DELÍRIOS
(De Bagdad 2003 a Lisboa 2011)
Devem lembrar-se do Ministro da Informação do Iraque, Mohammed Saeed Al-Sahhaf, durante a Guerra do Iraque em 2003. Ficou conhecido por falar constantemente à imprensa internacional relatando estrondosas vitórias do Iraque sobre os Aliados, mesmo no dia em os carros de combate dos EUA já entravam em Bagdad. Podendo nós ver, ouvir e ler o que efectivamente se passava (uma ofensiva demolidora que permitiu a conquista do Iraque em pouco mais de um mês), Al-Sahhaf protagonizou, com os seus delírios diários na televisão, o lado grotesco da guerra.
Lembrei-me de Saeed Al-Sahhaf esta tarde quando ouvi as declarações do Secretário de Estado do Emprego, Valter Lemos, comentar os números actuais do desemprego em Portugal – 11.2% da população activa. Questionado pela SIC, Lemos disse que o nº era 10.8%. Surpreendida, a jornalista insistiu nos 11.2% e Lemos, com ar petulante retorquiu que o valor de 2010 era 10.8% e que ficara aquém dos 11% previstos por alguns analistas ou políticos.
Lamentável. O sujeito agarrou-se despudoradamente aos 0.4% de diferença como se disso dependesse a sua sobrevivência, pensando marcar uns miseráveis pontos face àqueles que previam os tais 11%. O mais triste é que os números actuais são mesmo os 11.2% que correspondem a cerca de 600.000 Portugueses. E por mais esperto que Lemos se julgue com o seu malabarismo estatístico, a realidade é que ele, mais do que qualquer predecessor, é cada vez mais o Secretário de Estado do Desemprego e devia ter vergonha por o desemprego estar nos dois dígitos, devia sentir-se mal pelo mal que tal representa para centenas de milhar de pessoas, devia sentir solidariedade para com as vítimas da crise, devia trabalhar 24/7 para tentar melhorar o estado das coisas e esquecer o subterfúgio mesquinho dos 0.4%.
Valter Lemos, tal como Saeed Al-Sahhaf, vive num estado de delírio, num mundo imaginário onde o que importa é o que ele vê e o que lhe interessa. Saeed Al-Sahhaf foi corrido pelos M1 Abrams do exército dos EUA. Valter Lemos, se não for de outra forma, há-de ser corrido pelos eleitores (empregados e desempregados) que não toleram o delírio e o burlesco quando é da vida das pessoas que se trata.
4 comentários:
Rui
A tua comparação é bonita, e deve deixar o pobre o Secretário de Estado bastante furioso (o que é um bem em si mesmo, obviamente) mas não me parece que colha, e por três razões:
a) o tal maluquinho do Iraque estaria, eventualmente, mesmo convencido do que dizia, ou pelo menos em parte – de tal modo a lavagem cerebral dos ditadores os afasta da realidade; ora Valter Lemos não tem estaleca nem para ditador de pacotilha – é um mero esbirro de um primeiro ministro fajuto, mentiroso, desonesto e “ladrão” (sim, vai entre aspas, não porque eu tenha alguma dúvida mas porque me refiro neste caso apenas à roubalheira dos impostos, descidas de ordenados, etc. e tal) e de uma ministra... enfim, coitadinha, sem mais comentários que afinal por pouco que pareça sempre é uma senhora. E nessa qualidade de esbirro, de vendido, só pode dizer aquelas baboseiras – não pode ousar olhar a realidade, quanto mais vê-la;
b) ao maluquinho do Iraque os M1 ensinaram uma liçãozinha de poder bélico, que nem sequer foi muito bem preparada nem muito didáctica – veja-se o estado do Iraque neste momento. Força bruta é um bom argumento, mas não ensina nada a ninguém – é assim a modos como eu a jogar xadrez com o Kasparov: perco mas não aprendo bolufas! Ora ao nosso Valter Lemos ainda ninguém preparou sequer uma sova, à bruta. A seu tempo, espero bem, alguém o haverá de fazer, porque lambuzar-se com os tais 0,4% em cima da desgraça, da humilhação, da pobreza e da miséria de 600.000 desempregados é de um despudor tamanho que só mesmo ao bofetão e ao pontapé – politicamente falando, naturalmente, que isto é um blogue sério (mas a vara de marmeleiro, bem aplicadinha, não sei se não seria mais eficaz que uma derrota eleitoral seguida de um banquete já servido numa qualquer empresa pública...);
d) e esta é a 3ª razão: o maluquinho do Iraque encontrou a forca, ou o fuzilamento, ou o linchamento popular arrastado já cadáver por um qualquer beco infecto de Bagdad, ou qualquer coisa do género, condizente com as barbaridades que disse e que fez; o nosso Valterzito sabe (oh, se sabe!) que o espera uma fofa reforma, um redimentozinho chorudo, uma macia e longa existência às contas do pritaneu, que vai espoliando sempre e mais os tais 600.000 desempregados e (ainda mais) os outros 600.000 candidatos a desempregados – que enquanto trabalham são esbulhados despudoradamente do seu já magro salário pela máquina que alimenta o Sr. Valter.
