a tecnologia. Os programas nucleares da Coreia do Norte e do Irão despoletaram a actual urgência em desenvolver e instalar sistemas de defesa anti-míssil. Depois de ter torpedeado o sistema escolhido pela Administração de George W. Bush sob pressão da Rússia, a actual Administração propôs um modelo alternativo que foi acolhido pelos Aliados (tal como o anterior) e que deverá estar operacional em 2014. Este será um dos projectos mobilizadores da NATO nos próximos anos e poderá contar com a participação da Rússia. Digo poderá, porque, não obstante toda a euforia com a aproximação entre a NATO e a Rússia, este é um número já conhecido e que tem registado frequentes recuos, porque, na verdade, as ambições e interesses da Rússia são muitas vezes divergentes dos da Aliança: a Rússia aceita uma aproximação crescente à NATO se tiver um estatuto de paridade no seu processo decisório, o que equivaleria a um poder de veto no processo decisório, o que é obviamente inaceitável. A Rússia não se conforma com a entrada da NATO na sua esfera de interesses e a NATO mantém em aberto o seu alargamento ao coração do antigo espaço soviético (Ucrânia). A Rússia quer manter o seu lugar de grande potência no xadrez geoestratégico mundial e pata tal precisa de manter uma liberdade de acção que perderá se for integrada de alguma forma numa Aliança liderada pelos EUA.
 
Outro assunto crucial da Cimeira de Lisboa, foi a Guerra do Afeganistão. Aqui residirão, porventura, as melhores notícias da cimeira: o compromisso político-militar e económico da NATO para com o país da Ásia Central estende-se até 2014 e mais além. A Aliança reafirmou a sua vontade em combater os Taliban e a Al-Qaeda e em reforçar a aposta na formação de um exército afegão gradualmente apto a enfrentar as ameaças ao Estado. Mais, 2014 é o target para que o exército afegão assume a liderança na garantia da segurança no Afeganistão, mas a NATO e os EUA continuarão a desempenhar um papel no treino e no apoio às forças locais. No mínimo, este compromisso dá à Aliança mais 3 anos para além do prazo irrealista de Julho de 2011 que Obama lançou há um ano atrás.
 
A Cimeira de Lisboa significou um toque a reunir e uma nova estratégia formal que vem formalizar muito do que a NATO já fazia out-of-area no Afeganistão. Não menos importante, representou a enésima prova de vida de uma Aliança que, como o próprio Conceito Estratégico refere, é a mais bem sucedida aliança político-militar da História e um fórum imprescindível para garantir a ligação transatlântica

P.S. A manutenção do Comando da NATO em Oeiras foi um sucesso significativo para Portugal. Apesar de ter sido downgraded do segundo para o terceiro escalão, passa a ser o único Comando Naval da Aliança, o que lhe garante importância e protagonismo.
P.P.S. A PSP fez um trabalho exemplar. A Cimeira decorreu com segurança dos participantes e com ordem na via pública. Os habituais desmandos que vândalos, energúmenos e facínoras costumam perpetrar nas cimeiras internacionais não aconteceram em Lisboa. Esteve bem o Primeiro-Ministro ao decidir visitar o Comando da PSP para felicitar o trabalho da Polícia. Foi merecido.

18 novembro, 2010

Os Recadistas

OS RECADISTAS

A vida política em Portugal e na Europa anda pejada de recados. Para haver recados, é preciso haver quem os envie. Vamos chamar-lhes recadistas.

A Chanceler alemã, Angela Merkel, tem sido campeã na matéria. A vertigem da renovada pujança económica da Alemanha retirou-lhe a habitual discrição e não há dia que não seja citada na imprensa, ora puxando as orelhas à Grécia, ora pressionando a Irlanda ou Portugal; nos últimos dias anunciou que o fim do euro (que deixou implícito poder estar próximo) implicaria o fim da EU, para dois dias depois dizer o seu contrário, para finalmente concluir que o euro está para lavar e durar. Pelo meio, vai insistindo na ideia de penalizar os investidores pelos empréstimos que os Estados possam não pagar, fazendo disparar a taxa de juro das dívidas soberanas da Irlanda, Espanha e Portugal.

Depois das declarações de Merkel sobre o euro e a EU, veio Van Rompuy (Who?), atento, venerador e obrigado, reiterar a mesma ideia. Como Merkel já se contradisse, aguarda-se que o Belga que preside ao Conselho Europeu faça o mesmo brevemente.

Comissários europeus e seus acólitos, assessores e porta-vozes, debitando recados, soando alarmes e entoando mais ou menos veladas ameaças é o prato do dia. Até a venerável OCDE parece ter perdido o tento na língua e deu em fornecer a Portugal instruções semanais sobre política económica e orçamental.

