OS DESESPERADOS
“Junta-se a
fome com a vontade comer” é um provérbio português sobejamente conhecido e que
se pode aplicar ao novo ímpeto aparente nas negociações sobre o programa
nuclear iraniano da parte do Irão e dos Estados Unidos. Este ímpeto é motivado
pelo desespero dos protagonistas. Que desesperos
são esses?
As dificuldades
em lidar com o Irão.
O DESESPERADO DEPENADO
As sanções
impostas pela ONU, pelos Estados Unidos e pelas potências europeias têm, de
forma gradual mas inexorável, causado sérios danos à economia iraniana. Os
rendimentos da exportação de petróleo têm caído, a moeda nacional (Rial)
desvaloriza-se, a inflação sobe, o investimento internacional foge e a
dificuldade e os custos de participar no comércio internacional aumentam: o
comércio clandestino tem custos e os países dispostos a “furar” o regime de
sanções também cobram por isso.
O Irão está
a ganhar no plano nuclear, mas perde todos os dias no plano económico. Tendo
chegado muito longe no seu projecto nuclear, é tempo de estancar a hemorragia
económica que pode pôr em cheque o país e o regime.
Contudo, apesar
de o Irão necessitar ingentemente de resolver o problema das sanções, Rouhani
tem gerido o assunto de forma racional, realçando a importância multilateral do
assunto e o proveito colectivo que advirá da resolução do problema. Em poucas
palavras, demonstra interesse e empenho,
mas não mostra a ansiedade que se poderia esperar de quem está depenado.
O DESESPERADO
ANSIOSO
Barack
Obama está desesperado por negociar com o Irão. Aliás, está nesse estado desde
2009 (ver Get Real Obama em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2010_02_01_archive.html). Como já foi
referido em “Tempos Interessantes”, as várias red lines que foram oficiosamente divulgadas foram sendo
ultrapassadas sem reacção para além das sanções. Estas agravam-se, mas o
programa nuclear tem continuado a avançar a todo o vapor: o Irão tem perto de
20.000 centrifugadores, já enriqueceu cerca de 200 kg de urânio a 20% e
prepara-se para encetar um novo caminho (plutónio) para obter armas nucleares.
Não há
parâmetro que não coloque Teerão cada vez mais próximo da última (e única
assumida) red line de Obama: não
admitir um Irão nuclear. Este facto deixa Obama ansioso, porque se aproxima o
momento em que o Irão estará a chegar ao nuclear
breakout e Obama se deparará com nova versão do dilema sírio: atacar ou não
atacar. Assumir a red line, ou assobiar para o ar. Já se sabe que a sua
tendência será esta, mas o risco de se pensar que em política externa Obama
rima com banana será então bastante grande.
Por isso Obama
agarrou a abertura demonstrada por Teerão com a sofreguidão de um náufrago. Qual adolescente
apaixonado, tentou de imediato marcar um encontro com Rouhani e perante a
recusa, entusiasmou-se pelo facto de o Iraniano lhe ter atendido o telefone. Em
poucas palavras, demonstra ansiedade e urgência.
Esta
ansiedade é um péssimo ponto de partida negocial, porque quanto maior for a
necessidade demonstrada em fechar um acordo, menos compelida se sente a outra
parte a fazer concessões.
Ironicamente,
a parte que está mais pressionada pela conjuntura consegue moderar-se e
disfarçar o seu desespero. A parte que vê que as sanções estão a produzir
resultados (pelo menos o resultado de trazer o Irão de volta às negociações com
aparente boa vontade), dá o flanco e mostra precisar mais de um acordo.
Com a segurança do
desesperado depenado a contrapor-se ao frenesim do desesperado ansioso, está-se
mesmo a ver que desenlace terão as negociações.
O Irão já
foi colocando as suas próprias red lines:
não cessa o enriquecimento de urânio e não exporta o urânio enriquecido que já
possui. Ainda não fez uma proposta substantiva, mas fala abundantemente da
importância de sinais positivos por parte do P5+1, leia-se alívio das sanções.
Por outro lado, nos EUA discute-se quais as
sanções que mais depressa e facilmente poderão ser terminadas. Pior do que isso, assume-se a impossibilidade de o Irão aceitar o que
se pensaria ser o básico: a aceitação e implementação das quatro Resoluções do
Conselho de Segurança que o punem.
É lógico: o Irão
aceita e implementa as Resoluções e as sanções que punem o incumprimento são
levantadas. Mas não, aceita-se aprioristicamente a continuada mas menor
violação das normas por parte do Irão.
Nada disto me surpreende.* O resultado também é previsível. Se houver um acordo, este incluirá a aceitação de grande parte do desenvolvimento nuclear iraniano executado até à data e que o colocou a meses do breakout nuclear. A contrapartida será o levantamento de todas as sanções, com a possível excepção das que dependem do Congresso norte-americano.
É o desenlace
natural quando uma parte está desesperada e age como se não estivesse e a outra
parte, que não tem razões para estar desesperada, actua com visível desespero.
* As potências ocidentais sabem que as negociações não
resultaram, não estão a resultar e não resultarão, a
não ser que façam enormes cedências a Teerão. Sabem também que se assumirem o fracasso e a inutilidade da
diplomacia terão de escolher entre a guerra e o reconhecimento do Irão como a
10ª potência nuclear mundial. Aquela aterra-os. Esta deixa-os ficar mal. A
solução é continuar a fingir que estão a negociar a sério.
[….]O Irão está ciente das realidades supra-referidas, não só porque são evidentes, mas também porque a evolução dos acontecimentos nos últimos anos as comprovam. Consequentemente, a partir do momento em que o Irão aceitou pagar o preço infligido pelas sanções, o caminho é muito claro: negociar sem ceder e prosseguir o programa até ao fim com determinação inabalável.
GOING AROUND IN CIRCLES em
http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/06/going-around-in-circles.html
2 comentários:
Muito bem. Apoiado!
Obrigado pelo incentivo!!!
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