15 abril, 2007

Quem é que Cavaco Teme?

QUEM É QUE CAVACO TEME?

O Presidente da República, Cavaco Silva, pronunciou-se em Riga, Letónia, contra a realização de um referendo nacional sobre um novo tratado europeu, prometido por TODOS os partidos parlamentares.

“Às vezes avança-se para essas coisas sem pensar bem nas consequências e, depois, discute-se como corrigir.” Corrigir? Corrigir o quê? O voto dos cidadãos? O voto dos mesmos que deram 4 vitórias a Cavaco Silva enquanto Presidente do PSD e candidato a PR?

Senhor Presidente: não há correcções à votação popular. O povo é soberano. Ou será que, se V. Excelência vetar ou impedir um referendo a um tratado europeu, eu também posso corrigir o voto que lhe entreguei nas eleições do ano passado?

O que é que o move? O complexo do “bom aluno europeu”? A excessiva cooperação institucional com um Governo que vem dando sinais de fazer marcha-atrás em mais uma promessa? Porque é que “convida” 5 partidos a fazerem tábua rasa de uma promessa eleitoral ao arrepio da lealdade para com os eleitores e da transparência da política?

Ou deverei antes perguntar, de que é que tem medo? Quem é que o Senhor Presidente da República teme? É o eleitorado soberano. O povo que serviu para o eleger, mas que não “serve” para se pronunciar em referendos.

16 comentários:

Luis Cirilo disse...

Realmente é espantosa a metamorfose de Cavaco Silva.
Será que a obsessão pela reeleição já está a conduzir todos os seus passos ?
Eu votei em Cavaco,não estou arrependido,mas gostava de o ver ter outro respeito pela legitimidade do voto popular.
Ou será que como em certas correntes politicas o Presidente já acha que há determinadas matérias demasiado importantes para ser o povo a decidir ?
Esperemos que arrepie caminho...porque pode perder pau e bola.
E era pena !

PVM disse...

Ironias do destino: tu, que votaste, entusiasmado, no "Sampaio-work-in-progress", aqui tão contristado com o soundbyte que ele produziu em Riga; eu, que jamais seria capaz de votar nesta metade do actual homem providencial português, por uma vez estou em sintonia com ele.
PVM

Rui Miguel Ribeiro disse...

Luís: Já em 1991 Cavaco errou ao rejeitar a possibilidade de referendar Maastricht. Infelizmente, parece-me que a sua atitude resulta de ambos os factores que apontas.
E como podem os eleitores confiar em políticos que desconfiam deles?
Como pode não se perceber que este medo recorrente em referendar questões europeias pode conduzir exactamente ao resultadop que se teme?

Rui Miguel Ribeiro disse...

Paulo: é mesmo irónico. As ironias fazem parte da vida: umas amargas, outras assassinas, outras boas, mas todas com aquele toque especial de uma ironia. Mas as ironias do destino são o pior tipo de ironia. Prefiro aquela que não provém do destino do wit do indivíduo que consegue proferi-la no sítio e hora certas, acertando em cheio no alvo.
Agora Sampaio, NÃO. NEVER! Rejeito qualquer associação com semelhante criatura: cinzenta, redonda, nociva...
P.S. Talvez ainda te veja em 2010 com uma bandeirinha (pode ser verde-rubra de um lado e azul-amarela do outro) a dizer "Cavaco + 5 Anos!"

freitas pereira disse...

Sr. Rui Miguel Ribeiro


E se o PR muito simplesmente quisesse evitar o « acidente » Holandês e Francês, que custou caro à Europa ? As mesmas causas produzindo os mesmos efeitos, e a causa europeia sendo cada vez mais difícil a” vender” aos povos europeus , talvez a via parlamentar fosse mais segura, não ? E como a maioria socialista no Parlamento votará com a necessária disciplina, o risco não existe. Alias também não existia em França, só Chirac é que quis “jogar”um bocadinho e saiu-lhe (nos) mal.

Eu escrevo acima que a causa europeia é cada vez mais difícil porque ainda existe uma média de 20% da população activa dos países europeus que vive dificilmente, porque de 1980 a 2005, a parte dos salários no PIB dos 15, que formam o coração da EU, baixou de 11% !

Quando se sabe que 80% do valor acrescentado na industria foi “externalisado”, (sobretudo na industria automóvel) de maneira a fabricar mais barato pagando menos, os trabalhadores têm tendência a tornar a globalização responsável de todos os males. E a Europa não os defendendo , os Holandeses e os Franceses votaram não por causa disso.

Alias os Alemães teriam votado “não” se tivessem sido consultados por referendo.

O referendo , mesmo se é um meio muito democrático não constitui sempre a melhor alavanca para fazer avançar os problemas. Penso neste momento à cisão da Checoslováquia, que foi decidida pelos parlamentares em Janeiro de 1993, creio eu, e que segundo Vaclav Havel era inevitável, após a vitoria da direita liberal na Republica Checa e a dos nacionalistas na Eslováquia.

