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31 março, 2014

Definhamento Democrático

DEFINHAMENTO DEMOCRÁTICO


O chefe da burocracia da União Europeia, o inefável Durão Barroso, declarou na semana passada que seria bom que PSD, PS e CDS apoiassem o mesmo candidato à Presidência da República em 2016. Durão foi mais longe incluindo na sua lista de desejos (exigências?) um consenso entre os 3 partidos para as eleições legislativas de 2015.


Se se tratasse de um mero delírio de um homem em fim de ciclo, seria algo descartável que provavelmente nem mereceria referência em Tempos Interessantes.


Porém, não é assim.


Assistimos há anos na Europa a uma crescente vertigem pelo chamado consenso. Mais exactamente, pelo consenso alargado.


Em Portugal temos sido martelados pelo famigerado consenso ao longo do último ano por Cavaco, Coelho, Portas, pelos burocratas de Bruxelas e por personagens ligados à finança e a grandes empresas.


Mas há mais exemplos:


A Áustria foi governada por uma Grande Coligação dos seus dois maiores partidos (SPO – Partido Social-Democrata e OVP – Partido Popular) durante 34 anos entre 1945 e 2000. Após um interregno de 7 anos, a Grande Coligação governa a Áustria desde 2007, perfazendo 41 anos de poder desde a II Guerra Mundial.


A Alemanha também é governada por uma Grande Coligação entre os seus dois maiores partidos (CDU/CSU – União Social Cristã e SPD – Partido Social-Democrata). Nos primeiros 56 anos de existência da Alemanha Federal, houve apenas um governo da Grande Coligação (1966-1969). Projectando o actual governo até ao final do mandato (2017), teremos 8 anos de Grande Coligação num período de apenas 12 anos (2005/2017).


A Grécia é governada (?) por uma Grande Coligação entre a Nova Democracia (Centro Direita) e o PASOK (Socialista), apesar de ambos os partidos terem sofrido enormes perdas nas duas últimas eleições.


A Itália é (des)governada por uma Grande Coligação que une a Esquerda aglomerada numa coligação liderada pelo Partido Democrático, a Direita compactada noutra coligação liderada pelo Partido da Liberdade de Silvio Berlusconi e ainda uma coligação centrista mais pequena liderada pela Escolha Cívica.


Qual é a relevância de tudo isto?


É o esvaziamento das alternativas. A Democracia implica escolha e uma escolha com sentido requere a existência de reais alternativas. Os maiores partidos, normalmente dois, são os principais (ou únicos) candidatos a liderar governos. Se ambos, ou todos, defendem a mesma plataforma eleitoral, se combinam as políticas e as medidas, qual é a serventia das eleições?


O resultado é um pensamento único, uma só estratégia, um conjunto de políticas uniformes, em suma, um jogo viciado em que o eleitor é colocado perante uma escolha entre uma coisa e outra igual.




Os Porcos de “Animal Farm” (“Triunfo dos Porcos”). Também eles representavam o governo das elites, pelas elites, para as elites.



Esse é um dos factores desmobilizadores do eleitorado. Quanto maior é a abstenção e quanto mais aumentam os votos brancos e nulos, menor é a legitimidade democrática dos parlamentos e governos que emanam dessas eleições. Infelizmente, a experiência mostra-nos que os partidos só (fingem que) se preocupam com estes fenómenos na noite eleitoral. Depois disso, garantida a presença nos e o domínio dos órgãos legislativo e executivo, it is business as usual.


Outra componente desta estratégia é a eleição da política seguida como a única válida e a demonização das alternativas: ser contra as directrizes emanadas de Berlim, Bruxelas ou Frankfurt é anátema. Ser nacionalista, ser socialmente conservador, ser pio (se for cristão), ter reservas sobre a imigração, ter uma visão mais estatizante da economia, ser favorável a um Estado Social forte ou de cortes nos privilégios da banca constituem um elenco de alguns delitos de opinião que nos podem levar à fogueira da inquisição da elite europeia. A indignação (miserável, diga-se) com que foi acolhido o “Manifesto dos 74”, é um exemplo desta intolerância e de uma pulsão fortemente anti-democrática.


É óbvio que esta consensualização coerciva não é inocente, nem acidental. Ela visa a perpetuação dos mesmos protagonistas no poder (partidos e políticos) e também perpetuar as linhas estratégicas e as políticas que vêm sendo genericamente seguidas nas duas últimas décadas.


Desta forma, o sistema político vai deslizando da democracia para uma oligarquia em que os grupos dominantes (partidos, grandes interesses financeiros e económicos e a burocracia) efectivamente drenam a vitalidade democrática, retirando valor às eleições, fazendo letra morta dos programas eleitorais e restringindo ou eliminando os referendos.


É esta auto-nomeada vanguarda esclarecida quem hoje, cada vez mais, põe e dispõe dos destinos de muitos países da Europa, à revelia dos cidadãos e frequentemente contra eles.



P.S. Outra das consequências da standardização dos partidos é a procura de alternativas nas franjas do sistema político. Foi assim que foi interrompido o duopólio austríaco em 1999: o FPO (Partido Liberal Popular), conotado com a extrema-direita, obteve 27% dos votos e integrou o governo de Viena com o OVP. As elites dominantes na Europa ficaram chocadas, como ficaram ontem com os sucessos da Front Nationale em França, como se espantaram com o ressurgimento do PCP e como vão ficar revoltados com o previsível sucesso de vários destes partidos marginais ao sistema (non-mainstream) nas próximas eleições europeias.


Talvez quando alguns destes partidos ganharem mesmo, aprendam a lição. Contudo, então talvez seja demasiado tarde.






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