Por cá, temos os recados contraditórios que emanam do Governo e do PS, com o Ministro das Finanças a dizer que os cortes salariais na função pública são definitivos (sendo contrariado por um Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS) e a falar na iminência da intervenção do FMI, para ouvir o PM a dizer que isso não era uma hipótese.

E os recados proliferam emanado dos partidos, dos mass media, dos bancos, dos comentadores e dos ex-qualquer coisa (ex-Presidentes, ex-Ministros, ex-directores, etc).
Escusado será dizer, que este engarrafamento recadista, lança a maior confusão junto do público, agita ainda mais os mercados e distrai os decisores da sua missão hercúlea de tirar do buraco financeiro os países que eles próprios lá meteram.

Só resta saber quem será capaz de levar a carta a Garcia, que é como quem diz, quem será capaz de atingir os propósitos subjacentes aos respectivos recados (para este efeito, sugiro o regresso ao início do post).

16 novembro, 2010

Alegria e Dor


ALEGRIA E DOR

 
 Um golo em nome do pai.

No Domingo, no Estádio da Luz, ao minuto 89, Nuno Gomes marcou um golo e fechou o score do jogo em que o Benfica venceu a Naval por 4-0. Poucas vezes tanto se comentou, escreveu e ilustrou um golo que se limitou a fechar uma goleada num simples jogo de Campeonato.

O mais marcante do golo (para além do mérito de Nuno Gomes ter acreditado, pressionado o guarda-redes e rematado para golo de ângulo difícil), foi a comemoração. À alegria natural de quem marca o golo, somou-se a dor de quem perdeu um Pai, a dedicatória apontada para o céu. A tudo isso, juntou-se a solidária e efusiva celebração dos colegas e a explosão de alegria de 30.000 espectadores (e ainda muitos telespectadores, como eu e o meu filho).

Foi um momento bonito e emocionante, em que o golo, por uma vez, foi menos o fim e mais o meio para conectar um filho com o pai, uma equipa com o seu Capitão e uma massa adepta com um dos seus ídolos.

Todos por um.

Post Scriptum: Jorge Jesus já fez muitas coisas boas no Benfica. Também fez algumas (poucas) más. Talvez a pior seja a marginalização a que tem votado o Capitão do Benfica. Nuno Gomes é o melhor artilheiro do Benfica em actividade (9º melhor de sempre), sente o Benfica como poucos, é uma referência do plantel, ídolo dos adeptos, com um comportamento pessoal e social irrepreensível e tem correspondido quando joga. Por tudo isto é incompreensível, até inaceitável, que seja remetido a 5ª ou 6ª escolha, que seja colocado a jogar 5 minutos (mesmo assim marca) e que nem em jogos resolvidos tenha oportunidade de jogar 20 ou 30 minutos. Nem se trata de caridade, mas sim de justiça. Basta ver o rendimento e a qualidade apresentada por outros suplentes como Weldon, Jara ou Meneses.

A este propósito, parece-me oportuno citar um texto de Alexandre Pais, Director do “Record” no seu blog no jornal online:
Nada do que se passou no domingo, com o último golo do Benfica, me pareceu fugir à normalidade. Desde logo, o lance e a sua difícil concretização, próprios de um goleador que sabe do seu ofício.
Depois, a recordação do pai de Nuno Gomes, desaparecido em Agosto, mas presente no coração dos que o amaram, como é o caso dos filhos.
A seguir ainda, a emoção do capitão encarnado, num pequeno momento de descontrolo resultante não só da dedicatória ao progenitor, como da própria obtenção do golo, apenas 3 minutos após ter entrado em campo para jogar meia dúzia e não mais.
Mas particularmente significativa para mim foi a reacção dos companheiros de equipa, que imediatamente correram para Nuno Gomes, o rodearam e abraçaram, no mais genuíno e afectuoso dos festejos dos golos do clube da Luz – dentro e fora de campo.
Se parasse para pensar, Jesus veria neste sinal o gelo que o espera se não puder evitar que a casa venha abaixo. A “morte” de um símbolo, sem motivos entendíveis, é um “crime” que os adeptos o farão expiar.

 Um golo em nome do Pai.

09 novembro, 2010

Cold Tea

COLD TEA

Litografia "The Destruction of Tea at Boston Harbor" por Nathaniel Currier (1846)

Em Dezembro de 1773, os colonos americanos de Boston atiraram ao mar um carregamento de chá da East India Company em protesto contra os impostos sobre o chá (Tea Act). Em Novembro de 2010, os cidadãos norte-americanos atiraram pela borda fora um carregamento de Democratas, em protesto contra a crise, o desemprego e o crescimento do estado e da dívida.
Na semana passada, os Norte-Americanos votaram nas mid-term elections. São assim designadas por se realizarem a meio do mandato presidencial. Nelas se elege a totalidade da Câmara dos Representantes, cerca de 1/3 do Senado e um número variável de Governadores estaduais, entre outras eleições.