Por isso o Valter é muito mais feliz que o maluquinho do Iraque: porque, ao fim das contas, ainda se ri da tua comparação. Falta a vara de marmeleiro.
Caro Sérgio,
Antes de mais, obrigado. O teu comentário é muito esclarecedor: o Valter é bem mais miserável que o Al-Sahhaf e não vai ter punição minimamente proporcional. É desmoralizador. O país dos brandos costumes resrva a brandura para os patifes qualificados que roubam e espezinham na praça pública e no exercício de poderes públicos. Aliás, por falar em delírios, o PM e o seu sequaz das Finanças já anunciaram nova ronda de roubalheira institucionalizada. Isto já não vai lá com paus de marmeleiro - os M1 (ou os Leopard 2 no nosso caso) eram bem aplicados.
Post Scriptum: Apesar de tudo, o Iraque está bem melhor agora do que no tempo do Hussein.
Tens razão Rui: o Valter (e principalmente quem o chefia) é muito mais miserável que qualquer ditador ou que qualquer sequaz de ditador - porque ele está onde está em nome do povo. Quem detém o poder pela força, apenas no uso bruto da "potestas", é miserável por isso mesmo, mas só por isso; quem detém o poder na uso da "auctoritas" - que neste caso vem do povo - e trai essa confiança usando de força bruta, é duplamente miserável - é o caso deste governo que infelizmente ainda temos.
Aliás, à luz dos últimos acontecimentos de 5ª e 6ª feira passadas, a coisa já virou golpe de estado: não se comunica nada ao Senhor PR, nada se diz à AR ou aos outros partidos representantes do povo, mente-se descaradamente aos parceiros sociais... numa miragem ditatorial, autocrática e egocêntrica que raia a idiotia.
Não há NADA que justifique tal: nem pressas, nem urgências, nem razões de Estado, nem pressões internacionais, NADA. E não adianta vir com a ladainha do interesse nacional (ou com aquela burrice – mais uma! - da “deserção”... bom, o tipo agora é ministro dos militares, aprendeu uma palavra nova...) para tentar fazer dos outros partidos reféns das decisões unilaterais do governo. Basta, chega, já se ultrapassaram todos os limites. Como é possível voltar o ataque orçamental para pensões de poucas centenas de euros e não fazer nada, nada, nada nas opulências do Estado??? isto já não é questão de esquerda ou de direita, de liberais ou de anti-liberais, de capitalistas ou de socialistas: isto é vil, é sacana, é repugnante, é vómito, é golpe de estado.
O PSD tem obrigação moral, política e nacional de travar este desmando – quer as sondagens lhe prometam vitória ou derrota; o Senhor PR tem, se ninguém mais o fizer, obrigação de impedir esta ignomínia. Se actuarem de outro modo vão amargar com o povo em revolta desabrida, nas ruas, a partir tudo – quando se aperta em excesso, quando não há mais esperança, quando é “perdido por cem, perdido por mil” a razão desaparece e há revolução. E disso nós não precisamos, não nos é útil, não resolve nada – mas é para lá que este bando de criminosos está a empurrar o país.
Sérgio,
Tens carradas de razão: o que nos têm andado a fazer é miserável e nada tem a ver com interesse nacional - é interesse de um(ns) grupo(s).
Agora já "foi de vela", mas o que e quem aí vem não me tranquiliza em absoluto.
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