17 julho, 2016

Afinal Ainda Há Golpes de Estado



AFINAL AINDA
 HÁ GOLPES DE ESTADO

 
Coluna de tanques de guerra nas ruas de Istambul, golpe de estado em movimento.
in “BBC News” em http://www.bbc.com/news/

Afinal ainda há golpes de estado. E não apenas na África recôndita, mas numa das potências do Médio Oriente, que até tem uma parcela de território na Europa – a Turquia.

O inesperado coup d’état, proporcionou uma animada e excitante noite de fim-de-semana, com tanques, tropas revoltosas, tiroteio, manifestações populares, explosões, helicópteros e F-16’s em acção, bloqueios, um Presidente em paradeiro desconhecido e a travessia Europa-Ásia interrompida.

Quando, já tardiamente me sentei no sofá a ver a BBC e a Sky News, rapidamente pensei que o golpe ia sair furado. Isto, por várias razões.

1- Não havia uma cara e um nome (ou um comité) que aparecesse assumindo-se como a nova liderança da Turquia. Mau sinal, revoluções sem rosto não resultam, não se troca um Recep Erdogan, mesmo que seja um patife, por um Mustafa Ninguém.

2- Havia muita gente nas ruas. Pessoas excitadas, activas, agressivas e muitas nas ruas, não eram compatíveis com o recolher obrigatório decretado pelos golpistas. E também não estavam propriamente a aclamar as tropas ou a atirar-lhes cravos vermelhos.

3- O Presidente Recep Erdogan não foi capturado, expulso do país, ou eliminado, ou embarrilado num quartel cercado e rodeado por meia dúzia de fiéis. Erro crasso. Erdogan andou à solta, fez declarações e incitou a populaça. Quando aterrou em Istambul sem ser preso ou abatido, o golpe estava virtualmente terminado.

4- Apesar de organizados, os golpistas não pareceram ter o substancial apoio militar de que careciam para se impor sem margens para dúvidas e para esmagar qualquer resistência que surgisse. E era certo que surgiria.

Quando acordei na manhã de Sábado, foi sem surpresa que vi que o golpe estava terminado e tinha falhado completamente. Confesso que tive alguma pena. Eu sei que o poder na Turquia deriva do voto popular e deve ser respeitado. Mas a perspectiva de ver um personagem execrável como Erdogan ser derrubado não deixava de me causar alguma (muita) satisfação.

Erdogan é um bully interna e externamente. Tem um projecto de poder pessoal de pendor totalitário: reprime os opositores; ataca os media, confisca jornais, persegue jornalistas; faz purgas gigantescas no aparelho judiciário e militar, nomeadamente quando o seu filho e de outros dirigentes do AKP foram implicados num escândalo de corrupção; quer à viva força mudar a Constituição da Turquia para dela se tornar (ainda mais) dono e senhor; recomeçou a guerra contra os Curdos (também eles Turcos) para maximizar as possibilidades de vitória eleitoral; alia-se a grupos como o Hamas; tem acessos públicos de raiva, má educação e despeito (ver Davos 2009); acusa Israel de genocídio e ocupação territorial quando o exército turco actua no Norte do Iraque como se estivesse em casa; dirige um país que mata contrabandistas e respectivas famílias com bombardeamentos aéreos com o pretexto que eram do PKK (que não eram); arroga-se o direito de decidir sobre a saída de Al Assad do poder para instalar em Damasco um governo que lhe seja subserviente; afirma furioso que não tolerará uma região autónoma curda na Síria, como se tal lhe dissesse respeito; quer afirmar a Turquia como um proto Império Otomano 2.0, mas não tem os meios nem a coragem para tal (veja-se como a Turquia se encolheu quando a Rússia lhe falou grosso após o abate do Su-24).

Por tudo isto, e trata-se de um resumo, não verteria uma lágrima se Erdogan fosse. Mas o golpe foi fraco e ele ainda tem muita força. Aliás, o golpe confere-lhe a oportunidade para intensificar as vinganças e os ajustes de contas em mais uma purga stalinesca. Alguém acredita que os 2700 juízes que foram demitidos logo no Sábado estão de alguma forma envolvidos no golpe? Resta esperar que Erdogan vá longe demais. Talvez não demore muito.




2 comentários:

Estella disse...

Olá Professor!

É sempre com agrado que acompanho as suas lições!

Nas questões geopolíticas perfeitamente explanadas, depois de lidas chego sempre à mesma conclusão: jogos de guerras e "guerrinhas" subtis de objectivo obscuro, nas quais o bem estar dos cidadãos (normalmente danos colaterais) é o menos importante.
Gosto de filmes de ficção política, mas por vezes tenho dificuldade em discernir onde os mesmos acabam e começa a realidade. São muito próximos, além de que muitos resultam de narrativas de confrontos passados, cuja génese nos é explicada mais tarde.
E o resultado é devastador, SÓ, para as populações envolvidas.

PS: a ver se desta vez não opino como anónima

Estella disse...

Já constatei que, além de enviar "bitaites" anónimos, também coloco outros no texto errado. Explico: o comentário acima deveria constar no das "Bombas em Mosul e Reqqa".
A reforçar o meu cepticismo em todas estas demandas, li ontem no JN que uma criança palestiniana de 12 anos (alegadamente combatente de grupo palestiniano) terá sido decapitada por um grupo rebelde islamita sírio (Nureddin al-Zenki) em Alepo. Este grupo terá sido apoiado pelos EUA até 2015.
Osama Bin Laden também não teve o apoio dos EUA até determinada altura? Os focos de instabilidade perpetrados por grupos através das fronteiras do Ruanda, que ameaçam a sua reconstrução, desenvolvimento e prosperidade após o genocídio, também têm alegadamente o apoio da mesma potência, a quem não agrada o actual líder ruandês. Terão perguntado aos ruandeses que agora têm escola e serviços de saúde básicos, se querem abdicar desse suporte de vida e voltar a uma guerra fraticida?
O apoio internacional das potências estrangeiras a rebeldes tem sempre objectivos não coincidentes com os interesses da maioria das populações locais. Mas são sempre estes que sofrem as consequências quando o apoio se afasta a assobiar para o lado, deixando atrás de si um rasto de destruição e morte. Que o digam os iraquianos! O ditador assassino foi assassinado. Ficaram melhor? Alguém lucrou, mas não foi a população iraquiana. Chego sempre a uma conclusão binária: alta finança/indústria de armamento - "dão um presunto para ficar com o restante porco"!
Se tiver tempo, por favor corrija-me. Muito obrigada