31 maio, 2007

A Ota e os Camelos

A OTA E OS CAMELOS
Cartoon do Público.

“Quanto mais se fala, ouve, escreve, lê e conhece sobre o dossier do Aeroporto da Ota, mais cheira a esturro.” Escrevi isto a abrir o post “A Ota e os Otários”, publicado neste Blog em 22 de Março de 2007. Confesso que não imaginava regressar a este tema tão cedo. Contudo, não controlo a agenda política e muito menos a incontinência verbal de um significativo número de membros do executivo de José Sócrates, começando no Ministro da Economia, passando pelo Ministro da Saúde e desbocando, perdão desembocando, no Ministro da Obras Públicas.

Este último tem feito um forcing notável para superar os seus pares, conduzindo a cruzada da Ota com o zelo de um Taliban e a prudência de um rinoceronte a visitar uma loja da Vista Alegre.

O que escrevi no supra-referido post: “sendo que o argumentário que lhe costumo ouvir é do tipo: é na Ota porque tem que ser e assim está decidido.”, já não parece ser suficiente perante a barragem de críticas consistentes e sustentadas que vão sendo debitadas por pessoas qualificadas a um ritmo impressionante.

Então Mário Lino ataca com um argumento arrasador: um aeroporto tem de estar numa envolvência que inclua uma população numerosa, hospitais, escolas, hotéis, lojas comerciais, etc. Pensei para comigo: então ele já quer o Aeroporto em Lisboa. Ingenuidade minha. Esta metrópole de gente, infra-estruturas e serviços encontra-se na Ota!!! Antes que recupere o fôlego, Lino desfere o coup de grâce: ao contrário da Ota, a margem sul do Tejo é um deserto!!! Fiquei arrasado! E eu convencido que lá moravam 800.000 pessoas, havia cidades, indústrias, a principal base naval da Armada Portuguesa, explorações agro-pecuárias, os Centros de Estágio do Benfica e do Sporting e, afinal, aquilo é um mar de areia, com uns cactos, uns quantos camelos e meia dúzia de beduínos.

Lino despertou para a realidade e descobriu que estava a pensar no Mali ou na Mauritânia, quando os representantes dos tais 800.000 cidadãos (que não camelos) fizeram ouvir o seu veemente protesto pela ofensa a que o otismo excessivo do Ministro o havia levado.

Para pôr a cereja no topo do bolo, quiçá desperto pelo tropel de milhares de camelos, o Presidente do PS, Almeida Santos desvendou, com juvenil ingenuidade, o verdadeiro segredo da Ota: a Al-Qaeda estava a fazer lobby para que o novo aeroporto de Lisboa fosse na margem sul do Tejo porque já tinha guardado um stock de dinamite nas imensas dunas da Península de Setúbal para diligentemente colocar nos pilares da futura ponte, isolando a capital do seu nóvel aeroporto. Presume-se que o Presidente do PS terá acesso a informação classificada que lhe permite saber que os referidos explosivos seriam inócuos se utilizados nas pontes Vasco da Gama ou 25 de Abril!

Em Março escrevia que o Governo queria fazer os Portugueses passar por otários. Agora tivemos um downgrade para camelos. Entretanto, vamos sendo vítimas de um otismo trágico-delirante, que seria hilariante, senão fosse pago por nós para servir o interesse de outrém.

28 maio, 2007

Allez-y Sarkozy!

ALLEZ Y SARKOZY!

Nicolas Sarkozy e Tony Blair em 10 Downing Street. Um sinal de mudança?

Como se esperava e como eu desejava, Nicolas Sarkozy ganhou as duas voltas das Eleições Presidenciais Francesas e sucedeu a Jacques Chirac no Elysée.

São boas notícias.

Em primeiro lugar, significou o (penoso) fim da linha para Jacques Chirac, um embaraço e um contra-peso económico, social e político para a França que crescia a cada mês que passava.

Em segundo lugar, foi a derrota da extrema direita de Jean-Marie Le Pen que não percebeu que o êxito de 2002 era o timing para a reforma política em alta; assim, sai pela direita baixa. Foi a derrota do centrismo oportunista de Bayrou que tentou captar os votantes que não suportavam Sarkozy e que não eram capazes de votar no PSF; a primeira volta deu-lhe uma vitória pírrica – teve 18% dos votos que a segunda volta provou que “não eram dele”, mas sim do bloco político da direita UMP(RPR)/UDF, cujo representante era Sarkozy.

Foi, finalmente, a derrota da esquerda elegante, bem apresentada, visualmente atraente, mas vazia de ideias, projecto e coerência. Acredito que a boa aparência de Ségolène Royal tenha conseguido alcançar um resultado superior ao que os seus estafados adversários no PSF conseguiriam, mas a vacuidade e o anti-Sarkozismo primário têm um limite e este fica abaixo dos 50% (47%). Infelizmente, Ségolène nem a elegância conseguiu manter quando a derrota se avizinhava, optando por um discurso agressivo e até mal educado no debate televisivo com Sarkozy. Podia ter-nos deixado um sorriso simpático, mesmo que fosse de plástico, optou por deixar um azedume de vinegrette fora de prazo.
Em terceiro lugar, last but not least, os Franceses elegeram o único candidato que dava uma esperança de ser diferente para melhor que os seus três antecessores: tem um projecto reformador, porque percebeu que a França está, em muitas áreas, desfazada da realidade sócio-económica do século XXI, que o peso económico da França é cada vez menor, que a sua influência e peso políticos na Europa e no mundo é uma fracção do que era há 30 anos, que o seu PIB p/c foi ultrapassado, entre outros, pelo Reino Unido e pela Irlanda. Sarkozy percebeu também que este estado de coisas não se ultrapassa com paninhos quentes e contemporizações e muito menos com um poder refém das ruas, do Maio de 68, da CGT congelada em 1970, dos bloqueios rodoviários dos agricultores com os seus tractores e dos motoristas com os seus camiões, dos estudantes que confundem idealismo com violência e das banlieues e da sua “escumalha” incendiária.

Menor carga fiscal, mais liberalismo económico, maior flexibilidade laboral e menor peso estatal são alguns dos objectivos de Sarkozy e requisitos para que possa ter sucesso.

Na política externa, uma maior abertura ao Reino Unido e uma diminuição drástica dos tiques anti-americanos, a concretizarem-se, só farão bem à França e ao Ocidente. Um sinal positivo nesta área seria um envolvimento mais sério e empenhado de Paris com a NATO no Afeganistão.

Allez-y Sarkozy! Tira a França do torpor e trá-la para o século XXI.
 
P.S. Como não há bela sem senão, as visitas imediatas a Berlim e a Bruxelas e o empenho em fazer um mini-Tratado Europeu e subtrai-lo ao julgamento de novo referendo poderá representar uma traição à vontade do eleitorado e ter um preço pouco simpático. No entanto, se for bem sucedido na Renaissance de la France, não sedrá isso que travará em 2012.