Não é raro estas eleições terem um cariz de voto de protesto e alterarem substancialmente o equilíbrio parlamentar dos Estados Unidos. Este foi um desses anos. Os Republicanos tiveram um triunfo avassalador na Câmara dos Representantes, onde ganharam 60+ lugares e recuperaram a maioria; igualmente impressionante foi o ganho de cerca de uma dezena de mansões estaduais (lugares de Governador); finalmente no Senado, ganharam 6 lugares, mantendo-se o partido minoritário, se bem que detendo uma confortável minoria de bloqueio. To cut a long story short, o balão democrata de 2006/08 esvaziou-se.

A grande novidade foi o chamado Tea Party, um híbrido assente em membros do Partido Republicano, em associações basistas de cariz local ou regional e grandes organizações de cariz nacional e financeiramente musculadas (Tea Party Express, Tea Party Patriots) que promovem uma agenda conservadora, advogando “small government, low taxes, debt/deficit reduction, states’ autonomy from Federal Government”. Consequentemente, são opositores ferozes de Barack Obama e da sua agenda estatizante e endividante, nomeadamente a stimulus bill (programa destinado a proporcionar estímulo estatal à economia e que custou cerca de 800 biliões de US$) e o health care plan, que universaliza os seguros de saúde nos EUA, tornando-os compulsivos e dotados de forte financiamento estatal.
O Tea Party estimulou e dinamizou a base social de apoio republicana que, somada à adesão dos independentes, deram aos Republicanos uma sólida vitória e alguns triunfos importantes em estados de grande relevância eleitoral (Ohio, Pennsylvania, Florida, Michigan, Wisconsin). Do outro lado da balança, o radicalismo e/ou o exotismo de alguns candidatos, deitaram a perder algumas corridas que podiam ter levado os Republicanos perto do triunfo total no Senado (vide eleições no Nevada, Alaska e Delaware).

Barack Obama
in "The Washington Post"

Os créditos destes resultados também têm de ser assacados aos Democratas e a Obama. O Presidente não conseguiu prolongar a empatia criada com a maioria do eleitorado para além das eleições de 2008, denotando distanciamento, indiferença, até arrogância perante o público. Podia ser feitio, eu acho que é defeito mesmo. Pior do que isso, Obama, Reid (no Senado) e Nancy Pelosi (na Câmara dos Representantes) perseguiram de forma obstinada a reforma do sistema de saúde, secundarizando o combate à crise económica que não foi (nem podia ser) resolvida com o toque de stimulus. A somar a esta dissonância entre as preocupações ingentes do eleitorado e as prioridades políticas de Obama, juntou-se a percepção que as suas propostas tinham um cariz estatizante e eram altamente penalizadoras para a precária saúde financeira e fiscal da União. Daí ao rótulo fácil de socialista foi um passo.

Finalmente, a falácia eleitoral do pós-partidarismo ruiu, como era expectável, ao fim de poucos meses: com maiorias democratas confortáveis no Congresso e com uma agenda muito liberal, Obama governou como um Democrata, com os Democratas e contra todos os Republicanos; da esperança de "change" à realidade do "business as usual foi um pequeno passo.

Não é certo que Obama tenha recebido e descodificado a mensagem: no dia seguinte apresentou-se circunstancialmente abatido e humilde, mas centrou a sua intervenção na bondade das políticas e na deficiência da mensagem. Tendo em conta os seus dotes oratórios, esta afirmação tem a sua piada. Se não aprender a lição, depois do cold tea (chá gelado) de 2010, receberá guia de marcha em 2012.

O dia 2 de Novembro foi mesmo de fiéis defuntos para os Democratas, Obama incluído e de triunfo para os Republicanos. A vida política em Washington será diferente a partir de Janeiro, embora nem uns outros possam impor as respectivas agendas políticas: a diferença é que os poderes estão mais equilibrados e a capacidade de bloqueio é maior.

Os Republicanos ganharam o 1º set. O match será disputado em 2012. Então se verá se a Tea Party revolution tem sequência ou se foi um fogo fátuo.


P.S. Não obstante a derrota eleitoral, Obama continua a ser o favorito para ganhar em 2012. Tal, porém, já não é um dado adquirido.

