30 junho, 2015

A Historinha do Papão Russo

A HISTORINHA DO PAPÃO RUSSO

 

“O Papão Russo”
Desenho original de Afonso Duarte

A NATO, triunfante em 1991 com o fim da Guerra Fria e a débacle da União Soviética, lutou durante a última década do século XX para justificar a continuação da sua existência.

 
Os atentados de 11 de Setembro de 2001 conferiram-lhe um novo fôlego. Porém, o fim da intervenção militar no Afeganistão, a prossecução do combate anti-terrorismo de outras formas e com outros protagonistas e a crescente divergência de interesses entre os membros, voltaram a colocar a questão da utilidade da Aliança Atlântica.

 
Eis senão quando, a NATO encontra uma nova raison d’être. Ou melhor, reencontra a velha e original razão: exumou o cadáver soviético e ressuscitou o fantasma da ameaça do velho urso russo.

 
Só existe um pequeno óbice: a ameaça russa é um mero fantasma, uma farsa, ou seja, não existe. A Rússia não teve, não tem, nem se vislumbra que possa vir a ter qualquer intenção de atacar Estados-Membros da NATO.

 
Aliás, como já escrevi em Tempos Interessantes, é no mínimo muito duvidoso que Moscovo tencione sequer levar a cabo uma invasão em larga escala da Ucrânia.

 
Como surge então esta falácia? A resposta, tal como nas investigações criminais, começa por se investigar a quem aproveita a historinha do papão russo.

 
1- Aos Estados Unidos que querem aumentar o seu footprint militar na Europa Central e Oriental e pressionar mais a Rússia com a instalação de tropas e equipamento militar perto das suas fronteiras.

2- À Polónia e à Lituânia, os mais activos Estados anti-Russos da NATO, que vêem na Crise da Ucrânia uma oportunidade para levar a Aliança Atlântica quase até às portas de Moscovo e que pretendem arrastar os EUA e a NATO para Leste.

3- Outros países que têm uma agenda específica na antiga URSS, como é o caso da Roménia em relação à Moldova.

 
Neste contexto, será importante que outros Estados-Membros da NATO, nomeadamente na Europa Ocidental e Meridional, não embarquem nesta narrativa infundada, que apenas serve os interesses de meia-dúzia de Estados e que é indiferente ou penalizadora para os restantes.

 
Nem sequer adianta invocar o Artigo 5 (segurança colectiva) da Carta da Aliança Atlântica porque nenhum Estado-Membro foi, está a ser, ou se prevê que possa ser ameaçado.

 
Na verdade, as principais ameaças que se colocam aos países da NATO são o incremento da tensão política e militar com a Rússia e, principalmente, as tentativas para alargar a NATO à Ucrânia, Moldova e Geórgia.

 
Esse eventual alargamento, que seria interpretado em Moscovo como uma provocação e uma real ameaça geopolítica e militar, iria colocar os Estados-Membros mais próximos da guerra e a NATO mais perto de um monumental e, quiçá, fatal, embaraço: testemunhar um eventual assalto a um país como a Geórgia e não conseguir reunir um consenso mínimo para intervir.

 
Qual seria o apoio em Portugal, em Itália, na Holanda, na Noruega, na Hungria, a uma intervenção militar no Cáucaso? Quem arriscaria um confronto nuclear com a Rússia por causa da Ucrânia ou da Moldova?

 
Tal como defendi há 7 anos em Tempos Interessantes, em Abril de 2008 (“NATO: DO ADRIÁTICO AO MAR NEGRO” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2008/04/nato-do-adritico-ao-mar-negro.html ), iniciar o caminho da adesão destes dois países (Ucrânia e Geórgia) foi precipitado e insensato, configurando uma provocação à Rússia e um factor de desnecessária polémica e divisão entre os Aliados. E isto foi escrito ainda antes da Guerra Rússia-Geórgia! A NATO deve ter o bom senso de só acolher quem pode, com razoabilidade, defender.

 
Se os EUA, a Polónia, ou outros, se quiserem atolar na Ucrânia, que o façam por sua conta e risco, sem arrastar terceiros para o atoleiro de um conflito baseado na historinha do Papão Russo.

Sem comentários: