09 novembro, 2010

Cold Tea

COLD TEA

Litografia "The Destruction of Tea at Boston Harbor" por Nathaniel Currier (1846)

Em Dezembro de 1773, os colonos americanos de Boston atiraram ao mar um carregamento de chá da East India Company em protesto contra os impostos sobre o chá (Tea Act). Em Novembro de 2010, os cidadãos norte-americanos atiraram pela borda fora um carregamento de Democratas, em protesto contra a crise, o desemprego e o crescimento do estado e da dívida.
Na semana passada, os Norte-Americanos votaram nas mid-term elections. São assim designadas por se realizarem a meio do mandato presidencial. Nelas se elege a totalidade da Câmara dos Representantes, cerca de 1/3 do Senado e um número variável de Governadores estaduais, entre outras eleições.

Não é raro estas eleições terem um cariz de voto de protesto e alterarem substancialmente o equilíbrio parlamentar dos Estados Unidos. Este foi um desses anos. Os Republicanos tiveram um triunfo avassalador na Câmara dos Representantes, onde ganharam 60+ lugares e recuperaram a maioria; igualmente impressionante foi o ganho de cerca de uma dezena de mansões estaduais (lugares de Governador); finalmente no Senado, ganharam 6 lugares, mantendo-se o partido minoritário, se bem que detendo uma confortável minoria de bloqueio. To cut a long story short, o balão democrata de 2006/08 esvaziou-se.

A grande novidade foi o chamado Tea Party, um híbrido assente em membros do Partido Republicano, em associações basistas de cariz local ou regional e grandes organizações de cariz nacional e financeiramente musculadas (Tea Party Express, Tea Party Patriots) que promovem uma agenda conservadora, advogando “small government, low taxes, debt/deficit reduction, states’ autonomy from Federal Government”. Consequentemente, são opositores ferozes de Barack Obama e da sua agenda estatizante e endividante, nomeadamente a stimulus bill (programa destinado a proporcionar estímulo estatal à economia e que custou cerca de 800 biliões de US$) e o health care plan, que universaliza os seguros de saúde nos EUA, tornando-os compulsivos e dotados de forte financiamento estatal.
O Tea Party estimulou e dinamizou a base social de apoio republicana que, somada à adesão dos independentes, deram aos Republicanos uma sólida vitória e alguns triunfos importantes em estados de grande relevância eleitoral (Ohio, Pennsylvania, Florida, Michigan, Wisconsin). Do outro lado da balança, o radicalismo e/ou o exotismo de alguns candidatos, deitaram a perder algumas corridas que podiam ter levado os Republicanos perto do triunfo total no Senado (vide eleições no Nevada, Alaska e Delaware).

Barack Obama
in "The Washington Post"

Os créditos destes resultados também têm de ser assacados aos Democratas e a Obama. O Presidente não conseguiu prolongar a empatia criada com a maioria do eleitorado para além das eleições de 2008, denotando distanciamento, indiferença, até arrogância perante o público. Podia ser feitio, eu acho que é defeito mesmo. Pior do que isso, Obama, Reid (no Senado) e Nancy Pelosi (na Câmara dos Representantes) perseguiram de forma obstinada a reforma do sistema de saúde, secundarizando o combate à crise económica que não foi (nem podia ser) resolvida com o toque de stimulus. A somar a esta dissonância entre as preocupações ingentes do eleitorado e as prioridades políticas de Obama, juntou-se a percepção que as suas propostas tinham um cariz estatizante e eram altamente penalizadoras para a precária saúde financeira e fiscal da União. Daí ao rótulo fácil de socialista foi um passo.

Finalmente, a falácia eleitoral do pós-partidarismo ruiu, como era expectável, ao fim de poucos meses: com maiorias democratas confortáveis no Congresso e com uma agenda muito liberal, Obama governou como um Democrata, com os Democratas e contra todos os Republicanos; da esperança de "change" à realidade do "business as usual foi um pequeno passo.

Não é certo que Obama tenha recebido e descodificado a mensagem: no dia seguinte apresentou-se circunstancialmente abatido e humilde, mas centrou a sua intervenção na bondade das políticas e na deficiência da mensagem. Tendo em conta os seus dotes oratórios, esta afirmação tem a sua piada. Se não aprender a lição, depois do cold tea (chá gelado) de 2010, receberá guia de marcha em 2012.

O dia 2 de Novembro foi mesmo de fiéis defuntos para os Democratas, Obama incluído e de triunfo para os Republicanos. A vida política em Washington será diferente a partir de Janeiro, embora nem uns outros possam impor as respectivas agendas políticas: a diferença é que os poderes estão mais equilibrados e a capacidade de bloqueio é maior.

Os Republicanos ganharam o 1º set. O match será disputado em 2012. Então se verá se a Tea Party revolution tem sequência ou se foi um fogo fátuo.


P.S. Não obstante a derrota eleitoral, Obama continua a ser o favorito para ganhar em 2012. Tal, porém, já não é um dado adquirido.

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