Pensa-se hoje que se tivesse sido organizado um referendo o risco de conflito grave existia. Em vez disso, os parlamentares dos dois países congratularam-se alegremente. E hoje os dois países funcionam bem.

E de qualquer maneira os deputados também representam o povo soberano.

Então, o referendo deverá ser usado com discernimento... e habilidade política. Talvez seja isto que o Senhor não perdoa ao PR.

PVM disse...

Duas observações: 1) não sou madeirense, por isso desconheço porque andaria com uma bandeira amarela e azul (ou de outra cor qualquer...); 2) impossível votar no clone do Sampaio, porque não voto em gajos de esquerda.
Quanto ao tema: sim, há coisas que não são referendáveis. Da mesma forma que a gentalha é afastada da justiça, para não termos que suportar a hedionda justiça popular.
PVM

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira: A ratificação via parlamentar é "mais segura" como diz. O problema é que, se os Holandeses e Franceses não a quiseram em referendo, tal significa que se tivesse sido seguida a via parlamentar, a "causa Europeia" não lhes estaria a ser vendida, mas sim impingida, o que é bem diferente.
Quanto à cisão da Checoslováquia, esta, mais uma vez, correspondeu mais aos desígnios e ambições de alguns políticos do que ao sentir profundo dos Checoslovacos. Não fora essa sede de poder de Klaus e Meciar, e talvez a Checoslováquia ainda existisse pacificamente.
Confesso que não percebi o alcance da última frase do seu comentário...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Paulo: Registo com lusitana surpresa que o estandarte azul/amarelo te remete mais rapidamente para a Madeira do que para a Suécia, para a Ucrânia, ou mesmo para a UE.
Eu sou um grande defensor do referendo, mas não sou contra, bem pelo contrário, a democracia representativa. Por isso, concordo que nem tudo é referendável. Contudo, a questão europeia é. E é-o mais ainda quando corresponde a um desígnio com vários anos e a uma promessa política e eleitoral de 5 partidos.

freitas pereira disse...

Sr. Rui Miguel Ribeiro


O meu ultimo parágrafo referia-se à “habilidade política “ eventual do PR que, ao preferir a via parlamentar evita o risco que correu de Gaulle quando organizou o ultimo referendo da sua carreira política, que perdeu, e que o levou à demissão.
Assim se procede quando se é profundamente respeitoso da democracia. Assim não procedeu J.Chirac quando perdeu o seu.
O inconveniente desta situação é o de obrigar a eleições antecipadas e estas não são sempre favoráveis àqueles que as provocam!

José Pedro Oliveira disse...

Caro Professor,
Compreendo e aceito o seu ponto de vista no que diz respeito à atitude do PR Cavaco Silva ao não ter o seu conceito de democracia clarificado. Mas, devo também dizer que, este desvio (má interpretação da vontade do povo por parte do poder) não é de todo estranho à governação portuguesa, tendo começado por pequenas omissões que se transformaram agora na desvalorização do referendo. Resta-me perguntar se não há necessidade de mudarmos de "ares" no que diz respeito à mentalidade dos políticos "da casa" e optarmos por novos intervenientes da política em Portugal.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira: O que o Senhor diz é verdade. No entanto, Chirac antecipou umas eleições que não precisava de convocar com a ganância de reforçar a sua maioria; não teve visão política e perdeu. De Gaulle assumiu as consequências da sua derrota. Mas cavaco Silva não tem o lugar em jogo num referendo que foi prometido pelos partidos, mesmo que o "Não" eventualmente ganhasse. Não dar às pessoas a prometida oportunidade de se pronunciarem sobre o assunto é que não é democrático.

freitas pereira disse...

Tem perfeitamente razao. O "salvo conduto" existia!

Anónimo disse...

Provavelmente teme não ser reeleito, o percurso presidencial tem dado alguns sinais de campanha eleitoral.

Rui Miguel Ribeiro disse...

José Pedro: A resposta é sim. A política portuguesa sofre do síndroma dos cromos repetidos e funciona (quase) em circuito fechado. Unfortunately, the times are not changing and there's no wind blowing the answer (Bob Dylan).

Rui Miguel Ribeiro disse...

Maria: Cavaco parece dar por adquirido o centro-direita e quer que o PS lhe faça o que o PSD fez a Soares em 1991.
O problema é que, a continuar neste rumo, Cavaco não terá no PSD e no CDS a fidelidade que Soares teve no PS da época e há muita esquerda que jamais votará Cavaco.

Orlando M. Ribeiro disse...

Estou de acordo contigo.

Ao não querer o referendo com medo do "não", fica a ideia que o Tratado Constitucional Europeu tem de ser aprovado de qualquer maneira, do que discordo.