04 novembro, 2010

DIKTAT


DIKTAT*

A Alemanha, do alto do seu poder económico e da actual pujança da sua economia, nomeadamente do sector exportador que rivaliza com a China pelo 1º lugar mundial, resolveu pressionar os restantes Estados-Membros da União Europeia a aceitar alterações ao Tratado de Lisboa, no que concerne ao controlo orçamental e às consequências de eventuais descontrolos orçamentais.
Sob o olhar dos juízes do Tribunal Constitucional Alemão, Angela Merkel impõe a sua receita aos outros Europeus.
in “The Economist” em www.economist.com

Arregimentado o apoio da França (para o que se teve de mudar as sanções de automáticas para semi-automáticas), Angela Merkel partiu para o Conselho Europeu disposta a forçar a posição da Alemanha aos parceiros (?). Algo surpreendentemente, foi largamente bem sucedida. Este episódio, somado ao de Setembro do controlo prévio das propostas orçamentais nacionais pela CE, antes dos próprios parlamentos delas tomarem conhecimento, leva-me a tecer algumas considerações.

1- A Alemanha sente a força e a vontade suficientes para tentar impor a sua vontade na Europa. Esta perspectiva/receio existiu no final do século passado e foi esbatida com os custos da Unificação da Alemanha e com as dificuldades económicas que o país sentiu. Hoje a Alemanha parece determinada a assumir a condução do conjunto europeu e cada vez mais acolitada pela França em vez de ser ao contrário ou numa situação de paridade.

2- À força da Alemanha, junta-se a fragilidade de muitos outros Estados, como a Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal, Itália, Letónia, que por variados motivos, mas fundamentalmente por culpa própria, se colocaram em situações de vulnerabilidade financeira e orçamental extrema e não se sentem capazes de resistir à investida de Berlim.

3- O Reino Unido, de quem se poderia esperar resistência ao proposto crescente intervencionismo da EU/Alemanha, parece ter-se alheado destas questões. Penso que, basicamente porque, por não pertencer à zona euro e por ter um plano próprio de redução drástica do deficit orçamental, Londres achará que estas questões basicamente não a afectam e pouco respeito lhe dizem.

4- Custa-me a crer que a França acredite sinceramente na bondade destas medidas, mas terá percebido que ou as apoiava, ou a Alemanha avançava sozinha. Paris terá preferido manter a imagem de que o Eixo Paris-Berlim ainda existe e funciona a admitir a liderança isolada da Alemanha.

5- É curioso que países que poderão incorrer em situações de incumprimento nos próximos anos devido ao estado depauperado das suas finanças, aceitem agravar as penas para essas situações, num acto de auto-flagelação que significa um grande desespero, ou cobardia.

6- A proposta de suspensão do direito de voto dos Estados incumpridores é inqualificável e jamais poderia ser aceite. Em boa verdade, é extraordinário que o governo alemão tenha tido o desplante de a apresentar.

7- O semi-automatismo dos castigos compreende-se. Se nos lembrarmos que a Alemanha e a França, juntamente com Portugal (para não falar da batotice da Grécia), foram os primeiros a apresentar deficits excessivos e não foram penalizados, não surpreende que, principalmente Sarkozy, queira ter margem de manobra para travar/contornar a penalidade se tal suceder de novo.

8- Mesmo que numa modalidade fast-track, parece-me um absurdo estar já a rever o malfadado Tratado de Lisboa. Mais, não sei porque que é o fundo de estabilidade há-de sobreviver para além de 2013: se até lá o juízo orçamental não tiver imperado, acho que cada um tem de assumir as respectivas responsabilidades e as consequências das suas acções e omissões.

9- Penalizar os credores/investidores pelo incumprimento dos Estados ou pelos seus deficits excessivos é uma ideia peregrina e os mercados já responderam à letra, com os juros das dívidas de Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda a subirem consistentemente. É óbvio que se essa cláusula vigorar, os mercados imporão um prémio sobre os juros para compensar o risco acrescido. Alternativamente, fecham a torneira.

10- A Alemanha pode prevalecer agora. No entanto, deve ter cuidado com os ressentimentos e animosidades surdas que pode gerar. Pode parecer altamente improvável neste caso, mas muitas vezes, what goes around, comes around…

As crises são momentos de realinhamentos, da procura de novos equilíbrios, de ascensão de novos poderes e deslize de antigos, de traçar novos rumos e políticas. A actual, na Europa, traz-nos uma Alemanha impositiva, imperativa, disposta a pressionar e ameaçar para impor a sua vontade. Aquilo a que assistimos é um verdadeiro Diktat, e não é o primeiro.

Que a Alemanha se queira afirmar como a potência hegemónica, ou pelo menos liderante, na Europa continental é natural. Mas tenho dúvidas que seja bom.

* A expressão alemã Diktat (ditame, imposição) foi utilizada pelo Governo Alemão em 1919, após a Grande Guerra, em reacção aos termos do Tratado de Paz que lhe foi imposto pelos Aliados, mormente, pela França, Reino Unido e Estados Unidos. O ressentimento gerado por aquilo que foi percepcionado como uma imposição/punição injusta e o aproveitamento político que dele foi feito, foi uma das causas da ascensão de Hitler...e do que se seguiu.