25 maio, 2018

Geopolítica do Irão na Síria


GEOPOLÍTICA
DO IRÃO NA SÍRIA

 
Posicionamentos Russos, Iranianos e de aliados do Irão na Síria.
in STRATFOR at www.stratfor.com

O foco mediático do Médio Oriente tem estado na Embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, nos conflitos de Gaza e no destino do Acordo Nuclear 5+1-Irão após a retirada Americana do mesmo. Contudo, bem mais sério e perigoso a curto prazo, é o crescente atrito entre Israel e o Irão na Síria. Para o percebermos melhor, será relevante saber o que motiva o Irão na Síria.

A Síria é uma das pedras angulares (a outra é o Iraque) da estratégia geopolítica do Irão. Se a presença no Iraque oferece ao Irão conforto na sua mais longa fronteira (1600km), a afinidade com a sua maioria xiita e os tentaculares apoios políticos e militares angariados, a sua influência sobre a Síria traz-lhe o acesso ao Mediterrâneo, facilita o apoio ao seu principal peão no Médio Oriente (o Hezbollah) e permite o “encosto” a Israel.

As duas últimas componentes (Hezbollah e “encosto”) causam óbvio desconforto a Israel. A milícia libanesa representa a maior ameaça directa para Israel por força da proximidade, da militância anti-hebraica, do enorme arsenal de mísseis e da sua proficiência militar, entretanto burilada na Guerra da Síria. Não que esteja em causa a vitória final de Israel num eventual conflito, mas o custo pode ser elevado e dependerá muito do duelo entre os mísseis e rockets do Hezbollah e a aviação e o sistema anti-mísseis de Israel.

Já o Irão, representa a principal ameaça a Israel, mesmo que de forma mais diferida. A distância (cerca de 1800km de Teerão a Jerusalém) não propicia o confronto directo, mas a dimensão, o poder e a sanha anti-judaica do actual regime de Teerão, conferem-lhe capacidade e motivação para uma agressão, nomeadamente com mísseis.

Contudo, a Guerra da Síria propiciou o deslocamento de forças iranianas da Guarda Revolucionária (IRGC) para apoiar o regime de Assad. Além dos Guardas Revolucionários, afluiu à Síria uma multitude de milícias xiitas ao serviço de Teerão provenientes do Líbano, Iraque, Afeganistão e Paquistão. Este movimento pode ser um game changer.

Com efeito, o destacamento iraniano na Síria parece ter perdido o carácter expedicionário, evoluindo para uma presença permanente. A Guerra na Síria, lato sensu, ainda não terminou (nem acabará tão cedo), mas a questão central de quem governa a Síria, ou a sua parte mais substantiva, está resolvida por algum tempo. No entanto, não há sinais de menor envolvimento do Irão e dos seus proxies. Porquê?

As razões são múltiplas:

1- Assad ganhou, mas continua vulnerável e há partes significativas do país (Idlib, Norte e Nordeste, partes do Sul) que não controla. Para ter segurança de que continuará em Damasco, Assad precisa de um módico de apoio da Rússia e do Irão. Moscovo e Teerão são o seu seguro de vida. Depois do que investiu em ouro, chumbo e sangue, o Irão não quererá deitar tudo a perder.

2- O Irão apoia o desiderato de Assad de retomar o controlo da totalidade do território. Tal é um empreendimento muito difícil e que carece de participação do IRGC, dos seus peões e, idealmente, da Força Aérea Russa.

3- A Síria, hoje, vai muito além do Exército Árabe Sírio e dos rebeldes, é um tabuleiro onde jogam potências exógenas e regionais: Rússia, EUA, Irão, Turquia, Arábia Saudita, Israel, vão movimentando as suas peças e prosseguindo os seus objectivos de presença, influência e de poder.

4- Decorrendo do ponto anterior, o Irão quer limitar os avanços militares da Turquia no Norte e conter a sua influência. A Síria é uma das vertentes na luta pela hegemonia entre Teerão e Ancara no Médio Oriente, mas é um palco de particular relevância para os herdeiros dos Otomanos e dos Persas: o controlo do Levante para aqueles, o contínuo Teerão-Beirute para estes.

Neste contexto, a luta pelo controle da fronteira da Síria com o Iraque é de especial importância para o Irão garantir o supra-referido objectivo. E aí, enfrenta a oposição dos Curdos e de outros rebeldes apoiados por Washington, o que torna a missão mais espinhosa.

5- Finalmente, Israel. As ameaças de aniquilação total de Israel e de negação do Holocausto frequentemente proferida pelo anterior Presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad não eram delírios de um fanático isolado. Na verdade, eram a exteriorização desbragada de um sentimento/convicção/política enraizada na matriz de pensamento do establishment conservador iraniano e ancorado no Supremo Líder, o Ayatollah Ali Khamenei.*

A chegada do contingente iraniano à Síria e a menor pressão a que está agora sujeito, providenciaram uma ocasião única para o Irão: colocar pressão extra sobre Israel e, inclusive, evoluir das ameaças retóricas e do atrito provocado pelos seus peões para acções cinéticas, testando e provocando Jerusalém.

Entretanto, Israel, que há muito desencadeia ataques cirúrgicos contra alvos do Hezbollah na Síria (especialmente transportes de equipamento militar), começou a retaliar contra acções do Irão, ou por ele promovidas, bem como, a fazer ataques preventivos.

O Irão tem demonstrado uma inquebrantável tenacidade na prossecução dos seus objectivos geopolíticos e de segurança e depois do que já alcançou na Síria, não vai desistir. Israel é sobejamente conhecido pela intransigência com que protege o seu território, os seus cidadãos, a sua segurança.

Num cenário de conflito aberto, o Irão sairia certamente derrotado e Israel sofreria, provavelmente, bastantes danos. Descontando escaladas derivadas de acidentes ou de más interpretações, o maior problema será se o Irão achar que é uma boa oportunidade para testar as vulnerabilidades de Israel, ou se Israel concluir que é o timing de enfraquecer o Irão e de espancar o Hezbollah.

Nesses cenários, podemos assistir à mais significativa guerra regional e inter-estadual desde a Guerra Irão-Iraque de 1980/88. Apesar de tudo, não é esse o cenário que antevejo; tanto em Teerão como em Jerusalém, os contras ainda superam os prós.



* Duas declarações que comprovam esta atitude dos mais altos dirigentes iranianos:

“The Zionist regime is a true cancer tumour on this region that should be cut off,” Khamenei said in a 2012 speech. “We will support and help any nations, any groups fighting against the Zionist regime across the world. If Muslims and Palestinians unite and all fight, the Zionist regime will not be in existence in 25 years.”
Supremo Líder Ayatollah Ali Khamenei

“The chain of Resistance against Israel by Iran, Syria, Hezbollah, the new Iraqi government and Hamas passes through the Syrian highway. … Syria is the golden ring of the chain of resistance against Israel.”
Ali Akbar Velayati, Conselheiro do Ayatollah Ali Khamenei

in “The Washington Post” em www.washingtonpost.com


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